“Recebei
o Espírito Santo” (Jo 20, 22).
Neste domingo, a Igreja Católica celebra, solenemente, a
festa de Pentecostes. Certamente, muitos não terão a oportunidade de saber da
verdadeira missão do Espírito na vida e na missão da Igreja povo de Deus em
marcha na história. Geralmente, a pregação reduz a ação do Espírito ao campo da
experiência particular.
Invoca-se
o Espírito para que conceda seus dons, em vista de uma vida santa, de uma
santidade particular. E não é pequeno o número dos que participam de momentos
de “êxtase” e “repouso”, falando da manifestação do Espírito que fala uma
linguagem incompreensível, portanto, intraduzível. Ousamos dizer, para a
frustração de muitos, que isto não é compatível com o que o Novo Testamento
fala do Espírito Santo.
Quem não se recorda do projeto de Jesus não pode dizer que
age sob a ação do Espírito, pois este nos remete, direta e permanentemente, a
este projeto libertador. E é assim porque o Pai e o Filho não enviaram o
Espírito a este mundo para simplesmente se ocupar com êxtases particulares que
tendem a tranquilizar o espírito humano. Em alguns casos, mais perturba que
tranquiliza.
Neste
sentido, o Espírito não cria no cristão uma fé intimista, que se manifesta na
relação fiel – Deus. Onde fica o próximo nesta relação? E a confusão da
história humana? E a planície, por acaso fica abandonada, esperando que o
cristão desça da montanha da transfiguração?... Pentecostes é celebração da
manifestação do Espírito, e para compreendermos bem esta manifestação,
ousaremos algumas provocações de ordem espiritual.
O Espírito está para
além das fronteiras de nossas Igrejas cristãs. Nenhuma instituição religiosa
tem a posse do Espírito porque este é livre e libertador. Ele age onde, quando
e como quer. Não se enquadra nos esquemas humanos, por mais religiosos que
sejam.
Não está
em função dos projetos humanos, mas foi enviado para que o projeto de Jesus,
que é o Reino de Deus, se torne efetivo no meio do mundo. Muito além das
fronteiras do Cristianismo, podemos encontrar o Espírito trabalhando, habitando
os corações das mulheres e homens de boa vontade, de forma silenciosa e
discreta, com a força que lhe é peculiar.
O Espírito renova
todas as coisas na perspectiva do Reino de Deus. Todas as pessoas que
abrirem seus corações à generosidade e bondade divinas, recebem o Espírito. Esta
generosidade e bondade já constituem frutos do Espírito. Todas as coisas são
recapituladas em Cristo Jesus pela força do Espírito. Não há realidade neste
mundo que lhe seja desconhecida. A sua força está presente na bondade de todas
as criaturas criadas à imagem e semelhança de Deus.
Ele renova
todas as criaturas para que permaneçam no espírito do seu Criador, restauradas
para a sua glória. O Espírito faz as criaturas participarem da vida do seu
Criador, sendo, assim, felizes. E no meio da criação está o homem, elevado em
Cristo à dignidade de filho de Deus, para a manifestação definitiva da obra
divina. A pessoa humana é o retrato da infinita bondade e misericórdia do Deus.
O Espírito revela essa íntima unidade entre Deus e as pessoas, fazendo-lhes
partícipes do seu amor.
O Espírito é a força
dos fracos e a Luz que desperta para a plenitude do Reino de Deus. Em todos
os tempos e lugares há mulheres e homens que são pisados e explorados por quem
detém o poder. Há uma esperança que nutre a caminhada dos fracos, os oprimidos
da história. Muitas vezes, eles não sabem de onde ela vem, quem a alimenta. Sabem
somente que a cada dia precisam caminhar, levantar-se do chão, reerguer-se,
manter-se de pé, fazer a vida acontecer. Estas pessoas gritam, gemem de dor. São
desfiguradas, abatidas, mas não totalmente vencidas.
Elas
também festejam, se alegram e cantam, e no mais profundo do seu ser, acreditam
que a noite vai passar, por mais tenebrosa que seja. O evangelho revela que é o
Espírito enviado a este mundo que desperta e alimenta a esperança destes
empobrecidos. Iluminados e sustentados pela força do Alto reconhecem que são
amados por Deus, apesar das dores e sofrimentos. Sabem que Deus permanece com
eles, diuturnamente, porque é fiel, e sua fidelidade não tem fim.
O Espírito revela o
lugar do encontro com Deus e do movimento cotidiano de seu Reino. Há
lugares nos quais podemos encontrar Deus agindo. Geralmente, para estes lugares
não queremos ir. E é assim porque estes lugares não são confortáveis, mas incômodos.
Lá está o rosto de Jesus que nos questiona, que coloca o dedo na nossa ferida. O
rosto de Jesus nos faz enxergar a nossa preguiça, a nossa covardia, a nossa
omissão. Queremos viver deitados na rede, tomando água de coco, ou seja,
queremos o conforto de nossas capelas, algumas até com ar condicionado.
Enquanto
isso, Jesus nos espera lá na periferia. Não gostamos dessa palavra. Ela nos dá
medo. A sociedade, marcada pela mentira e pela hipocrisia, nos induz a pensar
que na periferia só tem o que não presta. Fala-se que lá estão as pessoas
imundas, sujas, pecadoras, impuras. O Espírito nos revela que Jesus possui
exatamente estas características: é imundo, sujo, considerado pecador e impuro.
E é assim porque é o Verbo encarnado na periferia do mundo.
No Reino
definitivo assistiremos a um escândalo quando estivermos diante do verdadeiro
Cristo Jesus: com cara de homem da periferia, homem próximo das pessoas mal
afamadas. O Espírito revela que quem quiser conhecer Jesus cuide em se adaptar
às periferias existenciais. Cada um precisa conhecer as periferias de sua vida,
de seu contexto.
Jesus
costuma habitar os lugares e as pessoas que nos causam certa repugnância. E por
mais que não aceitemos esta verdade evangélica, ela permanece para sempre
porque Deus é o mesmo, ele não muda para satisfazer os nossos gostos e nossos
medos. O Reino de Deus está acontecendo nas alegrias, esperanças, angústias, na
dor e nas festas dos empobrecidos. Estes são bem-aventurados porque possuem a
visão de Deus.
O Espírito nos faz
entrar no reino da liberdade sem fim. Neste mundo, há quem pensa que o
poder, o dinheiro e o prestígio libertam. As pessoas se apegam a estas coisas e
pensam que são felizes. Confundem conforto material com felicidade. A mediocridade
é a palavra que traduz o significado da vida que levam. Contra o mal da
mediocridade, a ação amorosa do Espírito é o remédio. Quem faz a experiência da
comunhão com o Espírito está livre da sede pelo poder, dinheiro e prestígio.
Na verdade,
os que vivem sob a ação do Espírito fogem do mal do poder, do dinheiro e do
prestígio. O Espírito não confere poder humano a ninguém. A sua marca é a da
fraqueza. Esta manifesta a sua força. Todas as pessoas espirituais são humanamente
frágeis, não possuem poder para nada. O poder que o Espírito confere é o do
testemunho. Trata-se de um poder superior a qualquer outro, capaz de arrastar
multidões para o caminho de Jesus.
As mulheres
e homens espirituais não acumulam dinheiro, não o possuem, mas apenas utilizam-no
para a satisfação das necessidades básicas. Elas sabem que vivem da graça de
Deus, que as assiste na hora certa. O prestígio não constitui a meta da vida
dos que vivem segundo o Espírito. Quando se tornam conhecidas é por causa do
seu testemunho, que é como a luz sobre os telhados, para a edificação do Corpo
Místico de Cristo, que é a Igreja povo de Deus. Não buscam o sucesso nem o
prestígio, mas a discrição, o silêncio, a clandestinidade. Longe dos holofotes
da mídia podemos encontrar inúmeros discípulos missionários de Jesus, guiados
pelo Espírito.
Por fim, é preciso considerar que o Espírito liberta o
cristão de certa imagem falsa de si mesmo. Ele o faz enxergar e aceitar a
verdade de si mesmo. Por isso, é o Espírito que liberta da mentira e da ilusão,
abrindo os olhos do crente para que encontre Deus na realidade do mundo. Esta liberdade
aponta para a paz de espírito. Toda pessoa que se encontrou consigo mesma
conhece a verdadeira paz porque se encontrou com Deus.
O resultado
é que a pessoa se liberta das preocupações e das ambições. Despoja-se das pretensões,
passando a buscar somente o Reino de Deus e sua justiça. Quem vive à procura
daquilo que o mundo oferece: poder, prestígio e dinheiro, já perdeu a paz. Vive
inquieto, perturbado, leva uma vida seca, sem vida. Somente as pessoas livres
no Espírito é que conhecem a verdadeira alegria de viver. As demais, gozam da
falsa alegria, que o mundo é capaz de dar: uma alegria passageira, que esconde
o vazio e as trevas de uma vida sem sentido.
Todos
os que permanecem no Espírito são alegres, disponíveis, generosos e
transparentes como água cristalina. O mundo e nossas Igrejas precisam cada vez
mais de pessoas verdadeiramente livres, conscientes de sua missão no mundo,
ungidas pelo Espírito, capazes de amar até às últimas consequências. Esta é a
vontade de Deus. Isto é o que o Espírito nos diz nesta hora tão difícil de
nossa história. Oremos para que o Espírito nos empurre para o meio do mundo,
para darmos testemunho do amor de Deus e de sua justiça. Este é o caminho que
conduz a Deus. Que o Espírito permaneça em nós, para sempre, libertando-nos de
nossos demônios interiores, para sermos missionários do Reino do Pai.
Tiago de França
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