domingo, 18 de outubro de 2015

O seguimento de Jesus e a disputa pelo poder

“Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro seja o escravo de todos” (Mc 10, 42 – 43).

            Certo dia, dois dos discípulos de Jesus fizeram-lhe um pedido inconveniente: “Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda quando estiveres na tua glória!” (Mc 10, 37). Jesus não gostou do pedido, pois, visivelmente, percebeu as ambições deles. Este pedido revela que eles não compreendiam a missão de Jesus. Este lhes falava de amor ao próximo, e aqueles estavam pensando na melhor colocação no Reino de Deus. Até os dias de hoje é assim: boa parcela dos cristãos está pensando no paraíso, na glória, esquecendo-se da missão neste mundo.

            O ser humano possui a tendência de viver a procura das glórias humanas, do prestígio, sucesso, fama, influência, poder. Facilmente, percebemos a tentação da vontade de poder, vontade de dominar, controlar, manipular, permanecer por cima. As pessoas querem os primeiros lugares, buscam o brilho, o elogio, o aplauso. Procuram o caminho largo e fácil, prazeroso e colorido, a via dos excessivos prazeres. São imediatistas, materialistas, consumistas e, consequentemente, egoístas. Carpe diem: aproveitar ao máximo o tempo presente. Esta parece ser a lei da mulher e do homem pós-modernos. Não se vive na perspectiva da eternidade, e o outro é cada vez mais deixado de lado e, muitas vezes, esquecido.

            Quando Jesus fala que quem quiser ser grande seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro seja o escravo de todos, certamente, hoje, as pessoas não veem com bons olhos esta recomendação. O grande ser o servo e os que querem ser o primeiro se tornar servos parece algo desagradável. Nas Igrejas e, portanto, no meio religioso, as pessoas até acham bonita esta recomendação de Jesus, mas na prática cotidiana ela não é observada, pois, no fundo ficam se perguntando: Por acaso posso renunciar aos meus interesses para amar o próximo? O que vou ganhar amando o próximo? Serei reconhecido no amor ao próximo? Será que o próximo vai me amar também? Por que não seguir Jesus sem observar esta sua recomendação? Será que Jesus não está querendo dizer outra coisa?... E, assim, as pessoas gastam tempo procurando justificativas para não observar a recomendação de Jesus.

            Tanto no mundo secular quanto no religioso há disputas pelo poder. Na política brasileira, atualmente, o que estamos assistimos são disputas pelo poder. Não há preocupação com o bem comum. A luta incansável pela cassação do mandato da Presidenta e seu vice não tem como base a preocupação com o bem comum nem o combate à corrupção, mas busca-se o poder para reforçar a corrupção. E como ensinava Nicolau Maquiavel, o grande filósofo da filosofia política moderna, em sua obra O Príncipe: os homens são capazes de tudo para conquistar e manter-se no poder. Não há democracia que resista à sede de poder das pessoas e grupos. Na política, quando não se cultiva os valores da honestidade, verdade e transparência, a conquista e manutenção do poder sempre ocorre por meios ilícitos. Qualquer pessoa de bom senso enxerga isso na atual situação do Brasil. E como não há democracia consolidada, o povo somente assiste. Passivamente, enxerga a realidade a partir da mídia manipuladora e corporativista, legitimadora dos interesses dos poderosos.

Na Igreja Católica, assim como nas demais Igrejas cristãs, encontramos as disputas pelo poder. Muita gente quer dominar em nome de Deus. Entendemos que isto é um pecado grave porque vai contra a recomendação de Jesus. Este enviou seus discípulos para amar servindo e não para amar dominando nem controlando. Aliás, onde há dominação e controle não há amor. Este é incompatível com toda forma de dominação e controle. Os que praticam o Cristianismo, considerando o evangelho de Jesus, sabem muito bem que o mandamento do amor, ensinado e praticado por Jesus, não autoriza a dominação e o controle de quem quer que seja. Se em nossas Igreja há pastores que ensinam que Jesus falou para que todos os crentes os obedecessem, aí há uma mentira bem contada. Em nenhum momento Jesus ensinou a obediência aos homens; pelo contrário, ensinou a obediência a Deus no amor.

     Por causa de sua estrutura hierárquica e acúmulo de poder, na Igreja Católica, desde o momento de seu reconhecimento como religião oficial do antigo império romano até os dias atuais, encontramos o mal das disputas pelo poder. Até o Concílio Vaticano II, ser leigo consistia em ser ovelha obediente aos pastores. Afirmava-se que os padres e bispos eram os únicos conhecedores da vontade divina e que os leigos deveriam simplesmente obedecer-lhes. Leigo fiel era o leigo obediente.  

A obediência era tão cega que mesmo sabendo que o padre estava equivocado naquilo que falava e fazia, os leigos, mesmo assim, obedeciam. Diziam os leigos, entre si: “Quem somos nós para questionar o padre?” Muitas outras manifestações legitimadoras do poder clerical podem ser encontradas nos registros históricos. Mesmo após o Concílio Vaticano II, em muitas comunidades, os padres continuam sendo considerados donos da comunidade, senhor dos fieis, detentor da verdade inquestionável. Muitos padres, ao tomarem posse de suas paróquias, se apoderam, literalmente, das comunidades, tratando-as como se fossem coisas suas. Até hoje a Igreja mantém o ritual de posse dos párocos, como se a paróquia fosse uma propriedade do padre.

            Infelizmente, nestes casos, o poder não é colocado à serviço das pessoas e comunidades. Certo dia, acompanhando um padre numa comunidade, durante uma reunião com as lideranças, uma das líderes falou em nome das demais: “Senhor padre, o senhor está chegando em nossa paróquia, queremos lhe dizer que estamos aqui para servi-lo no que o senhor precisar”. Quando chegou a vez do padre falar, esperei que ele fosse corrigir o erro da fala da líder comunitária; infelizmente, ocorreu o contrário: reforçou a fala, e naquela paróquia permaneceu durante dez anos, sendo servido por todos.  

Na verdade, Jesus pediu o contrário: nas Igrejas, os líderes, sem exceção, deveriam ser os servidores das pessoas e comunidades. É de se observar, vergonhosamente, em muitos lugares o fato de que os pastores são figuras tão importantes e tão distantes do povo que, para se ter uma simples conversa com eles, se faz necessário marcar audiência. Cremos que se Jesus viesse pessoalmente hoje para ser atendido em algumas paróquias, teria que marcar audiência para falar com o padre!

            O que está por trás dos conflitos entre o papa Francisco e alguns cardeais? É óbvio que são as disputas pelo poder! O papa fala de misericórdia como remédio para muitos males existentes na Igreja e na sociedade, mas os que são apegados ao poder não o escutam nem o aceitam porque sabem que a misericórdia é contrária às disputas pelo poder. Os misericordiosos não buscam o poder para serem servidos, pois a misericórdia é um movimento na direção do outro, para a prática do amor-doação.  

Os que são apegados ao poder desconhecem o amor-doação. E o motivo é simples de entender: vivem em função da conquista e manutenção do poder, alicerçadas nos privilégios. A misericórdia, para os que assim procedem, é considerada como uma ameaça a ser combatida. Quando somente há espaço para as disputas pelo poder, não há espaço para o evangelho de Jesus, e estando o evangelho excluído, comete-se os absurdos que a história da Igreja nos conta e que, em muitos casos, continuamos assistindo. A tentativa de continuar excluindo da mesa eucarística os casais de segunda união é um exemplo disso, entre outros.

            Por fim, consideremos a seguinte sentença: não há seguimento de Jesus onde há disputa pelo poder. Os discípulos de Jesus tiveram que renunciar à disputa pelo poder. Jesus apontou-lhes o caminho do serviço como o único possível para o seguimento. Não há seguimento fora do serviço aos irmãos. Portanto, quem quiser seguir Jesus deve se colocar no caminho do serviço, do amor-doação. Não há outro caminho que leve a Deus, que conduza à salvação, que construa o Reino.  

Fora do amor-doação há egoísmo e aparência de fé. Um cristão pode ser piedoso e fiel às normas religiosas, mas sua piedade e fidelidade às normas não possuem nenhum valor diante de Deus se não pauta a sua vida no amor-doação. Portanto, devemos escolher: ou nos entregamos ao amor-doação, praticando-o; ou nos entregamos ao egoísmo, praticando a indiferença. Somente há cristão verdadeiro no amor-doação. Fora deste, tudo não passa de aparência, portanto, mentira e ilusão.

Tiago de França

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