segunda-feira, 12 de junho de 2017

Optar pelo amor. Pensamentos (XLII)

Quem opta pela paixão, com ela passa. Quem opta pelo amor, com ele permanece.

Tiago de França

domingo, 11 de junho de 2017

Deus é amor

       
        Jesus revelou a verdadeira imagem de Deus. Aliás, mais que uma imagem, revelou a verdadeira face de Deus. E o que revelou? Que Deus é amor. O Pai, o Filho e o Espírito Santo formam a Comunidade do Amor. O amor é como que o conteúdo que dá existência ao mistério do Deus Uno e Trino.  

Deus não existe fora do amor porque é amor. Ele somente sabe amar e é incapaz de ter e alimentar ódio de suas criaturas e do homem, criado à sua imagem e semelhança. No mistério da Trindade todas as coisas são regeneradas e recriadas. Enquanto amor, Deus recria todas as coisas, impedindo que pereçam.

        A revelação bíblica, do Gênesis ao Apocalipse, mostra tudo o que existe foi criado por amor, pelo amor e para o amor. Portanto, toda a criação tem a sua origem no amor e terá o seu fim no amor. Sendo amor, Deus está no começo e no fim; Ele é a fonte da vida, seu sentido e seu fim. Acolher o mistério da Trindade é reconhecer Deus como infinito amor, doação plena, fonte da vida, alegria da criação, felicidade sem fim.  

Acolher o mistério da Trindade, o Amor por excelência, também significa experimentar na vida este mistério de amor. Somente quem ama conhece a Deus. Por isso, para compreender o mistério da Trindade é preciso amar; amar na verdade e na liberdade, até às últimas consequências. Não há outro caminho.

        O amor revela a dinâmica do mistério da Trindade. Mas como amar? Há uma forma própria de amor, para se alcançar o conhecimento deste mistério insondável? A resposta é positiva. É preciso amar como Jesus amou: na verdade, na liberdade e na opção pelos últimos. É verdade que não há neste mundo alguém que possa amar tão perfeitamente como Jesus amou. Somos pecadores e amamos a partir de nossas imperfeições. 

Mas é verdade também que o amor de Deus é mais perfeitamente praticado quando reconhecemos as nossas imperfeições, pois a graça de Deus se manifesta a partir de nossas fraquezas. Deus manifesta seu amor quando, humildemente, diante dele, assumimos a nossa realidade pecadora e clamamos a sua misericórdia.

        Amar como Jesus amou é doar-se no serviço ao próximo: os pais se doam quando assumem com responsabilidade a criação e educação dos filhos; o professor se doa na difícil arte de lecionar quando desperta a consciência crítica de seus alunos; o político se doa quando não desvia o dinheiro público, visando sempre o bem comum; os empregadores se doam quando respeitam seus empregados, assegurando-lhes e promovendo-lhes os direitos trabalhistas; o líder religioso se doa quando não usa do ofício religioso para ser servido, mas empenha-se a dar a própria vida pela vida do rebanho do Senhor; enfim, amar como Jesus amou é doar-se, é sair de si na direção do outro, é amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

        Pessoas egoístas são incapazes de conhecer e experimentar o mistério da Trindade, portanto, incapazes de amar a Deus e ao próximo. O egoísta somente enxerga a si mesmo e em tudo busca satisfazer seus próprios interesses. Não sabe o significado prático da palavra doação. Para ele, doar-se é fazer papel de tolo. O mundo está cheio de pessoas egoístas, que usam da esperteza para se aproveitar dos outros.  

Com muita facilidade, os egoístas se deixam corromper porque, em suas vidas, em primeiro lugar está seu próprio bem e não o bem comum. Enxergam a vida como um campo vasto de possibilidades para a satisfação de seus objetivos e sonhos pessoais. Não se importam com o bem comum, pois acreditam que todas as pessoas são “átomos de egoísmo” e que cada um deve se virar como pode, sem a colaboração dos outros, fora do espírito da verdadeira fraternidade.

        Não se vive o amor, que revela o mistério trinitário, no isolamento. Neste não há amor. Pessoas isoladas não amam. O verdadeiro amor não existe em função da própria pessoa. Em outros termos, ninguém nasceu neste mundo somente para amar a si mesmo. Na verdade, não há amor a si mesmo sem amor ao próximo. O amor só existe em função do outro.

Amar é abrir-se ao outro. Quem despreza o próximo jamais pode dizer que ama e conhece a Deus. Tal declaração seria mentirosa. É neste sentido que o apóstolo João afirma que todo aquele que diz que ama a Deus e não ama o próximo é mentiroso (1 Jo 4, 20). Não se ama a Deus odiando o próximo. Quem assim procede está na mentira, jamais na verdade.

        Nas Igrejas cristãs encontramos muita falta de amor: pessoas sendo desprezadas, humilhadas, excluídas, julgadas e condenadas. Em matéria religiosa, teologicamente falando, não se pode afirmar que a acolhida do Amor passa, necessariamente, pelo cumprimento fiel das normas e regras religiosas. Jesus não pediu a instauração de normas e regras, mas ensinou a amar. A prática do amor exige, muitas vezes, a desobediência de normas e regras religiosas.

O próprio Jesus, para amar e ensinar o mandamento do amor, teve que desobedecer a vários preceitos religiosos do Judaísmo. Um exemplo clássico para ilustrar nossa meditação: diante da mulher pega em flagrante adultério, a lei mandava apedrejá-la em praça pública (cf. Jo 8, 1 – 11). E o que fez Jesus? Ensinou que a lei orientava o oposto do amor. Ensinou a amar aquela mulher porque a sua salvação estava no amor. O amor restaura o pecador, não as penas da lei.

        Neste sentido, o Papa Francisco tem feito um bem enorme à Igreja e à humanidade, quando exorta às pessoas de fé, bem como aquelas mulheres e homens de boa vontade que não são católicos nem cristãos, a acreditarem no amor. Acertadamente, fiel ao Evangelho de Jesus, o Papa tem chamado a atenção para o valor da vida e do amor. Em seus escritos, discursos e gestos, tem insistido na necessidade do amor. Torna-se cada vez mais urgente amar o próximo e a natureza, frutos da generosidade divina.

Quem ama não faz mal a ninguém porque reconhece que o mal é incompatível com o amor. Quem ama somente pode fazer o bem. Assim, o amor é a vocação primeira de todo ser humano. O amor ultrapassa os limites das culturas e religiões. Não há humanidade sadia sem o amor, não há pessoa humana fora do amor. Desprovida de amor e desprezando-o, a espécie humana se torna a mais perigosa, com infinito potencial destruidor da vida no mundo.

        Acreditar em Deus é crer no amor. E quem crer no amor vive segundo o amor. E quem vive segundo o amor conhece a Deus, encontrou a paz e é feliz. Quem ama experimenta, de fato, a vida. É o amor que nos dá a certeza de que a passagem neste mundo não é sem sentido. Quem se fecha à possibilidade do amor, que constitui o sentido da vida, realmente não vive, mas apenas ocupa lugar no espaço. A vida no mundo depende do amor. Quem não ama já perdeu a vida, apenas espera a morte fazer desaparecer o corpo.

Quem ama não morre, mas mergulha no reino da liberdade e da vida sem fim. Quem ama se torna morada da Trindade e torna-se, com Ela, um só mistério de amor. Não há palavras para descrever esta comunhão de amor. Quem quiser conhecer, precisa experimentar. É uma experiência linda de viver!


Tiago de França

sábado, 3 de junho de 2017

O Espírito Santo e o projeto de Jesus

“Recebei o Espírito Santo” (Jo 20, 22).

        Neste domingo, a Igreja Católica celebra, solenemente, a festa de Pentecostes. Certamente, muitos não terão a oportunidade de saber da verdadeira missão do Espírito na vida e na missão da Igreja povo de Deus em marcha na história. Geralmente, a pregação reduz a ação do Espírito ao campo da experiência particular.  

Invoca-se o Espírito para que conceda seus dons, em vista de uma vida santa, de uma santidade particular. E não é pequeno o número dos que participam de momentos de “êxtase” e “repouso”, falando da manifestação do Espírito que fala uma linguagem incompreensível, portanto, intraduzível. Ousamos dizer, para a frustração de muitos, que isto não é compatível com o que o Novo Testamento fala do Espírito Santo.

        Quem não se recorda do projeto de Jesus não pode dizer que age sob a ação do Espírito, pois este nos remete, direta e permanentemente, a este projeto libertador. E é assim porque o Pai e o Filho não enviaram o Espírito a este mundo para simplesmente se ocupar com êxtases particulares que tendem a tranquilizar o espírito humano. Em alguns casos, mais perturba que tranquiliza.

Neste sentido, o Espírito não cria no cristão uma fé intimista, que se manifesta na relação fiel – Deus. Onde fica o próximo nesta relação? E a confusão da história humana? E a planície, por acaso fica abandonada, esperando que o cristão desça da montanha da transfiguração?... Pentecostes é celebração da manifestação do Espírito, e para compreendermos bem esta manifestação, ousaremos algumas provocações de ordem espiritual.

        O Espírito está para além das fronteiras de nossas Igrejas cristãs. Nenhuma instituição religiosa tem a posse do Espírito porque este é livre e libertador. Ele age onde, quando e como quer. Não se enquadra nos esquemas humanos, por mais religiosos que sejam.

Não está em função dos projetos humanos, mas foi enviado para que o projeto de Jesus, que é o Reino de Deus, se torne efetivo no meio do mundo. Muito além das fronteiras do Cristianismo, podemos encontrar o Espírito trabalhando, habitando os corações das mulheres e homens de boa vontade, de forma silenciosa e discreta, com a força que lhe é peculiar.  

        O Espírito renova todas as coisas na perspectiva do Reino de Deus. Todas as pessoas que abrirem seus corações à generosidade e bondade divinas, recebem o Espírito. Esta generosidade e bondade já constituem frutos do Espírito. Todas as coisas são recapituladas em Cristo Jesus pela força do Espírito. Não há realidade neste mundo que lhe seja desconhecida. A sua força está presente na bondade de todas as criaturas criadas à imagem e semelhança de Deus.  

Ele renova todas as criaturas para que permaneçam no espírito do seu Criador, restauradas para a sua glória. O Espírito faz as criaturas participarem da vida do seu Criador, sendo, assim, felizes. E no meio da criação está o homem, elevado em Cristo à dignidade de filho de Deus, para a manifestação definitiva da obra divina. A pessoa humana é o retrato da infinita bondade e misericórdia do Deus. O Espírito revela essa íntima unidade entre Deus e as pessoas, fazendo-lhes partícipes do seu amor.

        O Espírito é a força dos fracos e a Luz que desperta para a plenitude do Reino de Deus. Em todos os tempos e lugares há mulheres e homens que são pisados e explorados por quem detém o poder. Há uma esperança que nutre a caminhada dos fracos, os oprimidos da história. Muitas vezes, eles não sabem de onde ela vem, quem a alimenta. Sabem somente que a cada dia precisam caminhar, levantar-se do chão, reerguer-se, manter-se de pé, fazer a vida acontecer. Estas pessoas gritam, gemem de dor. São desfiguradas, abatidas, mas não totalmente vencidas. 

Elas também festejam, se alegram e cantam, e no mais profundo do seu ser, acreditam que a noite vai passar, por mais tenebrosa que seja. O evangelho revela que é o Espírito enviado a este mundo que desperta e alimenta a esperança destes empobrecidos. Iluminados e sustentados pela força do Alto reconhecem que são amados por Deus, apesar das dores e sofrimentos. Sabem que Deus permanece com eles, diuturnamente, porque é fiel, e sua fidelidade não tem fim.

        O Espírito revela o lugar do encontro com Deus e do movimento cotidiano de seu Reino. Há lugares nos quais podemos encontrar Deus agindo. Geralmente, para estes lugares não queremos ir. E é assim porque estes lugares não são confortáveis, mas incômodos. Lá está o rosto de Jesus que nos questiona, que coloca o dedo na nossa ferida. O rosto de Jesus nos faz enxergar a nossa preguiça, a nossa covardia, a nossa omissão. Queremos viver deitados na rede, tomando água de coco, ou seja, queremos o conforto de nossas capelas, algumas até com ar condicionado.  

Enquanto isso, Jesus nos espera lá na periferia. Não gostamos dessa palavra. Ela nos dá medo. A sociedade, marcada pela mentira e pela hipocrisia, nos induz a pensar que na periferia só tem o que não presta. Fala-se que lá estão as pessoas imundas, sujas, pecadoras, impuras. O Espírito nos revela que Jesus possui exatamente estas características: é imundo, sujo, considerado pecador e impuro. E é assim porque é o Verbo encarnado na periferia do mundo.

No Reino definitivo assistiremos a um escândalo quando estivermos diante do verdadeiro Cristo Jesus: com cara de homem da periferia, homem próximo das pessoas mal afamadas. O Espírito revela que quem quiser conhecer Jesus cuide em se adaptar às periferias existenciais. Cada um precisa conhecer as periferias de sua vida, de seu contexto.

Jesus costuma habitar os lugares e as pessoas que nos causam certa repugnância. E por mais que não aceitemos esta verdade evangélica, ela permanece para sempre porque Deus é o mesmo, ele não muda para satisfazer os nossos gostos e nossos medos. O Reino de Deus está acontecendo nas alegrias, esperanças, angústias, na dor e nas festas dos empobrecidos. Estes são bem-aventurados porque possuem a visão de Deus.

        O Espírito nos faz entrar no reino da liberdade sem fim. Neste mundo, há quem pensa que o poder, o dinheiro e o prestígio libertam. As pessoas se apegam a estas coisas e pensam que são felizes. Confundem conforto material com felicidade. A mediocridade é a palavra que traduz o significado da vida que levam. Contra o mal da mediocridade, a ação amorosa do Espírito é o remédio. Quem faz a experiência da comunhão com o Espírito está livre da sede pelo poder, dinheiro e prestígio.  

Na verdade, os que vivem sob a ação do Espírito fogem do mal do poder, do dinheiro e do prestígio. O Espírito não confere poder humano a ninguém. A sua marca é a da fraqueza. Esta manifesta a sua força. Todas as pessoas espirituais são humanamente frágeis, não possuem poder para nada. O poder que o Espírito confere é o do testemunho. Trata-se de um poder superior a qualquer outro, capaz de arrastar multidões para o caminho de Jesus.

As mulheres e homens espirituais não acumulam dinheiro, não o possuem, mas apenas utilizam-no para a satisfação das necessidades básicas. Elas sabem que vivem da graça de Deus, que as assiste na hora certa. O prestígio não constitui a meta da vida dos que vivem segundo o Espírito. Quando se tornam conhecidas é por causa do seu testemunho, que é como a luz sobre os telhados, para a edificação do Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja povo de Deus. Não buscam o sucesso nem o prestígio, mas a discrição, o silêncio, a clandestinidade. Longe dos holofotes da mídia podemos encontrar inúmeros discípulos missionários de Jesus, guiados pelo Espírito.

        Por fim, é preciso considerar que o Espírito liberta o cristão de certa imagem falsa de si mesmo. Ele o faz enxergar e aceitar a verdade de si mesmo. Por isso, é o Espírito que liberta da mentira e da ilusão, abrindo os olhos do crente para que encontre Deus na realidade do mundo. Esta liberdade aponta para a paz de espírito. Toda pessoa que se encontrou consigo mesma conhece a verdadeira paz porque se encontrou com Deus.  

O resultado é que a pessoa se liberta das preocupações e das ambições. Despoja-se das pretensões, passando a buscar somente o Reino de Deus e sua justiça. Quem vive à procura daquilo que o mundo oferece: poder, prestígio e dinheiro, já perdeu a paz. Vive inquieto, perturbado, leva uma vida seca, sem vida. Somente as pessoas livres no Espírito é que conhecem a verdadeira alegria de viver. As demais, gozam da falsa alegria, que o mundo é capaz de dar: uma alegria passageira, que esconde o vazio e as trevas de uma vida sem sentido.

Todos os que permanecem no Espírito são alegres, disponíveis, generosos e transparentes como água cristalina. O mundo e nossas Igrejas precisam cada vez mais de pessoas verdadeiramente livres, conscientes de sua missão no mundo, ungidas pelo Espírito, capazes de amar até às últimas consequências. Esta é a vontade de Deus. Isto é o que o Espírito nos diz nesta hora tão difícil de nossa história. Oremos para que o Espírito nos empurre para o meio do mundo, para darmos testemunho do amor de Deus e de sua justiça. Este é o caminho que conduz a Deus. Que o Espírito permaneça em nós, para sempre, libertando-nos de nossos demônios interiores, para sermos missionários do Reino do Pai.


Tiago de França