“A
quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo
6, 68).
Estando com seus discípulos, eis que Jesus escuta a
reclamação deles: “Esta palavra é dura.
Quem consegue escutá-la?” (Jo 6, 60). Os discípulos não suportam a
radicalidade da palavra de Jesus. Este é um problema que persegue o itinerário
da vida cristã até os dias de hoje: Muitos dos seguidores de Jesus não suportam
a sua palavra. É comum encontrarmos interpretações superficiais da palavra de
Jesus, feitas com o objetivo de tentar ocultar a sua força e a sua
radicalidade. Isto é demasiadamente perigoso porque é uma traição. Trair Jesus
é deixar a sua palavra de lado, e no lugar colocar um discurso vazio, que nada
ensina e nada converte.
Como identificar a verdadeira palavra de Jesus? O que
fazer para não se deixar levar pelas mentiras dos discursos, infelizmente
presentes em muitas de nossas Igrejas? Não precisamos criar uma resposta, pois
o próprio Jesus fala do conteúdo de sua palavra: “As palavras que vos falei são espírito e vida” (v. 63). Se a
pregação que escutamos constitui uma repetição infinita de doutrinas que nada
falam, nela não está a palavra de Jesus. Quais os efeitos de nossas homilias,
sermões, discursos? Se não passam de meras formalidades, então não falam da
palavra de Jesus. O povo deixa os nossos templos sem ter escutado a palavra de
Jesus e, assim, não se converte.
Por que após anos de estudos teológicos e exegéticos nas
faculdades de teologia, muitos de nossos pastores não pregam a palavra de
Jesus? Temos três possíveis respostas para esta indagação. A primeira, porque
eles mesmos não aceitam a palavra de Jesus. Ela lhes parece dura demais. Então,
inventam outras coisas para falar ao povo. Ao invés de pregar o evangelho,
pregam moralismo. Jesus nunca pediu aos seus discípulos para pregar a moral e
ensinar os bons costumes. O mandato missionário é para o anúncio do evangelho. Fora
disso não há missionário. Por isso, quando os pastores começam a falar ao povo,
ensinando-o a respeito do que é ou não pecado, estão fugindo da palavra de
Jesus. O Filho de Deus não enviou ninguém com a missão de legislar sobre a vida
das pessoas, catalogando pecados.
A segunda, porque a palavra de Jesus cria a liberdade. Infelizmente,
muitos de nossos pastores tem medo de conviver com pessoas livres. Eles sabem que
a palavra de Jesus produz fruto, e um dos maiores é a liberdade. O espírito da
palavra de Jesus gera a liberdade nas pessoas. Todo aquele que se encontra com
esta palavra, aceitando-a e vivendo-a com o coração, transforma-se noutro
Cristo. Aqueles pastores assim procedem porque atuam como funcionários de uma
empresa preocupada em não perder clientes. Recusam-se a pregar a palavra de
Jesus porque sabem que ela gera pessoas livres em relação à religião,
impossíveis de ser manipuladas.
A terceira resposta está intimamente ligada à segunda:
Ocultando a palavra de Jesus, muitos de nossos pastores não desejam a conversão
do povo de Deus. Querem que o povo permaneça na mesmice, na tibieza de uma vida
fútil, superficial, alienada, passiva, sujeitada, estéril. Quando as pessoas
não reclamam, silenciando-se e contentando-se com o rubricismo litúrgico
incapaz de evangelizar, o resultado logo aparece: Pastores e fieis dispersos,
desorientados, cadáveres ambulantes frequentando o culto, numa repetição
tediosa de gestos e palavras que não levam a nada. Tudo não passa de aparência.
Todos fazem de conta que seguem Jesus, mas o desconhecem.
As palavras de Jesus são espírito e vida: O que isto
significa? Qual a nossa experiência com a palavra de Jesus? Ela tem realizado
algum efeito em nossas vidas? Ela tem nos transformado, interiormente? Entre todas
as palavras proferidas pelos homens, somente a palavra de Jesus é capaz de
transformar uma pessoa. Somente ela permanece para sempre. Como afirmou tão
acertadamente o apóstolo Pedro: “Tu tens
palavras de vida eterna” (v. 68). Quem aderir à palavra de Jesus já
participa da vida eterna. Somente ela confere eternidade à vida. A compreensão,
aceitação e prática da palavra de Jesus convertem a pessoa, criando nela uma
fonte que jorra para a vida eterna. Por meio da palavra de Jesus participamos,
misteriosamente, da vida de Deus já neste mundo. Ela nos concede a visão de
Deus.
Quem guarda a palavra de Jesus está livre do medo de
todas as coisas, inclusive do medo da morte. Também está livre da tristeza, do
desânimo e de toda forma de prisão. Trata-se de uma experiência de encontro com
esta palavra de vida, repleta de espírito. No interior de nossas entranhas, ela
nos faz experimentar Deus. Misteriosamente, ela nos transforma naquilo que Deus
quer: Em irmãos universais, holisticamente sintonizados com todas as coisas. Assim,
penetrados por esta palavra, somos, de fato, sal da terra e luz do mundo. Sem a
palavra de Jesus estamos na escuridão, dominados pelos medos que este mundo
procura nos impor. Sem ela é impossível optar por Jesus e perseverar em seu
caminho. Ninguém pode dizer que segue a Jesus sem aderir à sua palavra. É esta
que faz o discípulo missionário.
Somente
os que a aderem podem iluminar, atrair, santificar, guardar, jorrar,
rejuvenescer, nascer de novo, ser irmão, fazer resplandecer a presença amorosa
e libertadora de Deus no mundo. Para isso, a palavra precisa chegar à mente e
ao coração, ao mais profundo do nosso ser. É preciso que a deixemos trabalhar
em nós. A força desta palavra é infinita. É ela que nos converte e nos salva. É
a chave que nos abre as portas da eternidade, ainda estando em nossos corpos
mortais. Ela é um mistério de amor, que sonda e purifica as profundezas do
nosso ser. Por meio dela, Deus permanece em nós, concedendo-nos uma alegria
extraordinária, amando-nos, salvando-nos, hoje e sempre.
Tiago de França
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