sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

UM OLHAR SOBRE A SITUAÇÃO ATUAL - A esperança em meio às tribulações

           
           Atendendo aos apelos dos amigos e comunidades, resolvi escrever a presente reflexão. Trata-se de um olhar sobre nossa atual situação brasileira e planetária à luz da fé, do evangelho e da realidade. Independentemente, de nossas crenças religiosas e de nossas preferências partidárias, somos chamados a pensar, com sinceridade e verdade, sobre a realidade, para não cairmos na tentação de nos tornarmos pessoas alienadas, dadas ao escárnio e à ridicularização.

Claro que o leitor é livre para concordar ou discordar, afinal de contas vivemos num país que, apesar dos pesares, aderiu ao estado democrático de direito. Religiosamente, o Cristianismo é favorável à divergência de pensamento, pois não é uniforme, mas essencialmente plural. Jesus não impôs uma maneira de ser e pensar, mas propôs um projeto chamado Reino de Deus, que exige adesão livre, consciente e responsável, sob a ação do Espírito de Deus.

            Estamos vivendo momentos difíceis em todas as esferas da vida humana. O ano de 2015 chegou ao seu fim com um histórico preocupante: Inúmeros conflitos oriundos da crise civilizatória. A situação nos passa a impressão de que chegamos ao fim dos tempos. A mídia sensacionalista nos fala da realidade de maneira catastrófica. Há um forte movimento que, propositadamente, impõe o desespero nas pessoas. Isto ocorre porque sabemos muito bem que em meio ao desespero as pessoas não conseguem refletir, e uma vez não refletindo sobre a realidade, a manipulação se torna tarefa fácil. A mídia explora a emoção das pessoas, cegando-as e manipulando-as.

            Um povo marcado pelo desespero não consegue enxergar o futuro. Portanto, é preciso manter viva a esperança, pois esta mantém o povo na vigilância, na espera pela transformação. Esta espera não é passiva nem alienada, mas ativa e consciente. Trata-se de uma esperança ativa, que move para frente, que impulsiona à ação. Não é mera crença individual, mas realidade comunitária, compromisso efetivo pela libertação integral da humanidade. Nesta realidade comunitária se encontra uma multidão de pessoas que acredita na construção de um outro mundo possível. Multidão formada por crentes e não crentes, religiosos e não religiosos, preocupados com a promoção da humanidade.

            O testemunho das Sagradas Escrituras fala da esperança cristã, de uma esperança que perpassa toda a história da salvação, tendo sua realização plena na pessoa de Jesus. A historiografia bíblica nos fala das tribulações que afetaram o povo de Deus na sua marcha pela libertação. Foram muitas as tentações e quedas, mas o Deus e Pai de Jesus permaneceu fiel. Sua fidelidade decorre do seu infinito amor e da aliança que fez com o povo que escolheu para si.

Infinitamente misericordioso, Deus perdoou o pecado do seu povo e o ajudou a manter-se no caminho que conduz à vida. Em Jesus, Deus veio ao mundo para permanecer com o seu povo, confirmando a promessa que havia feito na antiga Aliança, renovando-a no amor. A partir daí surge uma nova e eterna Aliança, que permanece viva até os nossos dias. Esta é a fé que nos vem desde Abraão, passando pelos profetas, renovando-se no sangue de Jesus e mantida pela força do Espírito Libertador. Esta é a esperança dos que creem em Deus, esperança que jamais decepciona.

A esperança cristã sobrevive em meio às tribulações porque a força amorosa de Deus está atuando nos corações dos crentes. Misteriosamente, Deus está agindo no mundo. Por ser misteriosa, a inteligência humana é incapaz de compreendê-la plenamente. Marcados por esta esperança e por esta força misteriosa, os verdadeiros cristãos não se deixam abater pelo desânimo, pela alienação, pela confusão nem pelo desespero. O terror do Estado Islâmico, as crises econômica, climática, política, moral, religiosa, enfim, a crise de humanidade que assola o mundo não consegue arrancar dos corações fervorosos os dons da fé, da esperança e da caridade.

Com o coração contrito e humilde, o autêntico cristão permanece de pé, com as lâmpadas acesas, agindo conforme o amor de Jesus, esperando, ansiosamente, pela manifestação gloriosa dos filhos e filhas de Deus, no grande dia marcado por Deus. Esta é a fé e a esperança que move os que realmente acreditam no poder de Deus, poder que se manifesta a partir da fraqueza humana, a partir das periferias do mundo.

Somente aos que confiam plenamente e que se encontram no caminho de Jesus, sintonizados com o Espírito Libertador, Deus confere o dom da visão. E este dom, acompanhado pelo discernimento, faz enxergar a presença de Deus em todas as coisas. Sem esta sintonia com o silêncio amoroso de Deus não há possibilidade de senti-lo em todas as coisas. A maneira como Deus age não é compatível com a maneira humana de agir, pois Deus está muito além das expectativas humanas.

O testemunho das Escrituras Sagradas nos revela uma verdade fundamental que está se manifestando nestes dias em todo o mundo: O mal por si só se destrói. Não adianta aqueles que se entregam à corrupção e à toda espécie de desvio de conduta pensarem que viverão na impunidade durante toda a vida. Os que morrem sem responderem por seus crimes perante os tribunais da justiça humana não escaparão do juízo divino. O Deus e Pai de Jesus faz justiça aos oprimidos, neste mundo e no que há de vir. Quando há desrespeito à mãe natureza, os homens são engolidos por ela. Esta é uma forma clara de justiça. A crise hídrica, a seca e as catástrofes naturais são formas de a natureza fazer justiça.

Quando bem cuidada, a mãe natureza permanece generosa; quando agredida e violentada, responde à altura da violência recebida. E não adianta orar, pedindo a Deus que intervenha sobre as forças da natureza. Esta oração não é ouvida porque não se trata de autêntica oração, mas de fuga da realidade. Quando há desrespeito da natureza, Deus não escuta a prece dos que a ofendem. Enquanto as pessoas não aprenderem a conviver com a mãe natureza, serão punidos severamente. Infelizmente, ainda assistiremos a muitas catástrofes naturais nas próximas décadas, e as atuais parecerão insignificantes diante das que virão.

No campo da política, ignora-se o bem comum e vigora os interesses pessoais e corporativistas. Esses interesses, para serem satisfeitos, precisam da corrupção; ocorre por meio desta. Na coisa pública (res pública), quando não vigora o bem comum, a corrupção torna-se inevitável. É o que está acontecendo no Brasil e no mundo inteiro. A corrupção não é um mal do Brasil, mas da política mundial. Aliás, onde há ser humano atuando, a corrupção está presente. Até na religião encontramos este mal terrível. O ranking dos países nos quais a corrupção se destaca é uma prova de que a corrupção assola toda a humanidade.

Historicamente, sabemos que desde o momento em que os europeus invadiram o Brasil, este país é marcado pela corrupção. Isto é novidade somente para aqueles que não conhecem a história do país. Encontramos a corrupção durante o tempo do império, passando pela república velha, república nova, ditadura militar, redemocratização, a queda de Collor, o período FHC, governo Lula até chegar hoje. O PT era a esperança das classes trabalhadoras. Estas pensavam que Lula e Dilma poderiam fazer as reformas necessárias para o autêntico progresso do Brasil: Reformas agrária, tributária, política, previdenciária etc., mas estas reformas não foram efetivadas. São muitos os fatores que contribuíram para que não se tornassem realidade, além da falta de maior empenho dos governos Lula e Dilma.

Além do envolvimento na corrupção, por parte de alguns membros do PT, as alianças com políticos e partidos que não tem efetivo compromisso com o verdadeiro desenvolvimento do Brasil, constituem os motivos pelos quais o governo Dilma está agonizando atualmente. Até o momento, os que usam do bom senso sabem da idoneidade da Presidenta Dilma (contra ela não há nenhum processo judicial em curso, por desvio de dinheiro público e/ou crime contra a coisa pública; em nossa análise, não consideramos válidas as acusações sem provas), e isto é um fator positivo; fator que não resolve, por si só, o problema das crises política e econômica que assola o país.

Infelizmente, o PMDB, maior partido da base aliada do governo Dilma, é famoso pela sede de poder e dinheiro. Trata-se de um partido que suga o Governo, fazendo chantagem de toda espécie para manter os cargos adquiridos e para adquirir outros. Até o vice-presidente da República, que é do PMDB, resolveu, recentemente, através de uma carta, declarar a sua oposição à Presidenta da República. Quem conhece o PMDB e o vice-presidente Michel Temer não ficou surpreso com as declarações contidas na carta. Esta somente explicita a forma como o PMDB faz política no Brasil, desde a época da ditadura militar.

Enquanto isso, aproveitando-se de ambas as crises, a oposição ao governo, encabeçada pelo PSDB, na pessoa do frustrado senador mineiro Aécio Neves, procura agravar cada vez mais a situação, utilizando-se dos jogos vergonhosos da antipolítica, prestando um claro desserviço ao país. É evidente a falta de interesse em, verdadeiramente, ajudar o país a sair das crises política e econômica.

Enquanto o povo sofre, principalmente os pobres, a oposição está preocupada em derrubar o governo e, dessa forma, retomar seu terrível projeto de governo, pautado nos interesses dos mais poderosos em detrimento dos mais pobres do povo brasileiro. Segundo nosso discernimento, esta é a realidade que não pode ser mascarada nem escondida. A mídia neoliberal, que sempre apoiou as forças que exploram o povo, se mantém fiel: Permanece distorcendo os fatos e reforçando o que há de pior na política brasileira, ajudando, dessa forma, a destruir a frágil democracia que temos.

A situação retrata que vivemos num momento de alto risco. As instituições funcionam precariamente. O Poder Legislativo federal é de causar vergonha ao cidadão que leva a sério a política. Diariamente, assistimos a discursos, posturas e projetos de lei contrários ao bem comum. Vigoram o autoritarismo e o conservadorismo, o oportunismo e o cinismo, a falta de moral e de ética, o desrespeito e a falácia. Nossa esperança é a de que o povo esteja atento e aprenda a votar nas próximas eleições, pois praticamente todos os corruptos que hoje envergonham a política brasileira, certos de que não serão punidos, se candidatarão novamente. Aprender a votar conscientemente, é um bom começo na construção da verdadeira democracia.

Por fim, merece a nossa atenção o cenário religioso atual, principalmente no que se refere à Igreja Católica. O momento é de alegria e entusiasmo, graças ao testemunho eloquente do papa Francisco. Depois do Concílio Vaticano II, a eleição de Francisco foi um dos momentos mais significativos ocorrido na Igreja Católica. Após um longo inverno, marcado pela letargia, novos ares tomou a Igreja. Em meio à escuridão dos escândalos e do autoritarismo, reacendeu-se a esperança. Francisco é filho do continente latinoamericano, marcado pelo sofrimento e pela esperança. Sua sensibilidade e sua voz a favor das vítimas do sistema capitalista neoliberal causa admiração nas mulheres e homens de boa vontade e, simultaneamente, é motivo de escândalo para os opressores das nações. Estes últimos o respeitam, diplomaticamente, mas odeiam seus gestos e palavras.

No interior da própria Igreja, também há opositores ao estilo de ser do papa. Eles argumentam que Francisco não entende de Teologia, que fala demais, que não tem postura de pontífice, que é demasiadamente liberal, que está causando desordem na Igreja, que está absolvendo teólogos suspeitos, que se mete demais nos assuntos do mundo e pouco nos da Igreja, entre outras acusações que, segundo nossa visão, são infundadas. Os maiores opositores do papa se encontra na Cúria Romana, no próprio Vaticano: opositores declarados, que agem direta e indiretamente, contrariando as medidas tomadas reformistas pelo papa. Estes opositores consideram-se consagrados ao serviço de Deus!...

Nas bases da Igreja, o clero e o povo estão entusiasmados. Bispos e padres, exceto os mais conservadores, leem e divulgam a mensagem do papa. Espiritualmente, estão em sintonia com ele. Diariamente, rezam pelo papa. Os leigos, principalmente os engajados nas pastorais sociais, sentem-se motivados na pastoral. As declarações de amor à Igreja e ao papa invadiram as redes sociais. Diferentemente de outras épocas, há uma sintonia entre os leigos e o papa. Os gestos e palavras de Francisco não escandalizam os mais simples dos leigos, mas lhes transmite alegria e entusiasmo. Entre os católicos não praticantes, crentes de outras denominações religiosas e ateus, também encontramos certa empatia em relação ao papa. Este tem sido muito elogiado pela sua simplicidade e despojamento.

O fator preocupante é a relação conflituosa que há entre o papa e a Cúria Romana. Trata-se de um conflito que se tornou mundialmente conhecido. Nos pontificados dos papas São João XXIII e Paulo VI, este conflito não era do conhecimento do público. Hoje, graças à mídia especulativa e à ousadia dos opositores que compõem a Cúria, boa parte do conflito se tornou conhecida. O próprio papa fez questão de explicitar o problema, denunciando o que ele mesmo denominou de “doenças” curiais. Por incrível que pareça, essa oposição curial tem o poder de impor limites às reformas pretendidas pelo papa.

Segundo o senso comum, as pessoas pensam que o papa é o Chefe Supremo da Igreja, com poderes suficientes para determinar qualquer mudança. De fato, o direito canônico lhe confere estes poderes, mas na prática, a situação é bem diferente. Em muitos casos, a Cúria é superior ao papa, ao colégio cardinalício e ao colégio episcopal em todo o mundo. Após o Vaticano II, foi durante o pontificado do polonês João Paulo II, que a Cúria mais ganhou poder na Igreja. Quando este não tinha mais saúde para governá-la, então passou a ser governada pela Cúria. Apesar disso, Francisco permanece firme no anúncio do evangelho e na denúncia das injustiças, inclusive das que se cometem no interior da Igreja.

Temas como ordenação de mulheres, fim do celibato obrigatório, revisão da forma como são nomeados os bispos, revisão dos ministérios, de alguns temas doutrinas e do direito canônico, comunhão eucarística para os casais de segunda união, revisão da formação dos presbíteros, entre outros temas importantes para a vida eclesial não são do interesse da Cúria Romana. Por isso, dada essa conjuntura desfavorável, talvez o papa Francisco não ouse nenhuma mudança no que se refere a estes temas. O tema da comunhão aos casais de segunda união poderá ser resolvido, se o papa for realmente ousado e enfrentar audaciosamente seus opositores. Isto pode ocorrer durante este ano jubilar da misericórdia.

Trata-se de um tema de ordem pastoral, que não obriga ou exige nenhuma modificação na doutrina da Eucaristia, e que pode ser resolvido diretamente pelo próprio papa. Todos os argumentos teológicos contrários à comunhão eucarística aos casais de segunda união, levantados pelos conservadores, não possuem nenhuma fundamentação evangélica. Na verdade, não há nenhuma razão teológica para que a Igreja continue negando a Eucaristia aos casais de segunda união. No evangelho, Jesus é claro ao afirmar que toda pessoa que tiver sede deve ir a ele, e a ninguém deu autoridade para impedir esta busca e este tão sublime encontro com Jesus. A missão da Igreja é matar a sede e a fome que as pessoas tem de Deus, através do pão da Palavra e da Eucaristia.

Nossa esperança é a de que a Igreja tenha o rosto de Jesus, que se torne, de fato, a “advogada dos pobres” (expressão presente no Documento da Conferência de Aparecida). Para defender os pobres, a Igreja precisa optar por eles. Esta não é uma opção meramente política e/ou sociológica, mas profundamente evangélica, pois foi a opção de Jesus. Reforçar a esperança dos pobres em suas lutas por libertação: Eis a missão da Igreja. Toda oposição à marcha dos pobres por libertação é oposição ao próprio Deus que os escolheu e elegeu.   

Escolha e eleição que não estão meramente presentes nos tratados de teologia e nos documentos oficiais da Igreja, mas estão, sobretudo, no conjunto das Escrituras Sagradas, do Gênesis ao Apocalipse. Todo aquele que nega esta divina predileção, nega a ação divina na história, pois o Deus e Pai de Jesus nunca esteve do lado dos opressores, mas tão somente dos oprimidos, concedendo-lhes a sua bênção e a sua força. A força divina se manifesta na fraqueza dos pobres do povo de Deus: Eis o resumo da fé cristã, genuinamente alicerçada no testemunho das Sagradas Escrituras. A esperança dos pobres tem nesta fé o seu sentido e a sua força.

Por mais tenebrosos que sejam os nossos dias, a fé em Jesus é a lâmpada que ilumina todo aquele que ousa amá-lo e segui-lo. O desespero não faz parte da vida daquele que crê, nem jamais consegue destruí-lo. Assim como os mártires dos primeiros séculos da Igreja, os cristãos de hoje devem permanecer firmes e confiantes, de cabeça erguida, com os pés no chão, de braços apertos e disponíveis, cheios de alegria e de esperança. E assim ocorre porque o Espírito de Deus, força amorosa que trabalha diuturnamente no mundo, permanece fiel, fazendo germinar e crescer as sementes do Reino de Deus, até chegar o grande dia da festa da colheita, quando se estabelecerá, definitivamente, a justiça e a paz sobre a face da terra. Esse é o nosso destino. Deus não abandonou o mundo, mas permanece conosco, hoje e sempre.

Tiago de França da Silva

Desde Guaraciama, Norte de Minas Gerais, 08 de janeiro de 2016.

Nenhum comentário: