sábado, 22 de agosto de 2015

Optar por Jesus

“A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6, 68).

            Estando com seus discípulos, eis que Jesus escuta a reclamação deles: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo 6, 60). Os discípulos não suportam a radicalidade da palavra de Jesus. Este é um problema que persegue o itinerário da vida cristã até os dias de hoje: Muitos dos seguidores de Jesus não suportam a sua palavra. É comum encontrarmos interpretações superficiais da palavra de Jesus, feitas com o objetivo de tentar ocultar a sua força e a sua radicalidade. Isto é demasiadamente perigoso porque é uma traição. Trair Jesus é deixar a sua palavra de lado, e no lugar colocar um discurso vazio, que nada ensina e nada converte.

            Como identificar a verdadeira palavra de Jesus? O que fazer para não se deixar levar pelas mentiras dos discursos, infelizmente presentes em muitas de nossas Igrejas? Não precisamos criar uma resposta, pois o próprio Jesus fala do conteúdo de sua palavra: “As palavras que vos falei são espírito e vida” (v. 63). Se a pregação que escutamos constitui uma repetição infinita de doutrinas que nada falam, nela não está a palavra de Jesus. Quais os efeitos de nossas homilias, sermões, discursos? Se não passam de meras formalidades, então não falam da palavra de Jesus. O povo deixa os nossos templos sem ter escutado a palavra de Jesus e, assim, não se converte.

            Por que após anos de estudos teológicos e exegéticos nas faculdades de teologia, muitos de nossos pastores não pregam a palavra de Jesus? Temos três possíveis respostas para esta indagação. A primeira, porque eles mesmos não aceitam a palavra de Jesus. Ela lhes parece dura demais. Então, inventam outras coisas para falar ao povo. Ao invés de pregar o evangelho, pregam moralismo. Jesus nunca pediu aos seus discípulos para pregar a moral e ensinar os bons costumes. O mandato missionário é para o anúncio do evangelho. Fora disso não há missionário. Por isso, quando os pastores começam a falar ao povo, ensinando-o a respeito do que é ou não pecado, estão fugindo da palavra de Jesus. O Filho de Deus não enviou ninguém com a missão de legislar sobre a vida das pessoas, catalogando pecados.

            A segunda, porque a palavra de Jesus cria a liberdade. Infelizmente, muitos de nossos pastores tem medo de conviver com pessoas livres. Eles sabem que a palavra de Jesus produz fruto, e um dos maiores é a liberdade. O espírito da palavra de Jesus gera a liberdade nas pessoas. Todo aquele que se encontra com esta palavra, aceitando-a e vivendo-a com o coração, transforma-se noutro Cristo. Aqueles pastores assim procedem porque atuam como funcionários de uma empresa preocupada em não perder clientes. Recusam-se a pregar a palavra de Jesus porque sabem que ela gera pessoas livres em relação à religião, impossíveis de ser manipuladas.

            A terceira resposta está intimamente ligada à segunda: Ocultando a palavra de Jesus, muitos de nossos pastores não desejam a conversão do povo de Deus. Querem que o povo permaneça na mesmice, na tibieza de uma vida fútil, superficial, alienada, passiva, sujeitada, estéril. Quando as pessoas não reclamam, silenciando-se e contentando-se com o rubricismo litúrgico incapaz de evangelizar, o resultado logo aparece: Pastores e fieis dispersos, desorientados, cadáveres ambulantes frequentando o culto, numa repetição tediosa de gestos e palavras que não levam a nada. Tudo não passa de aparência. Todos fazem de conta que seguem Jesus, mas o desconhecem.

            As palavras de Jesus são espírito e vida: O que isto significa? Qual a nossa experiência com a palavra de Jesus? Ela tem realizado algum efeito em nossas vidas? Ela tem nos transformado, interiormente? Entre todas as palavras proferidas pelos homens, somente a palavra de Jesus é capaz de transformar uma pessoa. Somente ela permanece para sempre. Como afirmou tão acertadamente o apóstolo Pedro: “Tu tens palavras de vida eterna” (v. 68). Quem aderir à palavra de Jesus já participa da vida eterna. Somente ela confere eternidade à vida. A compreensão, aceitação e prática da palavra de Jesus convertem a pessoa, criando nela uma fonte que jorra para a vida eterna. Por meio da palavra de Jesus participamos, misteriosamente, da vida de Deus já neste mundo. Ela nos concede a visão de Deus.

            Quem guarda a palavra de Jesus está livre do medo de todas as coisas, inclusive do medo da morte. Também está livre da tristeza, do desânimo e de toda forma de prisão. Trata-se de uma experiência de encontro com esta palavra de vida, repleta de espírito. No interior de nossas entranhas, ela nos faz experimentar Deus. Misteriosamente, ela nos transforma naquilo que Deus quer: Em irmãos universais, holisticamente sintonizados com todas as coisas. Assim, penetrados por esta palavra, somos, de fato, sal da terra e luz do mundo. Sem a palavra de Jesus estamos na escuridão, dominados pelos medos que este mundo procura nos impor. Sem ela é impossível optar por Jesus e perseverar em seu caminho. Ninguém pode dizer que segue a Jesus sem aderir à sua palavra. É esta que faz o discípulo missionário.

Somente os que a aderem podem iluminar, atrair, santificar, guardar, jorrar, rejuvenescer, nascer de novo, ser irmão, fazer resplandecer a presença amorosa e libertadora de Deus no mundo. Para isso, a palavra precisa chegar à mente e ao coração, ao mais profundo do nosso ser. É preciso que a deixemos trabalhar em nós. A força desta palavra é infinita. É ela que nos converte e nos salva. É a chave que nos abre as portas da eternidade, ainda estando em nossos corpos mortais. Ela é um mistério de amor, que sonda e purifica as profundezas do nosso ser. Por meio dela, Deus permanece em nós, concedendo-nos uma alegria extraordinária, amando-nos, salvando-nos, hoje e sempre.


Tiago de França

Nenhum comentário: