segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O evangelho da misericórdia

             
              Deus é infinitamente misericordioso. A misericórdia é o seu segredo por excelência, pois fala de sua essência, do seu ser. Por isso, é a condição fundamental do evangelho e a chave de compreensão da vida cristã. Exercitar a misericórdia é permanecer unido a Deus, revelando-o ao mundo, fazendo resplandecer a sua bondade.

            Não é mero discurso, nem mera compreensão teológica, mas é ação impulsionada pela força de Deus, manifestada no Espírito de Jesus. Através das mãos e dos braços que servem e acolhem os irmãos e irmãs, a misericórdia divina se manifesta no mundo. Não há abstração. Não é metafísica. É evangelho de Cristo na carne sofrida dos irmãos.

            Em meio às dores, na escuta do clamor das vítimas, ceifadas pelas injustiças que se cometem neste mundo, aparece o óleo da misericórdia. Há samaritanos que socorrem os caídos, curando-lhes as feridas. Há mulheres e homens que acreditam na epifania do mundo novo. Há vozes despertando a esperança. Projetos falando de paz. Tudo isso é manifestação da misericórdia de Deus no mundo.

            Desde Roma, Francisco clama por justiça, denunciando as mazelas da humanidade, a covardia dos homens ambiciosos e a força do mal. Em meio ao clamor dos pobres latino-americanos e africanos, proclama em alta voz a benevolência divina. E os pobres, cansados e abatidos, acolhem a palavra libertadora de Deus e renovam o compromisso de continuarem lutando para que a vida se multiplique, mesmo quando são obrigados a chorar pelo derramamento de sangue. Este é um sinal da ação misericordiosa de Deus.

            Em toda parte há corações e mentes abrasadas, despertadas e disponíveis. Há pessoas que se organizam, que pensam, que ousam desafiar os poderosos; que não se calam, que fazem ouvir o seu clamor. Há braços em movimento, de gente com sangue novo nas veias, tomadas por uma força misteriosa que as faz caminhar com Jesus na contramão do mundo. É a força de Deus que levanta do chão os caídos, fazendo-os caminhar com Jesus, na direção do Pai, rumo à plenitude do Reino.

            Neste dia 8 de dezembro, dia da solene celebração da Imaculada Conceição de Maria, o papa Francisco vai iniciar um jubileu extraordinário: O Jubileu da Misericórdia. Neste mesmo dia, em 1965, encerrava-se, em Roma, o Concílio Ecumênico Vaticano II. Trata-se de um Ano Santo no qual a Igreja proclamará com maior clareza e fervor o dom da misericórdia de Deus, convidando a todos a trilharem o caminho da necessária conversão.

            Desde o início do seu pontificado, o papa Francisco tem proclamado, corajosamente, o evangelho da misericórdia. O que nos ensina este evangelho? O que nos convida a fazer? Na perspectiva de Jesus, o enviado do Pai e evangelizador dos pobres, podemos elencar algumas exigências que brotam do coração deste evangelho de vida e de liberdade. Assim, Jesus nos chama à conversão pessoal e eclesial. Esta conversão passa, necessariamente, pelas seguintes exigências:

- Mudança de mentalidade e abertura ao outro;

- Reconhecimento e acolhida do novo e diferente;

- Promoção da cultura do encontro e erradicação da cultura da eliminação do outro, que ocorre por meio do preconceito, racismo, intolerância, indiferença e ódio;

- Visão do outro como irmão, amigo e companheiro, e não como inimigo a ser combatido;

- Cultivar o desapego e/ou despojamento, em vista de permanecer livre para a missão;

- Intensificar o espírito de oração, meditação e contemplação;

- Buscar reconciliar-se com o outro, evitando intrigas e discussões desnecessárias;

- Reforçar o positivo, evitando o pessimismo, assim como buscar sempre o que há de bom no outro;

- Manter-se atento às necessidades do outro, colocando-se ao seu serviço, de forma gratuita, generosa e solidária;

- Incentivar e colaborar com as iniciativas que visam a libertação integral das pessoas em todas as áreas de atuação humana;

- Promover, nas comunidades eclesiais, a inclusão dos que são socialmente excluídos.

            Como foi dito acima, a misericórdia divina é ação amorosa de Deus no mundo. Ação não é abstração! As posturas acima elencadas, dentre tantas outras, são formas de participação do cristão na missão de Jesus. Por isso, o Ano Jubilar da Misericórdia não pode ficar restrito à liturgia da Igreja. A celebração litúrgica somente ganha sentido e valor quando fala da vida do povo, de um povo que vive da misericórdia divina, praticando-a no seu cotidiano. Não basta participar das práticas religiosas em vista da indulgência jubilar, mas é preciso dar testemunho da misericórdia de Deus em nossas famílias, locais de trabalho e em nossas relações interpessoais.

            Em um mundo marcado por guerras e outras tantas formas de violência, os cristãos precisam, urgentemente, dar testemunho da misericórdia de Deus, combatendo a violência com o diálogo, a tolerância, a compreensão, a escuta, o colocar-se no lugar do outro e a eliminação da indiferença. Precisamos nos mantermos vigilantes, para não cairmos na tentação de nos aproveitarmos da fraqueza do outro. Não somos senhores da vida de ninguém. Deus é o Senhor de todos, nos ama generosamente e no seu amor nos quer ver livres e felizes.

A misericórdia divina nos ensina a sermos misericordiosos com o outro, pois assim Deus é misericordioso conosco. Não alcança a misericórdia divina aquele que não é misericordioso com o próximo. Este é o mandamento de Deus. Sejamos misericordiosos, pois somente assim outro mundo é possível. Esta é a proclamação do evangelho da misericórdia de Deus. É a via única capaz de nos salvar, nesta hora difícil de nossa história. Que Maria, a Imaculada e Mãe da Misericórdia, nos ajude com a sua intercessão, hoje e sempre!


Tiago de França

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