Cremos que o leitor deve
saber quem é Jair Bolsonaro. Trata-se de um deputado federal pelo PSC, do Rio
Janeiro. Nascido em Campinas, em 1955, é militar da reserva e cumpre,
atualmente, seu sexto mandato na Câmara dos Deputados. Nas últimas eleições, foi
o deputado mais votado do Rio de Janeiro. É conhecido por defender a ditadura
militar e por considerar a tortura uma prática legítima; é inimigo do comunismo
e alinhado aos discursos de extrema-direita.
No dia
21 de junho se tornou réu por incitação ao estupro no Supremo Tribunal Federal,
pois em dezembro de 2014, em discurso na Câmara, disse que não “estupraria”
Maria do Rosário, ex-ministra de Direitos Humanos do governo Dilma, porque “ela
não merecia”. Hoje, dia 28 de junho, o Conselho de Ética da Câmara instaurou
processo contra ele por apologia ao crime de tortura. A instauração do processo
no Conselho de Ética se deve ao fato de o deputado Jair Bolsonaro ter
homenageado o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela justiça
brasileira como torturador no período da ditadura militar (1964 – 1985), ao
proferir seu voto na votação de abertura do processo de impeachment na Câmara,
realizada no dia 17 de abril deste ano.
Sucintamente,
este é o perfil do mencionado deputado. Para conhecê-lo melhor basta escutar
seus discursos na Câmara e nas entrevistas que concede aos jornais e nas redes
sociais. A respeito das duas situações apontadas no parágrafo anterior, que o
levaram aos processos devidamente instaurados, cremos que não precisamos nos demorar
muito para que o leitor perceba que se tratam de situações criminosas. Quando um
homem se dirige a uma mulher, afirmando que não a estupra porque ela não merece,
fica patente a incitação ao estupro. E se ela merecesse, ele a estupraria? Esta
é a pergunta que revela a incitação.
Qualquer
pessoa pode sentir vontade de estuprar alguém. A mera vontade, por mais doentia
que seja, uma vez não exteriorizada nem materializada não constitui crime. Sentir
vontade de matar uma pessoa não é crime, mas ameaçar e matar uma pessoa é
crime. O mesmo se pode falar do estupro. No estado democrático de direito, no
qual as pessoas tem o direito de ser respeitadas na sua dignidade, constitui
crime qualquer incitação à violência, principalmente a violência de ordem
sexual. No caso em questão, o deputado faltou com o respeito em relação a
parlamentar. De acordo com as regras que norteiam a conduta no parlamento, a
situação constitui crime e quebra de decoro parlamentar.
A imunidade
parlamentar não confere respaldo a nenhum parlamentar cometer incitação ao
crime. Considerando que a imunidade não é absoluta, nenhum parlamentar pode se
utilizar dela para cometer crimes. Tal imunidade, prevista no art. 53 da
Constituição da República, imuniza o parlamentar por suas palavras, opiniões e
votos no exercício do mandato. Isto significa que a Constituição deseja
resguardá-lo para que efetue sem embaraço o seu mandato, a serviço do bem
comum. Portanto, quando o parlamentar se aproveita de tal imunidade para
exteriorizar seus preconceitos e fobias, entende-se que a imunidade não o
alcança. Afinal de contas, nenhum parlamentar digno de respeito necessita de
recorrer ao preconceito e às fobias para o exercício ético de seu mandato.
O mesmo
podemos afirmar quanto à homenagem feita pelo deputado Jair Bolsonaro ao
falecido coronel Brilhante Ustra. Este coronel do Exército Brasileiro foi condenado,
em 2008, pelo juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível de São Paulo, por
sequestro e tortura. Ele era chefe do DOI-CODI do II Exército, em São Paulo,
órgão encarregado da repressão aos opositores da ditadura militar. Portanto, o
coronel foi devidamente reconhecido como torturador.
Em plena
Câmara dos Deputados, ao homenageá-lo, o deputado Jair Bolsonaro fez apologia à
tortura. Isso é indiscutível. Se homenagear um torturador não constitui
apologia à tortura, então constitui o quê? Patriotismo? Saudosismo? Mera opinião?...
E para confirmar a veracidade do crime, ao prestar homenagem ao torturador, o
deputado fez questão de acrescentar que o dito coronel era “o pavor de Dilma
Rousseff”. Este acréscimo se deve ao fato de a Presidenta afastada ter sido
torturada durante a ditadura militar. Isso não constitui apologia ao crime de
tortura? Claro que sim. E se é apologia ao crime de tortura, o deputado quebrou
o decoro parlamentar e seu mandato deve ser cassado na forma da lei.
Tendo
analisado ambas as situações, vamos tentar responder à pergunta que intitula o
presente artigo. O que significa admirar uma pessoa? Admira-se aquilo com o
qual se identifica. Há uma identificação entre o admirador e o admirado. Por isso,
é correto afirmar que quando admiramos alguém estamos nos identificando com a
maneira de ser deste alguém. A via oposta também é verdadeira: Quando alguém
nos desagrada, procuramos evitar porque justificamos que o que desagrada faz
mal, não edifica. Sendo assim, os admiradores do deputado Jair Bolsonaro se
identificam com ele, pois o consideram interessante. Aliás, mais do que
interessante, o consideram como alguém digno de ser escutado, aplaudido e
venerado. A veneração à sua imagem é tão grande, que se passou a cogitar a
possibilidade de sua candidatura à Presidência da República. Para nós, isto é
um grave problema e continuaremos demonstrando os motivos.
Somos
um País formado por um povo conservador e violento. A imagem que se vende do
Brasil, de que somos um povo pacífico e acolhedor, é falsa. Somos um povo
sangrento. Os índices da violência estão aí para confirmar nossa tese. Segundo
o Atlas da Violência 2016, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, somente em 2014, foram assassinadas quase 60 mil pessoas no Brasil
(59.627 homicídios). Somos um povo intolerante. Ignoramos as manifestações das
diferenças culturais. Matamos pessoas por causa de sua orientação sexual, por
causa de sua religião e por causa de sua condição social, entre outros fatores.
Ainda consideramos o negro inferior ao branco. Cremos que por ser negra, a
pessoa tende naturalmente ao crime. Enfim, são inúmeros os absurdos que se
praticam entre nós.
Na política,
podemos encontrar bancadas parlamentares intituladas “bancada da Bíblia”, “bancada
da bala”, “bancada evangélica”, entre outras expressões do conservadorismo
político. Misturamos política e moral. Insistimos na ideia de que a política
precisa ser norteada por doutrinas religiosas, especialmente as mais fechadas,
conservadoras e, portanto, ultrapassadas. Temos um discurso conservador, mas
nossa conduta é duvidosa. O famoso “jeitinho brasileiro” revela a ética que
vigora em nosso País: Ética da conveniência. A ética daquilo que me convém não constrói
um País justo e fraterno, mas apenas legitima a continuidade da má política,
que está a serviço da opressão dos mais fortes sobre os mais fracos.
Este
espírito conservador e corrompido está por trás da admiração que muitas pessoas
tem pelo deputado Jair Bolsonaro. Esta é a primeira premissa reveladora. Quem possui
o mínimo de entendimento do significado de democracia, liberdade, direitos
humanos, ética (não a da conveniência), autenticidade, integridade, reta
intenção, diversidade etc., não se identifica com políticos da qualidade do
Jair Bolsonaro. Não há democracia que sobreviva ao discurso ultraconservador. Por
essência, todo conservador é antidemocrático porque não aceita a diversidade da
cultura, da religião, dos modos de ser, de pensar e de viver. A pessoa
conservadora não aceita o novo porque deseja conservar o que considera a verdade
absoluta e inquestionável. Não é aberta ao diferente que as circunstâncias
oferecem, diuturnamente.
Uma segunda
premissa que precisa ser considerada é a sede de vingança que impera na
sociedade brasileira. “Bandido bom é bandido morto!” Esta é a fala dos
conservadores em matéria de violência. Defende-se a pena de morte, a prisão
perpétua, a tortura e a lei do talião como instrumentos necessários para a
erradicação da violência. Na verdade, tais instrumentos já constituem violência
contra o ser humano. Nos Estados Unidos da América, onde vigora a pena de morte
em alguns estados, podemos encontrar a maior população carcerária do planeta. Nos
Estados Unidos, são mais de dois milhões de encarcerados. Isto é apenas um dos
elementos que provam que a pena de morte não reduz a violência em lugar nenhum
do mundo.
Não se
resolve o problema da violência prendendo, torturando e matando pessoas. Quanto
mais se prende, mais aparecem pessoas para serem presas. Violência somente gera
violência. Os noticiários estão aí, diuturnamente, nos mostrando que somos uma
nação sedenta de sangue, e o derramamento de sangue tende a aumentar porque
queremos mais sangue. As pessoas não tem nenhum pudor em afirmar que são
favoráveis à violência. Vivemos na cultura da eliminação do mais fraco. Sobrevive
quem é forte.
Na Alemanha
nazista, Hitler dizia que pessoas fracas não servem para viver, precisam ser
eliminadas. Esta mentalidade ganhou o mundo. Em nossas relações interpessoais,
somos vingativos. Se alguém nos incomoda e nos faz o mal, então procuramos
estratégias para destruí-la, para eliminá-la do nosso campo de visão. Curiosamente,
esta forma de pensar e de agir está presente no maior país cristão do mundo: o
Brasil! De modo geral, os cristãos invocam Jesus, mas não aderem à cultura da
paz ensinada por ele. O deputado Jair Bolsonaro se diz cristão, mas é a favor
da tortura de seres humanos! Quem tem sede de sangue e se identifica com a
cultura da eliminação do outro, o admira e venera.
Muitas
outras premissas poderiam ser levantadas, mas estas são as principais, as mais
reveladoras do que estamos assistindo hoje. Considerando o conservadorismo
reinante no parlamento brasileiro, os pares do deputado Jair Bolsonaro irão absolvê-lo.
Talvez o Supremo Tribunal Federal, formado por juízes togados, o condene. Talvez.
Assim nos pronunciamos porque o Supremo tem decidido estranhamente em alguns
casos, sem nenhuma preocupação com a justiça de muitas decisões. Por isso,
queremos finalizar este breve artigo, indicando um possível remédio para a cura
do mal da política brasileira. E que mal é este? O mal da política separada da
ética, separada da promoção do bem comum e da dignidade da pessoa humana.
Em 1968,
Paulo Freire, pensador da educação para a liberdade, publicou uma obra intitulada
Pedagogia do Oprimido, na qual podemos encontrar o seguinte pensamento: “Somente quando os oprimidos descobrem o
opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em
si mesmos, superando, assim, sua “convivência” com o regime opressor. Se esta
descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o
que nos parece fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja
associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis”. O que ele
quis dizer com estas palavras? Vamos ousar algumas afirmações que podem
traduzir o pensamento deste grande cientista da educação que, infelizmente, é
tão esquecido por nós.
Primeiro,
é preciso descobrir o opressor. Quem está oprimindo? Se as pessoas não
conseguem enxergar a opressão, então jamais conseguirão se libertar. Quem não consegue
detectar o opressor corre o risco de ver nele alguém que ajuda, que beneficia,
sem o qual não se pode viver.
Segundo,
é preciso engajamento de forma organizada, luta. Engajamento é sinônimo de ação
no meio do mundo. A vida humana é ação e é na ação que o homem se transforma e
se liberta. Trata-se de uma ação organizada, associada, planejada. Não estamos
falando de movimento de gente arruaceira que não sabe o que quer. Isto não é ação,
mas exposição ao ridículo, como temos assistido em muitas manifestações no
Brasil.
Terceiro,
é necessário crer em si mesmo. A crença em si mesmo supera a conivência com
tudo aquilo que oprime e aliena. Crer em si mesmo é descobrir-se nas próprias
capacidades. Não estamos falando de isolamento no próprio ego. Não se trata de
egolatria. Não somos ilhas, somos interdependentes.
Por fim,
é necessária reflexão, muita reflexão. Refletir sobre si mesmo e sobre o mundo.
Levar a sério o empenho de reflexão significa descobrir as causas que levam à ocorrência
dos fatos e aos contextos. Não existe libertação possível na negação do pensar.
Aos admiradores
do deputado Jair Bolsonaro, resta-nos fazer um convite: Pensem sobre as
seguintes perguntas, que julgamos fundamentais: Por que o admiro? O que há na
personalidade dele que tanto me atrai? Por que somos idênticos na forma de
pensar? Esta maneira de pensar é capaz de promover a igualdade entre as
pessoas? Por que toda unanimidade tende ao retrocesso? Por que não ouso
discordar? Vale a pena ser violento?... As possíveis respostas a estas
perguntas, quando feitas na sinceridade a na verdade, podem ajudar muitas
pessoas a se libertarem da imagem deste opressor de nosso cenário político. Estas
são as provocações que pensamos em compartilhar no curto espaço destas
reflexões.
Tiago
de França