terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Perder para encontrar

       
        Muita gente aproveita o fim do ano para fazer uma revisão de vida. Refletir sobre a própria vida, infelizmente, é uma atitude de poucos. A maioria das pessoas vive a vida no ritmo da música do Zeca Pagodinho: “Deixa a vida me levar! (vida leva eu!)”. Viver de qualquer jeito não parece ser algo bom, pois quem assim procede não chega a lugar nenhum. É verdade que não precisamos calcular milimetricamente a vida. A vida requer espontaneidade, o mínimo de planejamento e coragem, muita coragem!

        Enquanto seres racionais, faz bem refletir sobre a própria vida. Nossa maneira de pensar, falar e agir fala de nossa personalidade. Há uma íntima sintonia entre aquilo que pensamos, falamos, nossa ação e nosso caráter. No gozo da saúde mental, toda pessoa sabe de si, conhece um pouco de suas virtudes e de seus limites.

Enquanto pessoas, nascemos para evoluir, para nos desenvolver. Não há pessoa estática. O movimento faz parte da vida, e toda pessoa vive em movimento. Algumas, regridem; outras, progridem. Parece existir um infinito caminhar para frente e para trás: ora caminhamos para trás, ora para frente. Assim é a vida.

        O movimento da vida é progressivo e lento. Nenhuma transformação acontece num passe de mágica. Tudo depende das oportunidades e das circunstâncias, bem como da nossa maneira de lidar com elas. A vida sempre nos oferece oportunidades para nos desenvolvermos e, assim, crescermos. Muitas vezes, as circunstâncias são desfavoráveis e tendem a nos moldar, desfavoravelmente. É aí que a maturidade ajuda.

Quem não tem maturidade para saber lidar com determinadas circunstâncias ou situações, acaba perdendo a oportunidade de crescer. Uma pessoa imatura não sabe extrair o positivo do negativo. Mais que maturidade, é necessário sensibilidade para perceber, para fazer uma leitura da realidade, para filtrá-la.

        2016 foi um ano de muitas perdas. Além das crises política e econômica que afetam o mundo e, principalmente, o Brasil, aconteceram muitas tragédias. O capitalismo vai tirando a visão e a sensibilidade das pessoas, deixando-as frias e indiferentes. Cresce cada vez mais a falta de ética e de responsabilidade. Como dizia a filósofa Hannah Arendt: o mal está banalizado.

Pessoas de todas os povos, línguas e culturas são agredidas, torturadas e assassinadas. Se somarmos as mortes de pessoas no planeta terra, que ocorrem anualmente, chegaremos à conclusão de que existe no mundo um genocídio permanente. A espécie humana está cada vez mais perigosa, é a mais nociva entre todas as espécies do reino animal.

        Para mudar o mundo, cada pessoa precisa mudar a si mesma. Mudar a si mesmo é um desafio possível. Ninguém muda ninguém, nem nenhuma pessoa muda a si mesma sozinha. Precisamos uns dos outros. Não somos autossuficientes.

Não existe pessoa autossuficiente. Só Deus basta-se a si mesmo! Mesmo assim, com o Filho e o Espírito Santo forma uma Comunidade, a Comunidade de Amor. Ninguém nasceu para a solidão, e na solidão não há mudança possível. A gente muda com a ajuda do outro. Este outro é o nosso termômetro, que reconhece as nossas virtudes e aponta, fraternalmente, nossos limites.

        Para que a mudança aconteça, quatro elementos são indispensáveis: o querer, o amor, a confiança e a liberdade. Sem o querer, nenhuma pessoa consegue sair do lugar. Portanto, a pessoa precisa tomar a decisão se quer, ou não mudar. Se não quer, então deve arcar com as consequências do seu não querer. E tais consequências podem ser expressas numa palavra: sofrimento. Quem se recusa à mudança passa toda a vida no sofrimento, desenvolvendo vários tipos de doenças, sendo a maioria delas psicossomáticas.

        Só o amor é capaz de transformar uma pessoa. A religião, as leis, a moral, os costumes, as tradições, os anseios e tantos outros meios podem até ajudar, mas somente o amor transforma. Não há outra força mais poderosa. Assim como um carro não sai do lugar sem combustível, nenhuma mudança acontece sem amor.

Este concede à pessoa o dom da perseverança em meio aos desafios inerentes à mudança. Por falta de amor, muitas pessoas desistem no meio do caminho e se entregam à mesmice, levando uma vida insossa; uma vida sem vida! Há pessoas que não vivem, apenas ocupam lugar no espaço, são cadáveres ambulantes. Quem não tem amor próprio, nem amor ao próximo é cadáver ambulante!

        Outro elemento fundamental é a confiança. Confiar em si mesmo, nas próprias capacidades é um passo importante. Não podemos subestimar ninguém, pois toda pessoa é capaz. No mais profundo de cada pessoa há um poço de energia, uma fonte transbordante, que precisa ser descoberta. 

Para descobrir esta fonte é preciso confiar, trilhar o caminho que leva ao interior de si mesmo. Para contar com a ajuda do outro, a confiança também é necessária. Para os que creem, confiar em Deus é imprescindível. Para a pessoa crente, não há progresso humano e espiritual sem a fé. Esta aparece como ponto de partida, luz e força na caminhada.

        Por fim, consideremos a liberdade como um pilar fundamental sobre o qual se alicerça a mudança de si mesmo. Sem liberdade não há mudança, pois esta não pode acontecer forçadamente. Toda mudança precisa ser espontânea, ou seja, tem que partir da livre iniciativa da pessoa.  

Nenhuma mudança deve ser considerada obrigação, um fardo pesado, mas um caminho a percorrer na liberdade e para a liberdade. Uma pessoa coagida, mesmo que realize alguma mudança em si mesma, não terá êxito, pois tal mudança não permanece. O que não é fruto de escolhas livres tende a durar pouco, pois não tem legitimidade.

        É necessário perder para encontrar. O que isto significa? Toda mudança ocasiona algumas perdas. A mudança obriga deixar algumas coisas, circunstâncias, momentos, convicções, ideologias, medos, ressentimentos, mágoas, apegos para trás.

Muitas vezes, também é necessário deixar algumas pessoas para trás. Não estamos falando que se deve excluí-las ou marginalizá-las. De modo algum! Estamos falando daquelas pessoas que nos fazem o mal, que tendem a nos prender e escravizar. É preciso nos libertarmos delas, deixando-as para trás. Se elas estão no passado, é necessário deixá-las lá; se estão no presente, é necessário nos afastarmos delas. Isto deve acontecer sem violência, com discrição e docilidade.

Não podemos conferir ao outro o poder de nos destruir. Conferir ao outro este poder é sinal de falta de amor próprio. É necessário desapegar-se de tudo aquilo que nos puxa para baixo. Se o outro quer o nosso mal, então devemos evitá-lo. A espiritualidade cristã recomenda que se reze por estas pessoas, para que se convertam. Esta mesma corrente espiritual também ensina que amar o inimigo não significa submeter-se a ele, mas não lhe fazer o mal.

Para a nossa reflexão pessoal, finalizamos estas reflexões com algumas perguntas que podemos nos ajudar em nosso processo pessoal de mudança: Em 2016, o que fiz de bom para o próximo? Sou uma pessoa solidária, ou somente penso em mim mesmo e na satisfação de meus interesses? Perdoei aqueles que me ofenderam? Fui capaz de pedir perdão aqueles que ofendi? Em relação a 2015, cresci ou regredi, tornou-me uma pessoa melhor, ou pior? Na relação com o outro, procurei ajudá-lo, ou sempre procurei fazê-lo sofrer? Fui humilde em minhas palavras e ações na relação com o outro, ou agi com arrogância, colocando-me como superior? Quais coisas, situações, lembranças, momentos, apegos e pessoas preciso deixar para trás, tendo em vista a minha libertação integral? Procurei aprender com meus erros, ou sempre os ignoro? Acredito na força do amor, ou acredito na vingança como caminho de superação dos conflitos? Por que resisto às mudanças necessárias em vista de ser uma pessoa melhor?...
Boas festas!
Que em 2017 possamos ser cada vez mais pessoas, repletas de amor, alegria e generosidade!

Tiago de França

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