“Agora, diz o Senhor, voltai para mim
com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos; rasgai o coração, e
não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno e compassivo,
paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo” (Joel
2, 12).
Nenhuma pessoa muda de vida da noite
para o dia. Converter-se é mudar de mentalidade e de vida. A conversão é um
processo único e pessoal. Único porque cada pessoa tem a sua história e esta é
constituída por inúmeras circunstâncias. Pessoal porque cada pessoa precisa
tomar a decisão, se quer ou não mudar de vida. Esta decisão é pessoal. Portanto,
a conversão se inicia quando a pessoa decide, livremente, mudar de vida. Toda pessoa
precisa fazer um propósito, tomar uma direção, colocar-se a caminho e nele
perseverar.
A espiritualidade cristã ensina que
somente pela força do Espírito Santo a pessoa é capaz de tomar esta decisão. Este
tipo de decisão já constitui uma resposta ao chamado de Deus. É o início de uma
resposta que precisa ser generosa e permanente. Responde-se a Deus se dispondo
a ouvir o seu apelo de amor. Quem tomou a decisão de trilhar o caminho da
conversão, na verdade, se dispôs a abrir os ouvidos à voz de Deus que chama à
renovação da vida. Converter-se é abrir-se à renovação da vida.
Tomada a decisão, inicia-se a caminhada.
O caminho é estreito e pedregoso, cheio de tentações. O desânimo oriundo do
cansaço é uma das piores tentações. Para não desanimar, a pessoa precisa ter a
virtude da paciência, saber esperar em Deus. Este Deus exige que a pessoa se
entregue sem medo à experiência da comunhão com Ele. Nesta experiência, Ele
revela o seu grande e infinito amor; e neste amor a pessoa experimenta o
conhecimento de si mesma. É no encontro com Deus, no mais profundo de si mesmo,
que o ser humano conhece as suas sombras, seus pecados.
Totalmente entregue ao amor divino, a
pessoa faz a experiência do perdão. O amor e o perdão caminham juntos. Quem se
encontra com Deus tem seus pecados perdoados e encontra a paz de espírito. Deus
é amor e Nele toda pessoa encontra a reconciliação consigo mesma. Uma vez
reconciliada consigo mesma e com Deus, é
capaz de entrar em comunhão com seus irmãos, seus semelhantes; do contrário, o
encontro com o outro não ocorre porque a ausência de paz não cria este encontro
necessário. O caminho da conversão é um caminho de reconciliação, de amor, de
encontro e de paz.
O profeta Joel fala da necessidade de se
voltar para o Senhor. O bom filho sempre retorna à casa de seu pai e de sua
mãe. Deus é este Pai e esta Mãe que permanece de braços abertos porque é puro
amor. A partir do evangelho de Jesus, podemos afirmar, categoricamente: Não há pecado no mundo que seja capaz de
impedir, definitivamente, o encontro com Deus, Pai e Mãe de misericórdia. Somente
aquela pessoa que se recusa mostra-se incapaz de encontrar a Deus. E é assim
porque Deus não força o encontro nem a aproximação. Deus é amor gratuito e
livre. Deus ama na liberdade e para a liberdade.
O cristão é chamado a voltar para o
Senhor rasgando o coração e não as vestes. O que o profeta Joel quis dizer ao
falar em rasgar o coração? De modo geral, as pessoas optam por ter um coração
de pedra. Este coração é duro e insensível. Quem tem coração de pedra é incapaz
de sentir compaixão e de se entregar ao amor. Este amor não resiste a um
coração de pedra. Rasgar o coração significa abandonar o coração de pedra, e em
seu lugar fazer surgir um coração de carne. Rasgar é abrir, acolher, deixar
sentir e pulsar, renunciar à frieza e à rispidez, cultivar o amor. Converter-se
de coração é mudar de vida de verdade, sem mentiras; ir à essência, não se
acomodar na superficialidade.
Nossas Igrejas cristãs, bem como todas
as religiões, precisam de homens e mulheres livres no amor, de pessoas de bom
coração. Certo dia, escutei de um padre santo a seguinte frase, quando
conversávamos sobre a vocação do presbítero na Igreja: “Deus não nos chama a
sermos padres, mas nos chama a sermos bons!” A bondade é a marca da pessoa convertida.
Ser bom não é ser sem defeito e sem pecado, mas significa ser semelhante a
Deus, pura bondade. Quem foi alcançado pelo amor conhece a bondade e, de fato,
é bom. O mundo precisa de pessoas boas, de pessoas de bom coração.
Se quisermos conhecer e viver em um
mundo renovado, precisamos aprender a exercitar a bondade no coração, não na aparência.
De modo geral, nos refugiamos na aparência, escondendo nosso verdadeiro eu. E é
assim porque tendemos à acomodação, recusando-nos à mudança de vida. Esta tentação
nos arrasta porque é mais fácil cultivarmos a aparência do que nos ocuparmos
com nossa essência.
Vivemos
numa permanente fuga de nós mesmos, e, assim, nos encerramos na tibieza. Que a
Quaresma deste ano, seja mais uma oportunidade para avançarmos para as águas
mais profundas; para sermos, de fato, pessoas dignas de ser reconhecidas como
seres humanos. Deus nos chama a sermos, de fato, humanos. Quem consegue ser
humano encontrou a felicidade e a paz; encontrou Deus, que é Tudo em todos.
Feliz caminhada rumo à Páscoa!
Tiago
de França
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