Deus é infinitamente
misericordioso. A misericórdia é o seu segredo por excelência, pois fala de sua
essência, do seu ser. Por isso, é a condição fundamental do evangelho e a chave
de compreensão da vida cristã. Exercitar a misericórdia é permanecer unido a
Deus, revelando-o ao mundo, fazendo resplandecer a sua bondade.
Não é mero discurso, nem mera compreensão teológica, mas
é ação impulsionada pela força de Deus, manifestada no Espírito de Jesus. Através
das mãos e dos braços que servem e acolhem os irmãos e irmãs, a misericórdia
divina se manifesta no mundo. Não há abstração. Não é metafísica. É evangelho
de Cristo na carne sofrida dos irmãos.
Em meio às dores, na escuta do clamor das vítimas,
ceifadas pelas injustiças que se cometem neste mundo, aparece o óleo da
misericórdia. Há samaritanos que socorrem os caídos, curando-lhes as feridas. Há
mulheres e homens que acreditam na epifania do mundo novo. Há vozes despertando
a esperança. Projetos falando de paz. Tudo isso é manifestação da misericórdia
de Deus no mundo.
Desde Roma, Francisco clama por justiça, denunciando as
mazelas da humanidade, a covardia dos homens ambiciosos e a força do mal. Em meio
ao clamor dos pobres latino-americanos e africanos, proclama em alta voz a
benevolência divina. E os pobres, cansados e abatidos, acolhem a palavra
libertadora de Deus e renovam o compromisso de continuarem lutando para que a
vida se multiplique, mesmo quando são obrigados a chorar pelo derramamento de
sangue. Este é um sinal da ação misericordiosa de Deus.
Em toda parte há corações e mentes abrasadas, despertadas
e disponíveis. Há pessoas que se organizam, que pensam, que ousam desafiar os
poderosos; que não se calam, que fazem ouvir o seu clamor. Há braços em
movimento, de gente com sangue novo nas veias, tomadas por uma força misteriosa
que as faz caminhar com Jesus na contramão do mundo. É a força de Deus que levanta
do chão os caídos, fazendo-os caminhar com Jesus, na direção do Pai, rumo à
plenitude do Reino.
Neste dia 8 de dezembro, dia da solene celebração da
Imaculada Conceição de Maria, o papa Francisco vai iniciar um jubileu
extraordinário: O Jubileu da Misericórdia. Neste mesmo dia, em 1965,
encerrava-se, em Roma, o Concílio Ecumênico Vaticano II. Trata-se de um Ano
Santo no qual a Igreja proclamará com maior clareza e fervor o dom da
misericórdia de Deus, convidando a todos a trilharem o caminho da necessária conversão.
Desde o início do seu pontificado, o papa Francisco tem
proclamado, corajosamente, o evangelho da misericórdia. O que nos ensina este
evangelho? O que nos convida a fazer? Na perspectiva de Jesus, o enviado do Pai
e evangelizador dos pobres, podemos elencar algumas exigências que brotam do
coração deste evangelho de vida e de liberdade. Assim, Jesus nos chama à
conversão pessoal e eclesial. Esta conversão passa, necessariamente, pelas
seguintes exigências:
- Mudança de mentalidade
e abertura ao outro;
- Reconhecimento e
acolhida do novo e diferente;
- Promoção da cultura do
encontro e erradicação da cultura da eliminação do outro, que ocorre por meio
do preconceito, racismo, intolerância, indiferença e ódio;
- Visão do outro como
irmão, amigo e companheiro, e não como inimigo a ser combatido;
- Cultivar o desapego
e/ou despojamento, em vista de permanecer livre para a missão;
- Intensificar o espírito
de oração, meditação e contemplação;
- Buscar reconciliar-se
com o outro, evitando intrigas e discussões desnecessárias;
- Reforçar o positivo,
evitando o pessimismo, assim como buscar sempre o que há de bom no outro;
- Manter-se atento às
necessidades do outro, colocando-se ao seu serviço, de forma gratuita, generosa
e solidária;
- Incentivar e colaborar
com as iniciativas que visam a libertação integral das pessoas em todas as
áreas de atuação humana;
- Promover, nas
comunidades eclesiais, a inclusão dos que são socialmente excluídos.
Como foi dito acima, a misericórdia divina é ação amorosa
de Deus no mundo. Ação não é abstração! As posturas acima elencadas, dentre
tantas outras, são formas de participação do cristão na missão de Jesus. Por isso,
o Ano Jubilar da Misericórdia não pode ficar restrito à liturgia da Igreja. A celebração
litúrgica somente ganha sentido e valor quando fala da vida do povo, de um povo
que vive da misericórdia divina, praticando-a no seu cotidiano. Não basta
participar das práticas religiosas em vista da indulgência jubilar, mas é
preciso dar testemunho da misericórdia de Deus em nossas famílias, locais de
trabalho e em nossas relações interpessoais.
Em um mundo marcado por guerras e outras tantas formas de
violência, os cristãos precisam, urgentemente, dar testemunho da misericórdia
de Deus, combatendo a violência com o diálogo, a tolerância, a compreensão, a
escuta, o colocar-se no lugar do outro e a eliminação da indiferença. Precisamos
nos mantermos vigilantes, para não cairmos na tentação de nos aproveitarmos da
fraqueza do outro. Não somos senhores da vida de ninguém. Deus é o Senhor de
todos, nos ama generosamente e no seu amor nos quer ver livres e felizes.
A
misericórdia divina nos ensina a sermos misericordiosos com o outro, pois assim
Deus é misericordioso conosco. Não alcança a misericórdia divina aquele que
não é misericordioso com o próximo. Este é o mandamento de Deus. Sejamos
misericordiosos, pois somente assim outro mundo é possível. Esta é a
proclamação do evangelho da misericórdia de Deus. É a via única capaz de nos
salvar, nesta hora difícil de nossa história. Que Maria, a Imaculada e Mãe da
Misericórdia, nos ajude com a sua intercessão, hoje e sempre!
Tiago de França