domingo, 23 de outubro de 2016

Reconhecer-se pecador para manifestar a glória de Deus

“Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!” (Lc 18, 13).

Quem se reconhece pecador jamais se sente superior aos outros: esta parece ser a recomendação de Jesus quando contou a parábola do publicano, narrada pelo evangelista Lucas (18, 9-14). Trata-se de uma parábola dirigida às pessoas que confiam na própria justiça e desprezam os outros. Portanto, nossa meditação é dirigida a todos, mas especialmente às pessoas que se enquadram nesta tipologia.

Na parábola, conta Jesus que dois homens subiram ao templo para rezar: um era fariseu, e o outro cobrador de impostos. Naquela época, os fariseus eram figuras religiosas muito importantes: versados na lei de Deus, conhecedores das Escrituras Sagradas, gozavam de prestígio por perante o povo, constituíam a elite religiosa, tinham íntima relação com a autoridades civis da época.

No lado oposto, estava o cobrador de impostos (publicano): os publicanos eram muito odiados pelo povo e considerados pecadores públicos; muito condenados pela religião judaica, não participavam da vida religiosa. Eram pessoas marcadas pela rejeição social. Juntamente com as prostitutas, leprosos, homossexuais, deficientes e tantos outros excluídos, formavam a classe dos marginalizados do tempo de Jesus.

No templo, o fariseu assim rezava: “Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este cobrador de impostos. Eu jejuo duas vezes por semana, e dou o dízimo de toda a minha renda”. Esta é uma forma errada de se colocar diante de Deus. Podemos identificar dois problemas. Vamos a eles.

“...porque não sou como os outros homens...” Diante de Deus, o fariseu se sente superior aos demais homens e os julga. Não se reconhece pecador. Sentir-se melhor do que os outros é pecado, e muitas vezes, os cristãos se esquecem disso. Quem possui um conceito exagerado de si mesmo, facilmente cai na tentação de sentir-se melhor que os outros.

Sentir-se melhor que os outros é sinônimo de colocar-se no centro de tudo. É o mal do estrelismo. Neste sentido, falta um dom precioso: a humildade. Uma pessoa humilde não consegue se sentir nem superior nem inferior às demais pessoas. A humildade é a virtudes que nos faz viver de acordo com o que realmente somos. Quem é humilde encontra o seu lugar no mundo e vive de acordo com a verdade de si mesmo.

Todo ser humano é pecador. Ninguém está excluído ou isento dessa condição. Cada um peca a seu modo e de acordo com as circunstâncias. Se todos pecam, então nenhum pecador tem autoridade para apontar o pecado do outro. Todos precisam da misericórdia de Deus, a começar pelos mais religiosos, que costumam ser os maiores pecadores, pois conhecem a lei de Deus e a transgridem, muitas vezes, intencionalmente.

É preciso considerar também, que muitas das pessoas que se sentem melhores que as outras, sofrem do mal da baixa autoestima; e, por causa disso, precisam inferiorizar os outros para se sentir melhores. Inúmeras são as motivações que levam a isso: inveja, ciúme, preguiça mental, falta de perspectivas etc. Neste caso, tais pessoas precisam de tratamento psicológico para se encontrar consigo mesmas e ser, de fato, quem realmente são.

Eu jejuo duas vezes por semana, e dou o dízimo de toda a minha renda”. Aqui está o segundo problema da oração do fariseu que, curiosamente, provoca o primeiro. O jejum e o dízimo eram e continuam sendo práticas religiosas muito preciosas para o judeu. Também os cristãos aderiram a estas práticas.

Com que intenção estas práticas são feitas? Há duas intenções reprováveis à luz do evangelho: a primeira, consiste em chamar a atenção dos outros para si mesmo para, assim, se sentir melhor que os outros; a segunda, em praticá-las com o intuito de conseguir os favores divinos. Quem age dessa forma, não age bem. Dessa forma, o jejum, o dízimo e as demais práticas religiosas se transformam em práticas pecaminosas.

Quando, ao final da parábola, Jesus afirma que o cobrador de impostos saiu do templo justificado diante de Deus, o que quis dizer é o que, muitas vezes, as pessoas religiosas não aceitam: As práticas religiosas não tornam justas as pessoas diante de Deus.

Em outras palavras, sendo mais enfáticos: Deus não olha as práticas religiosas dos crentes, mas olha seus corações; olha se estes estão abertos ao amor. É o amor, e não as práticas religiosas que vale diante de Deus. Se tais práticas não conduzem ao amor a Deus e ao próximo como a si mesmo, então devem ser abandonadas.

Em nossas Igrejas, temos muitos cristãos fieis às prescrições religiosas: frequentam assiduamente o culto; são dizimistas; fazem jejum; são dóceis às orientações de seus pastores; dão esmolas; participam da Ceia do Senhor; confessam seus pecados; guardam o Dia do Senhor e os demais dias de preceito; mas, escandalosamente, são desprovidos de amor a Deus e ao próximo.

Obedecem às prescrições religiosas, mas desconhecem a lei de Deus; leem o evangelho, mas desconhecem o seu conteúdo. Por isso, Jesus os chama de hipócritas, pois invocam seu nome, mas se recusam a observar o seu mandamento, que é o mandamento de Deus: o amor enquanto ação poderosa capaz de libertar e salvar integralmente as pessoas.

Muitos cristãos precisam rever a forma como praticam a religião. Quem se sente importante diante de Deus somente porque é fiel às leis religiosas está no caminho errado. Não há meio termo. Deus não está interessado em nossa fidelidade à religião, mas quer que sejamos fieis a Ele.

Devemos ser fieis Àquele que nos salva. A religião é instrumento, e por não passar disso, não salva. O grande problema de muitos cristãos é que absolutizam a religião e relativizam Deus. 

Nossa postura diante de Deus deve ser a do cobrador de impostos, que, batendo no peito, fez a prece que todos devemos fazer, diuturnamente: “Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!” Reconhecer-se pecador e entregar-se ao amor: esta é a vocação cristã que Jesus nos ensina ao contar esta parábola. Somente assim, não cairemos na terrível tentação de nos sentirmos superior aos outros, tratando-os com desprezo.

Toda pessoa que despreza os outros, cedo ou tarde, experimentará o desprezo. Se não experimentá-lo nesta vida, não escapará na outra. Os maus, que nunca se convertem, religiosos ou não, encontram a sua recompensa. Nenhum escapa. Não há exceção.

Não há futuro para quem se entrega ao espírito de superioridade e ao desprezo aos outros. Não há prática religiosa que afaste a recompensa devida no tempo devido. Por outro lado, todos os desprezados e humilhados, confiando na justiça divina, também serão consolados, neste mundo ou no que há de vir. Esta é a esperança cristã.

Tiago de França

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