Segundo Karl Rahner, teólogo
jesuíta alemão, o cristão do século XXI é um místico. Quais as características
de um místico? Em que consiste a mística cristã? Baseando-nos na teologia
mística e na experiência de místicos como Santa Teresinha do Menino Jesus e Dom
Helder Câmara, discorreremos, brevemente, sobre algumas características do que podemos
denominar cristão místico.
Não é verdade que o místico é alguém voltado para as alturas
dos céus, que vive enclausurado em um outro mundo diferente do nosso. Os místicos
não fogem do mundo nem são fariseus (separados). Portanto, não podemos
identificar o místico como alguém alheio à realidade, distante do mundo e de
seus problemas. O místico está no mundo, mas não é um homem mundano. Não vive o
mundanismo espiritual.
Também não é verdade que os místicos possuem feições
angelicais ou características marcadamente diferentes das demais pessoas. O místico
não possui aparência estranha, pois não é um ser de outro mundo. Não procura
ter semblante piedoso nem vive trajado de hábito religioso para se destacar das
demais pessoas. A discrição e a naturalidade marcam o místico. Aparentemente, é
igual às demais pessoas.
Outra realidade falsa que costuma ser relacionada ao místico
é a de que este vive rezando diuturnamente. É verdade que os místicos possuem
uma profunda vida de oração, mas não é verdade que não fazem outra coisa senão
rezar. Sem dúvida ninguém possui um contato mais íntimo com Deus do que os
místicos, mas como vivem mergulhados em Deus, eles não vivem diuturnamente encerrados
em rituais orantes (liturgia exterior).
Há, ainda, outra questão importante a ser considerada sobre a
vida mística: os místicos não possuem poderes sobrenaturais. Não são mágicos
nem adivinhos. Não procuram experimentar fenômenos extraordinários, mas são
prudentes (livres da falsa prudência), humildes, e depositam a sua confiança na
graça de Deus. A vida mística já se constitui extraordinária, pois é totalmente
voltada para Deus sem fugir do mundo.
Muito se pode falar a respeito da vida mística, mas
finalizemos estas breves considerações, discorrendo sobre três características
da vida de um místico: vigilância, contemplação, permanecer acordado,
despojamento.
Vigilância. Jesus de Nazaré pediu para sermos vigilantes. Vigiar
é estar atento, saber esperar em Deus. A postura do vigilante é a de quem não dorme
nem cochila, mas permanece à espera, num permanente espírito de atenção, para
não ser surpreendido. O vigilante não espera no escuro, mas com a sua lamparina
acesa (cf. Mt 26, 40 e ss.), para estar acordado quando o seu Amigo chegar. O místico
sabe que a carne é fraca, mas o espírito é forte. Portanto, sabe que é preciso
vigiar e orar, incessantemente.
Contemplação. Contemplar as maravilhas de Deus presentes em sua
criação é missão do místico. A contemplação concede o dom da visão de Deus. Para
ver a Deus é preciso contemplá-lo e glorificá-lo em todas as coisas. Mas o
místico não é um contemplativo alienado. Alguém que vive repousando no
Espírito, sendo indiferente ao mundo. De modo algum! O místico é um
contemplativo na ação. Age contemplando a presença de Deus, transmitindo aos
outros o amor generoso do Deus que se faz presente.
Permanecer acordado. Não estamos falamos que os místicos não
dormem. O corpo humano precisa de sono. Por isso, não estamos falando do sono
do corpo, mas do sono do espírito. O místico não é um cristão de espírito
apagado ou sonâmbulo. O Espírito que o conduz é o Espírito de Jesus, que o
manteve acordado na missão. Portanto, o místico é alguém que enxerga muito além
do mundo físico, mas consegue discernir e identificar a presença divina em
todas as coisas. Quem passa a vida dormindo não é capaz disso. O místico é alguém
que foi despertado para a vida, para viver a vida, senti-la como Deus a criou.
Despojamento. Os seguidores de Jesus são homens e mulheres
livres. Livres porque despojados, desapegados de tudo e de todos. Os místicos
nada acumulam, nem física nem espiritualmente. Nada possuem nem são possuídos por
nada. Uma vez livres, nada consegue prendê-los. São como os pássaros do céu,
não se preocupam com comer nem com o que vão vestir, pois sabem que a Divina
Providência não lhes falta. Procuram o Reino de Deus, e isto lhes basta. O caminho
do místico é o caminho de Jesus, marcado pela procura de Deus. Do ponto de
vista material, os místicos são pessoas pobres, assim como Jesus o foi.
Por fim, é preciso considerar que os místicos não vivem
segundo a carne, mas segundo o Espírito. Mas isto não significa que são
moralistas, como eram os fariseus e mestres da lei do tempo de Jesus. Os místicos
não são legalistas, pois não vivem segundo a lei. Viver segundo a carne é viver
segundo a lei dos homens, desprezando a lei de Deus. Viver segundo o Espírito é
viver segundo a lei de Deus. O Espírito nos faz capazes do amor. Os místicos
procuram amar. O amor é a lei do Espírito, a lei de Deus, a lei que rege a vida
mística.
Há místicos religiosos, que praticam a mística no interior da
religião. Mas isto não quer dizer que são místicos porque são religiosos. De modo
algum! Não é a religião que faz o místico, mas o apelo ao amor. Há outros que
não vivem no interior de nenhuma religião, mas seguem Jesus sem praticar
preceitos religiosos. São como Jesus, que era criticado por não cumprir
fielmente os preceitos do Judaísmo. Jesus não vivia segundo a carne.
Os místicos
estão no mundo, lugar da manifestação de Deus. Eles apontam para Jesus e não para
si mesmos. São sinais da presença de Deus. No Cristianismo, eles recordam e,
por isso mesmo, incomodam, ao proclamar a verdade fundamental e salvadora:
Jesus é o centro da vida cristã, e no centro da sua mensagem está o Reino de
Deus. O Cristianismo perde o sentido se esquecer da centralidade da mensagem de
Jesus. Sem a mensagem de Jesus, o Cristianismo se transforma num mundanismo
espiritual, portanto, desnecessário à humanidade. Os místicos são a memória
viva de Deus no mundo, dentro e fora da religião.
Tiago
de França