quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Um profeta chamado Dom Paulo Evaristo Arns

   
    Após alguns dias sem publicar, retornamos com nossas reflexões/provocações. Desta vez, para falar, brevemente, de um dos maiores profetas da Igreja Católica no Brasil que, hoje, celebrou a sua páscoa: Dom Paulo Evaristo Arns, frade franciscano e cardeal da Igreja. Certamente, não cabe no espaço de um breve artigo descrever ou comentar, completamente, a extraordinária história de vida deste grande homem. Há algumas obras biográficas que realizar melhor essa tarefa, que recomendamos a leitura.

        Neste mundo, há homens que estão no nível do ordinário, e outros que estão no nível extraordinário. Pessoas extraordinárias são aquelas que estão muito além do seu tempo. Algumas, ganham notoriedade e são reconhecidas; outras, vivem no silêncio da clandestinidade. Estas pessoas precisam ser lembradas porque constituem referências de vida para inúmeras outras. Vivemos numa época marcada pela falta de referências. Atualmente, no Brasil, há uma carência enorme de pessoas que apontem para o futuro, com os pés firmes no chão do tempo presente: pessoas despojadas e proféticas, que anunciem e denunciem, pessoas íntegras e, portanto, coerentes.

        Dom Paulo é justamente este tipo de pessoa: simples, humilde, coerente e, portanto, evangélico. Viveu em plena sintonia com a centralidade da mensagem de Jesus. E qual é a centralidade da mensagem de Jesus: é o Reino de Deus. Dom Paulo conhecia o mistério do Reino de Deus e sempre viveu unido e guiado por este mistério. Ele sabia que no centro da mensagem de Jesus estava os pobres, prediletos do Reino de Deus. Sabia que no evangelho de Jesus, os pobres ocupam o lugar principal porque são os últimos da sociedade.

        Com Francisco de Assis, Dom Paulo aprendeu a viver na humildade e simplicidade. Como cardeal e arcebispo, nada lhe faltava. Mas não se aproveitava destes postos para se colocar como superior nem para viver uma vida luxuosa. Não sofria do mal da vaidade, que afeta tantos homens da hierarquia eclesiástica. Era um cardeal franciscano, amigo dos pobres desvalidos, coisa rara de se ver. Exerceu o ministério episcopal como pastor de uma Igreja que se reconhecia Povo de Deus, assembleia dos chamados à santidade na opção preferencial pelos pobres.

        Durante a ditadura militar, mesmo tendo irmãos no episcopado que se acovardaram diante da matança de gente inocente, Dom Paulo fez a opção de Jesus: acolher, consolar, denunciar, proteger, levantar o báculo na direção dos opressores. De fato, foi exímio pastor, disposto a dar a sua vida pelas ovelhas do rebanho de Jesus. Ele tinha plena convicção de que foi chamado para dar a vida, até o derramamento de sangue se necessário fosse. Mas os militares não tiveram a ousadia de matá-lo. Assassinar o cardeal arcebispo de São Paulo era demais.

        A Igreja Povo de Deus, promovida pela ação zelosa e profética de Dom Paulo, era marcada pela comunhão e pela participação: duas grandes coordenadas emanadas dos documentos do Concílio Vaticano II. Combatendo o clericalismo reinante no pontificado do papa João Paulo II, Dom Paulo criou e promoveu com toda a força de seu coração aberto à voz do Espírito, as comunidades eclesiais da base. Apoiou, sem medo, a Teologia da Libertação, protegendo teólogos contra os arbítrios do moderno Tribunal do Santo Ofício.

        Escreveu e gritou sobre os telhados um clamor eloquente contra a tortura e os demais crimes da ditadura. Socorreu a todos aqueles que o procuravam. Salvou centenas de vidas ameaçadas de morte. Franciscano contemplativo na ação, sabia enfrentar, com prudência e coragem, os inimigos do povo santo de Deus. Promotor dos direitos humanos, toda a sua vida constitui verdadeira denúncia contra os abusos que se cometem contra os pobres e marginalizados da sociedade.

        Conheci a história deste grande Padre da Igreja da América Latina, quando era seminarista. Li a sua história, e ele passou a fazer parte do número pequeno dos meus santos de devoção. Agora, que está junto a Deus, recebendo a recompensa dos justos na grande festa do Reino sem fim, confio na sua intercessão. Tenho o privilégio de beber da fonte da sua espiritualidade, que é profundamente profética e evangélica. Quando olho para Dom Paulo, vejo a imagem de Jesus, e cada vez mais me sinto chamado por este mesmo Jesus a trilhar, sempre e ousadamente, o árduo e feliz caminho da profecia.

Dom Paulo Evaristo Arns,
profeta do Reino de Deus, rogai por nós!

Tiago de França

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