“Este
é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o que ele diz!” (Lc
9, 35).
Conta-nos o evangelho (cf. Lc 9, 28 – 36), que Jesus
levou três dos seus discípulos a uma montanha para rezar. A montanha é o lugar
da oração, do encontro com Deus. Subir até Deus para estar a sós com Ele: eis
uma necessidade fundamental de todo crente. Quem não subir à montanha não dará conta de sobreviver na planície.
A planície é o lugar do movimento, do encontro com as pessoas, onde ocorre os
grandes desafios da vida.
Na montanha, o crente se encontra com Deus para escutá-lo
no silêncio do coração. Rezar é escutar Deus falar ao coração. Para isso, Ele
precisa de silêncio. É neste silêncio fecundo e profundo que Deus se revela. E Ele
se revela, transfigurando-nos. Certamente, não se trata de um fenômeno sensivelmente
extraordinário, que poderia nos causar assombro. Não precisamos fantasiar a
revelação divina. Ela é humilde, simples e alegre. Ela ocorre quando estamos
diante de nossas sombras, mergulhados em nós mesmos. Deus nos espera no mais profundo de nós mesmos, revelando-nos nosso
verdadeiro ser.
Essa revelação de nós mesmos nos torna verdadeiramente
humanos. Quando realmente nos conhecemos, perdemos a infeliz capacidade de nos
concentrarmos nos defeitos alheios porque descobrimos que também somos pecadores,
frágeis e limitados. Desse modo, passamos a compreender melhor o outro. Nosso ambiente
de convivência passa a ser mais harmonioso porque cessam os conflitos motivados
pela nossa tendência de vivermos olhando os defeitos dos outros. Os pecadores
não mais se acusam, mas se acolhem, misericordiosamente.
Diante de Jesus transfigurado, com o rosto mudado e com
as vestes brancas e brilhantes, Pedro, Tiago e João não compreenderam o que
estavam vendo. Somente se deram conta de que estavam diante de algo diferente,
algo novo, que nunca tinham visto. Devem ter percebido que Jesus tinha algo de
diferente e novo. E Pedro, ousado como sempre, quando diante da transfiguração
de Jesus, percebendo a presença de Moisés e Elias, representantes da lei e dos
profetas antigos, teve uma ideia: “Mestre,
é bom estarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e
outra para Elias”. Pela expressão de Pedro, o momento parecia confortável.
Pedro nem terminou de falar e, de repente, apareceu uma
voz misteriosa, que saiu de uma nuvem que os cobriu. Esta voz veio completar o
sentido da transfiguração. Sem ela, aquilo não passaria de um momento “mágico”,
que serviria tão somente para impressionar os discípulos. O conteúdo da voz
misteriosa parece ser o centro da transfiguração. Nela aparece um pedido feito
em forma de uma ordem, mas, antes disso, uma revelação da identidade de Jesus: “Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o
que ele diz!” Jesus é o Filho de Deus, o Escolhido. Esta é a sua verdadeira
identidade. E esta não é mera descoberta humana, mas pura revelação divina.
O Pai pede que
escutemos o seu Filho. Escutar o que Jesus diz. E o que ele diz? Sinceramente,
olhando para a realidade de nossas Igrejas cristãs, é de se perguntar, com toda
verdade, se os cristãos procuram conhecer a palavra de Jesus. O que Jesus fala para mim e para minha
comunidade de fé? Esta deveria ser uma pergunta constante na oração pessoal
e litúrgica. Geralmente, o que ocorre é que as pessoas prestam culto a Jesus,
por meio do louvor e da súplica, mas sem se interessar em conhecer a sua
palavra, sem procurar conhecer a sua proposta de vida. Jesus não está desvinculado de sua mensagem. Sem esta, ele não
existe.
Atualmente, uma tendência tem tomado as Igrejas cristãs:
investir grandes somas de dinheiro na construção e manutenção de grandes e
belíssimos templos religiosos. Objetiva-se oferecer conforto aos fieis, assim
como um espaço apropriado para uma profunda experiência de oração pessoal e litúrgica.
De fato, os templos podem ser necessários para a reunião da comunidade. Acolher
bem também é uma necessidade. Sentir-se acolhido é um bom começo para rezar bem
em um templo religioso, mas se somente dedicarmos a nossa atenção para tais construções,
o essencial fica esquecido. E o essencial não é termos grandes templos
religiosos, que custam milhões e milhões de reais para serem construídos. O essencial
não é investir no ouro e na prata, mas buscar
a Deus em espírito e verdade.
É comum encontramos dioceses e paróquias que investem
muito dinheiro em templos religiosos: basílicas, santuários, matrizes, capelas
etc. Simultaneamente, percebemos um vazio na maneira de se encontrar com Deus.
Na verdade, cumprem-se os preceitos litúrgicos e, muitas vezes, consegue-se
encher os templos, mas os que estiveram presentes em tais liturgias não
buscaram a Deus de coração humilde e contrito, com sinceridade e verdade, numa
atitude verdadeiramente orante e de coração aberto para acolher a graça divina
em vista da conversão. Ninguém precisa ser um místico para perceber esse mal em
muitas liturgias, basta observar com atenção o semblante das pessoas. Elas estão
de corpo presente, mas seus corações estão distantes. Honram a Deus com os lábios e não com o coração, como denunciavam
os profetas bíblicos.
Para uma Igreja transfigurada e um mundo transfigurado, precisamos de cristãos transfigurados no
Cristo Jesus. Cristãos que sobem a montanha para rezar com Jesus; que
aceitam o desafio, auxiliados pela graça divina, de mergulhar nas próprias sombras
interiores; que tenham a humildade de aceitarem a si mesmos como
verdadeiramente são; que não queiram passar a vida inteira no conforto da
tenda, mas que ousam sair de si mesmos na direção do outro; que acreditem num
outro mundo possível, arregaçando as mangas e dando a sua parcela de
contribuição, que não precisa ser grandiosa nem espetacular (o espetáculo está
para a vaidade e não para a caridade!); que acolhem a ternura do Espírito de
Deus, que faz arder o coração e é o grande Revelador do caminho de Jesus.
Numa sociedade marcada pelo consumismo e num Cristianismo
marcado pela superficialidade, Jesus nos
chama à liberdade no amor. Um cristão transfigurado é alguém que ama, incondicionalmente
e sem limites; que promove a dignidade do outro e de toda a criação. Urgentemente,
precisamos resgatar a dignidade das pessoas, amando-as. Não há outro caminho. O amor é o verdadeiro caminho da
humanização. Através dele vencemos a indiferença e a cultura da exclusão. Quem
ama se compromete com o direito, com a justiça e com a verdade. Estes valores são
fundamentais para sermos verdadeiramente livres. Somente assim o Reino de Deus
vai se tornando realidade no mundo. É o
amor que nos transfigura, tornando-nos verdadeiramente humanos, e é no humano que somos divinizados.
Tiago de França
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