Após alguns dias sem
publicar, retornamos com nossas reflexões/provocações. Desta vez, para falar,
brevemente, de um dos maiores profetas da Igreja Católica no Brasil que, hoje,
celebrou a sua páscoa: Dom Paulo Evaristo Arns, frade franciscano e cardeal da
Igreja. Certamente, não cabe no espaço de um breve artigo descrever ou
comentar, completamente, a extraordinária história de vida deste grande homem. Há
algumas obras biográficas que realizar melhor essa tarefa, que recomendamos a
leitura.
Neste mundo, há homens que estão no nível do ordinário, e
outros que estão no nível extraordinário. Pessoas extraordinárias são aquelas
que estão muito além do seu tempo. Algumas, ganham notoriedade e são
reconhecidas; outras, vivem no silêncio da clandestinidade. Estas pessoas
precisam ser lembradas porque constituem referências de vida para inúmeras
outras. Vivemos numa época marcada pela falta de referências. Atualmente, no
Brasil, há uma carência enorme de pessoas que apontem para o futuro, com os pés
firmes no chão do tempo presente: pessoas despojadas e proféticas, que anunciem
e denunciem, pessoas íntegras e, portanto, coerentes.
Dom Paulo é justamente este tipo de pessoa: simples, humilde,
coerente e, portanto, evangélico. Viveu em plena sintonia com a centralidade da
mensagem de Jesus. E qual é a centralidade da mensagem de Jesus: é o Reino de
Deus. Dom Paulo conhecia o mistério do Reino de Deus e sempre viveu unido e
guiado por este mistério. Ele sabia que no centro da mensagem de Jesus estava
os pobres, prediletos do Reino de Deus. Sabia que no evangelho de Jesus, os
pobres ocupam o lugar principal porque são os últimos da sociedade.
Com Francisco de Assis, Dom Paulo aprendeu a viver na
humildade e simplicidade. Como cardeal e arcebispo, nada lhe faltava. Mas não
se aproveitava destes postos para se colocar como superior nem para viver uma
vida luxuosa. Não sofria do mal da vaidade, que afeta tantos homens da
hierarquia eclesiástica. Era um cardeal franciscano, amigo dos pobres
desvalidos, coisa rara de se ver. Exerceu o ministério episcopal como pastor de
uma Igreja que se reconhecia Povo de Deus, assembleia dos chamados à santidade
na opção preferencial pelos pobres.
Durante a ditadura militar, mesmo tendo irmãos no episcopado
que se acovardaram diante da matança de gente inocente, Dom Paulo fez a opção
de Jesus: acolher, consolar, denunciar, proteger, levantar o báculo na direção
dos opressores. De fato, foi exímio pastor, disposto a dar a sua vida pelas
ovelhas do rebanho de Jesus. Ele tinha plena convicção de que foi chamado para
dar a vida, até o derramamento de sangue se necessário fosse. Mas os militares
não tiveram a ousadia de matá-lo. Assassinar o cardeal arcebispo de São Paulo
era demais.
A Igreja Povo de Deus, promovida pela ação zelosa e profética
de Dom Paulo, era marcada pela comunhão e pela participação: duas grandes
coordenadas emanadas dos documentos do Concílio Vaticano II. Combatendo o
clericalismo reinante no pontificado do papa João Paulo II, Dom Paulo criou e
promoveu com toda a força de seu coração aberto à voz do Espírito, as
comunidades eclesiais da base. Apoiou, sem medo, a Teologia da Libertação,
protegendo teólogos contra os arbítrios do moderno Tribunal do Santo Ofício.
Escreveu e gritou sobre os telhados um clamor eloquente
contra a tortura e os demais crimes da ditadura. Socorreu a todos aqueles que o
procuravam. Salvou centenas de vidas ameaçadas de morte. Franciscano contemplativo
na ação, sabia enfrentar, com prudência e coragem, os inimigos do povo santo de
Deus. Promotor dos direitos humanos, toda a sua vida constitui verdadeira
denúncia contra os abusos que se cometem contra os pobres e marginalizados da
sociedade.
Conheci a história deste grande Padre da Igreja da América
Latina, quando era seminarista. Li a sua história, e ele passou a fazer parte
do número pequeno dos meus santos de devoção. Agora, que está junto a Deus,
recebendo a recompensa dos justos na grande festa do Reino sem fim, confio na
sua intercessão. Tenho o privilégio de beber da fonte da sua espiritualidade,
que é profundamente profética e evangélica. Quando olho para Dom Paulo, vejo a
imagem de Jesus, e cada vez mais me sinto chamado por este mesmo Jesus a
trilhar, sempre e ousadamente, o árduo e feliz caminho da profecia.
Dom Paulo Evaristo Arns,
profeta do Reino de Deus, rogai
por nós!
Tiago
de França
Nenhum comentário:
Postar um comentário