“Meu
Deus, tem piedade de mim que sou pecador!” (Lc 18, 13).
Quem se reconhece pecador
jamais se sente superior aos outros: esta parece ser a recomendação de Jesus
quando contou a parábola do publicano, narrada pelo evangelista Lucas (18,
9-14). Trata-se de uma parábola dirigida às pessoas que confiam na própria
justiça e desprezam os outros. Portanto, nossa meditação é dirigida a todos,
mas especialmente às pessoas que se enquadram nesta tipologia.
Na parábola, conta Jesus que
dois homens subiram ao templo para rezar: um era fariseu, e o outro cobrador de
impostos. Naquela época, os fariseus eram figuras religiosas muito importantes:
versados na lei de Deus, conhecedores das Escrituras Sagradas, gozavam de prestígio
por perante o povo, constituíam a elite religiosa, tinham íntima relação com a
autoridades civis da época.
No lado oposto, estava o cobrador
de impostos (publicano): os publicanos eram muito odiados pelo povo e
considerados pecadores públicos; muito condenados pela religião judaica, não
participavam da vida religiosa. Eram pessoas marcadas pela rejeição social. Juntamente
com as prostitutas, leprosos, homossexuais, deficientes e tantos outros
excluídos, formavam a classe dos marginalizados do tempo de Jesus.
No templo, o fariseu assim
rezava: “Ó Deus, eu te agradeço porque
não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este
cobrador de impostos. Eu jejuo duas vezes por semana, e dou o dízimo de toda a
minha renda”. Esta é uma forma errada de se colocar diante de Deus. Podemos
identificar dois problemas. Vamos a eles.
“...porque
não sou como os outros homens...” Diante de Deus, o fariseu
se sente superior aos demais homens e os julga. Não se reconhece pecador. Sentir-se
melhor do que os outros é pecado, e muitas vezes, os cristãos se esquecem
disso. Quem possui um conceito exagerado de si mesmo, facilmente cai na
tentação de sentir-se melhor que os outros.
Sentir-se melhor que os
outros é sinônimo de colocar-se no centro de tudo. É o mal do estrelismo. Neste
sentido, falta um dom precioso: a humildade. Uma pessoa humilde não consegue se
sentir nem superior nem inferior às demais pessoas. A humildade é a virtudes
que nos faz viver de acordo com o que realmente somos. Quem é humilde encontra
o seu lugar no mundo e vive de acordo com a verdade de si mesmo.
Todo ser humano é pecador. Ninguém
está excluído ou isento dessa condição. Cada um peca a seu modo e de acordo com
as circunstâncias. Se todos pecam, então nenhum pecador tem autoridade para
apontar o pecado do outro. Todos precisam da misericórdia de Deus, a começar
pelos mais religiosos, que costumam ser os maiores pecadores, pois conhecem a
lei de Deus e a transgridem, muitas vezes, intencionalmente.
É preciso considerar também,
que muitas das pessoas que se sentem melhores que as outras, sofrem do mal da
baixa autoestima; e, por causa disso, precisam inferiorizar os outros para se
sentir melhores. Inúmeras são as motivações que levam a isso: inveja, ciúme,
preguiça mental, falta de perspectivas etc. Neste caso, tais pessoas precisam
de tratamento psicológico para se encontrar consigo mesmas e ser, de fato, quem
realmente são.
“Eu jejuo duas vezes por semana, e dou o dízimo de toda a minha renda”.
Aqui está o segundo problema da oração do fariseu que, curiosamente, provoca o
primeiro. O jejum e o dízimo eram e continuam sendo práticas religiosas muito
preciosas para o judeu. Também os cristãos aderiram a estas práticas.
Com que intenção estas
práticas são feitas? Há duas intenções reprováveis à luz do evangelho: a
primeira, consiste em chamar a atenção dos outros para si mesmo para, assim, se
sentir melhor que os outros; a segunda, em praticá-las com o intuito de
conseguir os favores divinos. Quem age dessa forma, não age bem. Dessa forma, o
jejum, o dízimo e as demais práticas religiosas se transformam em práticas
pecaminosas.
Quando, ao final da
parábola, Jesus afirma que o cobrador de impostos saiu do templo justificado
diante de Deus, o que quis dizer é o que, muitas vezes, as pessoas religiosas
não aceitam: As práticas religiosas não tornam justas as pessoas diante de
Deus.
Em outras palavras, sendo
mais enfáticos: Deus não olha as práticas religiosas dos crentes, mas olha seus
corações; olha se estes estão abertos ao amor. É o amor, e não as práticas
religiosas que vale diante de Deus. Se tais práticas não conduzem ao amor a
Deus e ao próximo como a si mesmo, então devem ser abandonadas.
Em nossas Igrejas, temos
muitos cristãos fieis às prescrições religiosas: frequentam assiduamente o
culto; são dizimistas; fazem jejum; são dóceis às orientações de seus pastores;
dão esmolas; participam da Ceia do Senhor; confessam seus pecados; guardam o
Dia do Senhor e os demais dias de preceito; mas, escandalosamente, são
desprovidos de amor a Deus e ao próximo.
Obedecem às prescrições
religiosas, mas desconhecem a lei de Deus; leem o evangelho, mas desconhecem o
seu conteúdo. Por isso, Jesus os chama de hipócritas, pois invocam seu nome,
mas se recusam a observar o seu mandamento, que é o mandamento de Deus: o amor
enquanto ação poderosa capaz de libertar e salvar integralmente as pessoas.
Muitos cristãos precisam
rever a forma como praticam a religião. Quem se sente importante diante de Deus
somente porque é fiel às leis religiosas está no caminho errado. Não há meio
termo. Deus não está interessado em nossa fidelidade à religião, mas quer que
sejamos fieis a Ele.
Devemos ser fieis Àquele que
nos salva. A religião é instrumento, e por não passar disso, não salva. O grande
problema de muitos cristãos é que absolutizam a religião e relativizam Deus.
Nossa postura diante de Deus
deve ser a do cobrador de impostos, que, batendo no peito, fez a prece que
todos devemos fazer, diuturnamente: “Meu
Deus, tem piedade de mim que sou pecador!” Reconhecer-se pecador e
entregar-se ao amor: esta é a vocação cristã que Jesus nos ensina ao contar
esta parábola. Somente assim, não cairemos na terrível tentação de nos
sentirmos superior aos outros, tratando-os com desprezo.
Toda pessoa que despreza os
outros, cedo ou tarde, experimentará o desprezo. Se não experimentá-lo nesta
vida, não escapará na outra. Os maus, que nunca se convertem, religiosos ou
não, encontram a sua recompensa. Nenhum escapa. Não há exceção.
Não há futuro para quem se
entrega ao espírito de superioridade e ao desprezo aos outros. Não há prática
religiosa que afaste a recompensa devida no tempo devido. Por outro lado, todos
os desprezados e humilhados, confiando na justiça divina, também serão
consolados, neste mundo ou no que há de vir. Esta é a esperança cristã.
Tiago
de França