quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Arrisquemo-nos viver por amor

         
             Não poderia terminar o ano sem falar daquela força poderosa, que alcança a todos, capaz de transformar-nos por dentro, de nos arrancar de nossa insensatez.

            Insensatez que causa dor, esquecimento e morte. Que deixa no frio quem precisa de calor, de alento, de voz e de ternura.

            Ternura que livra da frieza, do olhar atravessado, irado. Di-vi-são hostil, que torna o ouvido insensível e a visão cega.

            Cega de ódio por causa da cor, da cultura aparentemente estranha, do gosto pelo que é novo, questionador. Ódio de quem não pensa como eu, que me contraria. Escândalo!

            Escândalo da falta de cuidado, falta de abraço, falta de encontro, falta de ser com o outro, falta... Por que tanto medo e aversão?...

            Aversão contra quem e para quê? Há uma dose pesada de banalidade do mal, que se alastra igual ao mosquito que se multiplica e pica, causando hemorragia, febre e morte!

            Morte da consciência, da virtude, do discernimento, da esperança que ousa sobreviver no lamaçal do desespero... África, Síria, Paris, Mariana... Desgraça!

            Pausa. Reflexão. Conversão. Com os pés banhados na água fria do silêncio iluminador: O que fizeste? Cadê o teu irmão? Não fujas. Não te escondas. Assumi-te. Levanta-te e anda.

            Que no teu peito bata um coração de carne. Carne fértil, adocicada, da qual floresça a palavra boa, o abraço caloroso, o beijo da paz. Ressuscitas! Ergue a cabeça, abraça a paz e vai com ela em teu caminho. Não olhes para trás. O que passou não existe mais.

            Re-iniciemos: Somos felicidade. Entreguemo-nos ao amor e sejamos livres!

            Feliz Ano Novo!
Tiago de França
Curvelo – MG, 30 de dezembro de 20015.

sábado, 26 de dezembro de 2015

Família: Lugar de encontro com Deus

“Vós sois amados por Deus, sois os seus santos eleitos. Por isso, revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente se um tiver queixa contra o outro” (Cl 3, 12 – 13).

            A família é chamada a ser um dos lugares de encontro com Deus. Para que haja esse encontro, é necessário que haja abertura ao outro. No seio de nossas famílias há esta abertura? Somos, de fato, capazes de compreender os limites de nossos parentes? Acolhemo-nos, mutuamente, ou vivemos, continuamente, condenando-nos uns aos outros? Quando escreve aos Colossenses, o apóstolo Paulo nos fala do amor de Deus: Somos amados por Deus. Abrindo-nos a este amor, nos unimos a Deus e agimos como Ele: Somos revestidos pela santidade de Deus.

            Segundo o evangelho, Jesus pertencia a uma família. Deus não quis enviar seu Filho a este mundo, descendo através das nuvens. Em outras palavras, Jesus não apareceu do nada, mas assumiu a condição humana, nascendo do ventre materno, como os demais homens. Jesus é filho de família humana e viveu no contexto familiar marcado pelos valores da tradição judaica. O evangelho fala que Jesus foi um filho obediente, porém não preso à família (cf. Lc 2, 41 – 52). O vínculo familiar não tirou a sua liberdade. Na verdade, Jesus fez parte da grande família humana, cujo Pai é Deus.

            Eis outro ensinamento que se apresenta às nossas famílias: Abertura não somente para os de casa, mas, inclusive, para o mundo, para a sociedade. A família não deve se transformar em um gueto, num grupo isolado, pois assim não sobrevive. Quando bem estruturada porque alicerçada em valores fundamentais, a família torna-se, de fato, a base da sociedade. É comum escutarmos a famosa sentença de que quando a família vai mal, a sociedade também sofre. Realmente, se olharmos bem para a sociedade brasileira, não teremos nenhuma dificuldade para constatarmos que vivemos mergulhados numa crise de valores.

            Em parceria com o Estado, com as Igrejas e com a Escola, a família não pode se omitir diante da situação na qual está profundamente atingida. Novas formas de entidade familiar estão surgindo, assim como novas formas de conflitos e modismos. O que fazer diante desta realidade complexa e desafiadora? A realidade tem mostrado, claramente, que a criminalização e a condenação das pessoas não constituem solução.  

Infelizmente, a discriminação, a criminalização e a condenação das pessoas tem, vergonhosamente, ocorrido com frequência. É de causar indignação os atos de intolerância e tantas outras formas de violência contra casais homoafetivos, noticiados diariamente nos jornais. Somos um povo marcado pela intolerância, preconceito e homofobia. E o mais absurdo é que, em muitos casos, os intolerantes, os preconceituosos e os homofóbicos agem em nome de Deus, como se fossem soldados de Cristo que combatem o mal, sendo que, na verdade, são agentes de Satanás, que visam, em nome de um discurso religioso tradicional, destruir as pessoas.

Todas as famílias são abençoadas por Deus. Nenhuma delas está excluída do projeto salvador de Deus. Em Deus não há exclusão de pessoas porque estas são suas filhas. Na religião existe condenação, mas não em Deus. Os homens criam leis e sentenças, julgam, absolvem e condenam, mas Deus, que é puro amor, não age nos moldes humanos. E, além disso, Deus não deu a homem nenhum o poder e a autoridade para julgar e condenar pessoas em seu nome. Por isso, os pais e mães devem ensinar aos filhos a verdadeira imagem de Deus: A imagem de um Deus misericordioso. Se a crença em Deus não passar pelo cultivo da misericórdia, facilmente os crentes caem na tentação de viver julgando e condenando as pessoas.

Hoje, a família precisa urgentemente resgatar o valor que as edifica e sustenta, sem o qual não sobrevive: O amor. Quando não há amor, a família vive de aparência. A falta de amor deixa a família totalmente vulnerável e sem vida. Quando o amor está presente, a alegria também se faz presente. A tristeza, as intrigas, o julgamento e a condenação do outro, os olhares sombrios, a falta de sentido; enfim, tantos outros males estão nas famílias que desprezam o verdadeiro amor.

Na verdade, aí já não há mais família, mas uma justaposição de pessoas, que sobrevivem em um ambiente hostil e, portanto, insuportável. Não há pureza, mas puritanismo; não há moral, mas moralismo; não há fé, mas descrença; não há reta intenção, mas malícia; não há paz, mas desordem e toda espécie de energia negativa. Somente o amor é capaz de libertar os núcleos familiares que se encontram nesta triste situação. E não adianta somente rezar pelas famílias, mas é preciso tomar atitudes libertadoras, impulsionadas pelo amor e para o amor.


Tiago de França

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

MENSAGEM DE NATAL 2015

Deus permanece conosco

Caros amigos e amigas, irmãos e irmãs no Cristo Jesus,

Graças e paz!

            A celebração anual do Natal de Jesus nos traz uma grande alegria, pois sabemos que a encarnação de Deus no mundo é o maior gesto de amor que este mesmo Deus fez por cada um de nós. Sua vinda nos trouxe a esperança de um mundo novo, marcado por justiça e paz.  

O nascimento de Jesus é a prova de que Deus permanece com seu povo, ajudando-o em suas lutas por libertação. Esta permanência divina é fruto da fidelidade divina, fidelidade que nos convida à ação amorosa para com nossos irmãos e irmãs. Apesar de nossas infidelidades, Deus permanece fiel, e é por isso que Ele jamais nos abandonará. Nossa fé em Jesus nos concede esta feliz alegria.

            Neste sentido, contemplando esta fidelidade de Deus que nos concede a certeza de sua presença amorosa no meio de nós, precisamos nos perguntar, com sinceridade e verdade de consciência: Como tenho celebrado, anualmente, o nascimento de Jesus? Qual tem sido o efeito dessa celebração em minha vida? Tenho, de fato, conformado a minha vida ao verdadeiro significado do Natal de Jesus?...

Estas e outras perguntas nos levam a pensar em nossa maneira de celebrar o Natal, a fim de nos libertarmos do falso Natal, que não passa de uma festa com muita comida e bebida, trocas de presentes e felicitações superficiais, sem a presença de Jesus. O Natal mercadológico não é o Natal de Jesus.

            Infelizmente, temos que admitir que inúmeros daqueles que se dizem cristãos não celebram o Natal de Jesus, mas consideram esta data mais um feriado e, assim, o Filho de Deus cai no esquecimento. Quem se deixa levar por esta terrível tentação, ganha as ruas e avenidas, dominados pelo espírito capitalista, para consumir, desenfreadamente.  

O mercado os convenceu de que não pode existir Natal sem consumo. Quem não consome não celebra o Natal. Nesta realidade, a acolhida do Cristo que vem se torna assunto desnecessário, chato, incompreensível e estranho. Geralmente, as pessoas não tem tempo sequer para pensar em Jesus. Algumas procuram participar, mecanicamente, da Missa de Natal. Das que vão à Missa, poucas se interessam em compreender o sentido humano e espiritual da encarnação de Deus na humanidade.

            O Natal de Jesus nos exige conversão de vida. Olhando para a situação do mundo atual, visivelmente percebemos que a humanidade carece de autênticas testemunhas da encarnação do Verbo de Deus. Nossa conversão pessoal e eclesial passa, necessariamente, pela abertura ao amor. Abrir-se ao amor é abrir-se ao outro.

Torna-se cada vez mais urgente nos entregarmos ao amor, para que cesse a indiferença. Somente através do mandamento do amor, amando-nos mutuamente, à maneira de Jesus, é que conseguiremos nos libertar de todo o mal que assola a humanidade. Por que há guerras, suicídio, preconceito, racismo, intolerância, esquecimento do outro, abandono, ostracismo, calúnia, difamação, injúria, infidelidade no casamento e nas relações interpessoais, crises (financeira, política, moral, religiosa, espiritual), e tantos outros males? A resposta é simples: As pessoas estão fugindo do amor, encerrando-se numa vida de aparência, caindo no vazio existencial. Estas pessoas, vazias e superficiais, levam uma vida sem sentido, entregues aos prazeres passageiros e fúteis, alienadas e escravas de si mesmas, são frustradas e infelizes.

            Desejo a cada um de vocês, neste Natal e no que ano novo que se aproxima, que Jesus de Nazaré possa ser o centro de vossas vidas. Que a liberdade de filhos e filhas de Deus possa se tornar realidade em cada um, e que as dificuldades e desafios não consigam abatê-los. Vamos manter nossos olhos fixos em Jesus e nos deixarmos alcançar pelo seu amor, pois é este amor que nos liberta de todo mal e nos conduz ao Reino de Deus. Assim, despeço-me, pedindo-lhes que rezem por mim.

            FELIZ NATAL E UM ANO NOVO REPLETO DE AMOR, ESPERANÇA, FÉ, SAÚDE E PAZ!

Fraternalmente, no Senhor,

Tiago de França da Silva

Desde Belo Horizonte – MG, 23 de dezembro de 2015.

domingo, 20 de dezembro de 2015

O amor ao próximo (meditação breve)

             Quando Jesus recomendou o amor ao próximo, lembrou que é necessário, em primeiro lugar, amar a si mesmo. Que isto significa? Quem não ama a si mesmo é incapaz de amar o outro. Permanece bloqueado para amar o outro quem não ama a si mesmo. Por outro lado, é preciso ter cuidado para não confundir o amor a si mesmo com o narcisismo, pois neste não há amor, mas egolatria que, por sua vez, se revela no fechamento, no isolar-se em si mesmo, no colocar-se no centro de tudo, como se o mundo girasse em torno de si mesmo. Neste caso, não pode existir felicidade, mas tão somente frustração e sofrimento.

Tiago de França

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O evangelho da misericórdia

             
              Deus é infinitamente misericordioso. A misericórdia é o seu segredo por excelência, pois fala de sua essência, do seu ser. Por isso, é a condição fundamental do evangelho e a chave de compreensão da vida cristã. Exercitar a misericórdia é permanecer unido a Deus, revelando-o ao mundo, fazendo resplandecer a sua bondade.

            Não é mero discurso, nem mera compreensão teológica, mas é ação impulsionada pela força de Deus, manifestada no Espírito de Jesus. Através das mãos e dos braços que servem e acolhem os irmãos e irmãs, a misericórdia divina se manifesta no mundo. Não há abstração. Não é metafísica. É evangelho de Cristo na carne sofrida dos irmãos.

            Em meio às dores, na escuta do clamor das vítimas, ceifadas pelas injustiças que se cometem neste mundo, aparece o óleo da misericórdia. Há samaritanos que socorrem os caídos, curando-lhes as feridas. Há mulheres e homens que acreditam na epifania do mundo novo. Há vozes despertando a esperança. Projetos falando de paz. Tudo isso é manifestação da misericórdia de Deus no mundo.

            Desde Roma, Francisco clama por justiça, denunciando as mazelas da humanidade, a covardia dos homens ambiciosos e a força do mal. Em meio ao clamor dos pobres latino-americanos e africanos, proclama em alta voz a benevolência divina. E os pobres, cansados e abatidos, acolhem a palavra libertadora de Deus e renovam o compromisso de continuarem lutando para que a vida se multiplique, mesmo quando são obrigados a chorar pelo derramamento de sangue. Este é um sinal da ação misericordiosa de Deus.

            Em toda parte há corações e mentes abrasadas, despertadas e disponíveis. Há pessoas que se organizam, que pensam, que ousam desafiar os poderosos; que não se calam, que fazem ouvir o seu clamor. Há braços em movimento, de gente com sangue novo nas veias, tomadas por uma força misteriosa que as faz caminhar com Jesus na contramão do mundo. É a força de Deus que levanta do chão os caídos, fazendo-os caminhar com Jesus, na direção do Pai, rumo à plenitude do Reino.

            Neste dia 8 de dezembro, dia da solene celebração da Imaculada Conceição de Maria, o papa Francisco vai iniciar um jubileu extraordinário: O Jubileu da Misericórdia. Neste mesmo dia, em 1965, encerrava-se, em Roma, o Concílio Ecumênico Vaticano II. Trata-se de um Ano Santo no qual a Igreja proclamará com maior clareza e fervor o dom da misericórdia de Deus, convidando a todos a trilharem o caminho da necessária conversão.

            Desde o início do seu pontificado, o papa Francisco tem proclamado, corajosamente, o evangelho da misericórdia. O que nos ensina este evangelho? O que nos convida a fazer? Na perspectiva de Jesus, o enviado do Pai e evangelizador dos pobres, podemos elencar algumas exigências que brotam do coração deste evangelho de vida e de liberdade. Assim, Jesus nos chama à conversão pessoal e eclesial. Esta conversão passa, necessariamente, pelas seguintes exigências:

- Mudança de mentalidade e abertura ao outro;

- Reconhecimento e acolhida do novo e diferente;

- Promoção da cultura do encontro e erradicação da cultura da eliminação do outro, que ocorre por meio do preconceito, racismo, intolerância, indiferença e ódio;

- Visão do outro como irmão, amigo e companheiro, e não como inimigo a ser combatido;

- Cultivar o desapego e/ou despojamento, em vista de permanecer livre para a missão;

- Intensificar o espírito de oração, meditação e contemplação;

- Buscar reconciliar-se com o outro, evitando intrigas e discussões desnecessárias;

- Reforçar o positivo, evitando o pessimismo, assim como buscar sempre o que há de bom no outro;

- Manter-se atento às necessidades do outro, colocando-se ao seu serviço, de forma gratuita, generosa e solidária;

- Incentivar e colaborar com as iniciativas que visam a libertação integral das pessoas em todas as áreas de atuação humana;

- Promover, nas comunidades eclesiais, a inclusão dos que são socialmente excluídos.

            Como foi dito acima, a misericórdia divina é ação amorosa de Deus no mundo. Ação não é abstração! As posturas acima elencadas, dentre tantas outras, são formas de participação do cristão na missão de Jesus. Por isso, o Ano Jubilar da Misericórdia não pode ficar restrito à liturgia da Igreja. A celebração litúrgica somente ganha sentido e valor quando fala da vida do povo, de um povo que vive da misericórdia divina, praticando-a no seu cotidiano. Não basta participar das práticas religiosas em vista da indulgência jubilar, mas é preciso dar testemunho da misericórdia de Deus em nossas famílias, locais de trabalho e em nossas relações interpessoais.

            Em um mundo marcado por guerras e outras tantas formas de violência, os cristãos precisam, urgentemente, dar testemunho da misericórdia de Deus, combatendo a violência com o diálogo, a tolerância, a compreensão, a escuta, o colocar-se no lugar do outro e a eliminação da indiferença. Precisamos nos mantermos vigilantes, para não cairmos na tentação de nos aproveitarmos da fraqueza do outro. Não somos senhores da vida de ninguém. Deus é o Senhor de todos, nos ama generosamente e no seu amor nos quer ver livres e felizes.

A misericórdia divina nos ensina a sermos misericordiosos com o outro, pois assim Deus é misericordioso conosco. Não alcança a misericórdia divina aquele que não é misericordioso com o próximo. Este é o mandamento de Deus. Sejamos misericordiosos, pois somente assim outro mundo é possível. Esta é a proclamação do evangelho da misericórdia de Deus. É a via única capaz de nos salvar, nesta hora difícil de nossa história. Que Maria, a Imaculada e Mãe da Misericórdia, nos ajude com a sua intercessão, hoje e sempre!


Tiago de França