Muita
gente aproveita o fim do ano para fazer uma revisão de vida. Refletir sobre a
própria vida, infelizmente, é uma atitude de poucos. A maioria das pessoas vive
a vida no ritmo da música do Zeca Pagodinho: “Deixa a vida me levar! (vida leva
eu!)”. Viver de qualquer jeito não parece ser algo bom, pois quem assim procede
não chega a lugar nenhum. É verdade que não precisamos calcular
milimetricamente a vida. A vida requer espontaneidade, o mínimo de planejamento
e coragem, muita coragem!
Enquanto seres racionais, faz bem
refletir sobre a própria vida. Nossa maneira de pensar, falar e agir fala de
nossa personalidade. Há uma íntima sintonia entre aquilo que pensamos, falamos,
nossa ação e nosso caráter. No gozo da saúde mental, toda pessoa sabe de si,
conhece um pouco de suas virtudes e de seus limites.
Enquanto
pessoas, nascemos para evoluir, para nos desenvolver. Não há pessoa estática. O
movimento faz parte da vida, e toda pessoa vive em movimento. Algumas,
regridem; outras, progridem. Parece existir um infinito caminhar para frente e
para trás: ora caminhamos para trás, ora para frente. Assim é a vida.
O movimento da vida é progressivo e
lento. Nenhuma transformação acontece num passe de mágica. Tudo depende das
oportunidades e das circunstâncias, bem como da nossa maneira de lidar com
elas. A vida sempre nos oferece oportunidades para nos desenvolvermos e, assim,
crescermos. Muitas vezes, as circunstâncias são desfavoráveis e tendem a nos
moldar, desfavoravelmente. É aí que a maturidade ajuda.
Quem
não tem maturidade para saber lidar com determinadas circunstâncias ou
situações, acaba perdendo a oportunidade de crescer. Uma pessoa imatura não
sabe extrair o positivo do negativo. Mais que maturidade, é necessário
sensibilidade para perceber, para fazer uma leitura da realidade, para
filtrá-la.
2016 foi um ano de muitas perdas. Além das
crises política e econômica que afetam o mundo e, principalmente, o Brasil,
aconteceram muitas tragédias. O capitalismo vai tirando a visão e a
sensibilidade das pessoas, deixando-as frias e indiferentes. Cresce cada vez
mais a falta de ética e de responsabilidade. Como dizia a filósofa Hannah
Arendt: o mal está banalizado.
Pessoas
de todas os povos, línguas e culturas são agredidas, torturadas e assassinadas.
Se somarmos as mortes de pessoas no planeta terra, que ocorrem anualmente,
chegaremos à conclusão de que existe no mundo um genocídio permanente. A espécie
humana está cada vez mais perigosa, é a mais nociva entre todas as espécies do
reino animal.
Para mudar o mundo, cada pessoa precisa
mudar a si mesma. Mudar a si mesmo é um desafio possível. Ninguém muda ninguém,
nem nenhuma pessoa muda a si mesma sozinha. Precisamos uns dos outros. Não somos
autossuficientes.
Não
existe pessoa autossuficiente. Só Deus basta-se a si mesmo! Mesmo assim, com o
Filho e o Espírito Santo forma uma Comunidade, a Comunidade de Amor. Ninguém nasceu
para a solidão, e na solidão não há mudança possível. A gente muda com a ajuda
do outro. Este outro é o nosso termômetro, que reconhece as nossas virtudes e
aponta, fraternalmente, nossos limites.
Para que a mudança aconteça, quatro
elementos são indispensáveis: o querer, o amor, a confiança e a liberdade. Sem o
querer, nenhuma pessoa consegue sair do lugar. Portanto, a pessoa precisa tomar
a decisão se quer, ou não mudar. Se não quer, então deve arcar com as
consequências do seu não querer. E tais consequências podem ser expressas numa
palavra: sofrimento. Quem se recusa à mudança passa toda a vida no sofrimento,
desenvolvendo vários tipos de doenças, sendo a maioria delas psicossomáticas.
Só o amor é capaz de transformar uma
pessoa. A religião, as leis, a moral, os costumes, as tradições, os anseios e
tantos outros meios podem até ajudar, mas somente o amor transforma. Não há
outra força mais poderosa. Assim como um carro não sai do lugar sem
combustível, nenhuma mudança acontece sem amor.
Este
concede à pessoa o dom da perseverança em meio aos desafios inerentes à
mudança. Por falta de amor, muitas pessoas desistem no meio do caminho e se
entregam à mesmice, levando uma vida insossa; uma vida sem vida! Há pessoas que
não vivem, apenas ocupam lugar no espaço, são cadáveres ambulantes. Quem não tem
amor próprio, nem amor ao próximo é cadáver ambulante!
Outro elemento fundamental é a
confiança. Confiar em si mesmo, nas próprias capacidades é um passo importante.
Não podemos subestimar ninguém, pois toda pessoa é capaz. No mais profundo de
cada pessoa há um poço de energia, uma fonte transbordante, que precisa ser
descoberta.
Para
descobrir esta fonte é preciso confiar, trilhar o caminho que leva ao interior
de si mesmo. Para contar com a ajuda do outro, a confiança também é necessária.
Para os que creem, confiar em Deus é imprescindível. Para a pessoa crente, não há
progresso humano e espiritual sem a fé. Esta aparece como ponto de partida, luz
e força na caminhada.
Por fim, consideremos a liberdade como
um pilar fundamental sobre o qual se alicerça a mudança de si mesmo. Sem liberdade
não há mudança, pois esta não pode acontecer forçadamente. Toda mudança precisa
ser espontânea, ou seja, tem que partir da livre iniciativa da pessoa.
Nenhuma
mudança deve ser considerada obrigação, um fardo pesado, mas um caminho a
percorrer na liberdade e para a liberdade. Uma pessoa coagida, mesmo que
realize alguma mudança em si mesma, não terá êxito, pois tal mudança não
permanece. O que não é fruto de escolhas livres tende a durar pouco, pois não
tem legitimidade.
É necessário perder para encontrar. O que
isto significa? Toda mudança ocasiona algumas perdas. A mudança obriga deixar
algumas coisas, circunstâncias, momentos, convicções, ideologias, medos,
ressentimentos, mágoas, apegos para trás.
Muitas
vezes, também é necessário deixar algumas pessoas para trás. Não estamos
falando que se deve excluí-las ou marginalizá-las. De modo algum! Estamos falando
daquelas pessoas que nos fazem o mal, que tendem a nos prender e escravizar. É preciso
nos libertarmos delas, deixando-as para trás. Se elas estão no passado, é
necessário deixá-las lá; se estão no presente, é necessário nos afastarmos
delas. Isto deve acontecer sem violência, com discrição e docilidade.
Não
podemos conferir ao outro o poder de nos destruir. Conferir ao outro este poder
é sinal de falta de amor próprio. É necessário desapegar-se de tudo aquilo que
nos puxa para baixo. Se o outro quer o nosso mal, então devemos evitá-lo. A espiritualidade
cristã recomenda que se reze por estas pessoas, para que se convertam. Esta mesma
corrente espiritual também ensina que amar o inimigo não significa submeter-se
a ele, mas não lhe fazer o mal.
Para
a nossa reflexão pessoal, finalizamos estas reflexões com algumas perguntas que
podemos nos ajudar em nosso processo pessoal de mudança: Em 2016, o que fiz de
bom para o próximo? Sou uma pessoa solidária, ou somente penso em mim mesmo e
na satisfação de meus interesses? Perdoei aqueles que me ofenderam? Fui capaz
de pedir perdão aqueles que ofendi? Em relação a 2015, cresci ou regredi, tornou-me
uma pessoa melhor, ou pior? Na relação com o outro, procurei ajudá-lo, ou
sempre procurei fazê-lo sofrer? Fui humilde em minhas palavras e ações na
relação com o outro, ou agi com arrogância, colocando-me como superior? Quais coisas,
situações, lembranças, momentos, apegos e pessoas preciso deixar para trás,
tendo em vista a minha libertação integral? Procurei aprender com meus erros,
ou sempre os ignoro? Acredito na força do amor, ou acredito na vingança como
caminho de superação dos conflitos? Por que resisto às mudanças necessárias em
vista de ser uma pessoa melhor?...
Boas
festas!
Que
em 2017 possamos ser cada vez mais pessoas, repletas de amor, alegria e
generosidade!
Tiago
de França
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