Após um mês sem ter tempo para dar
continuidade à publicação de nossos artigos, eis que agora podemos retomá-los.
Reiniciamos com uma breve análise: algumas considerações sobre a condenação do
ex-presidente Lula. Hoje, o juiz Sérgio Moro condenou o ex-presidente a nove
anos e seis meses de prisão.
Tendo lido a sentença penal condenatória,
publicada pelo mencionado juiz federal, alguns aspectos nos chamaram a atenção,
entre os quais algumas “provas” consideradas pelo juiz para condenar o réu. O juiz se serviu de rasuras encontradas no
apartamento do ex-presidente, rasuras que não apontam registro de propriedade
do tríplex. Rasuras que contém a escrita de números soltos. A rasura em si não
constitui prova porque não indica nada. Mas para quem já tinha a convicção prévia
da condenação, a rasura serviu para justificá-la. No direito brasileiro, só era
o que faltava: rasuras com escritos que nada indicam se transformam em prova
robusta!
Outra “prova” aceita pelo juiz para
justificar a condenação foi a existência de uma reserva do tríplex para o
ex-presidente e sua falecida esposa. A mera reserva, sem a efetiva compra e
registro do imóvel, se transformou em prova cabal, na concepção do juiz. Segundo
este, reserva é sinônimo de propriedade. Ao que parece, o juiz entende que a
mera proposta de compra e venda transfere a titularidade do imóvel. Trata-se de
um entendimento que não se sustenta em lugar nenhum.
A OAS Empreendimentos sempre teve total
disponibilidade sobre o imóvel. Considerando o caráter empreendedor da empresa,
é evidente a necessidade de melhoramentos em vista da venda do imóvel para quem
quer que seja. O juiz cogitou que a empresa reservou, fez os melhoramentos e
transferiu a propriedade ao ex-presidente. Não há uma prova sequer nem da
reserva, nem da encomenda dos melhoramentos, nem da transferência. O juiz
copiou a acusação genérica do Ministério Público, que acusou, mas não
apresentou provas suficientes.
Outra “prova” um tanto curiosa, considerada
pelo juiz, para justificar a condenação foi a reportagem de jornal. Isso mesmo!
No Brasil, o juiz usa até reportagem de jornal para condenar, criminalmente,
uma pessoa. Qual o problema desta “prova”? Reportagem de jornal, principalmente
do jornal O Globo, não constitui prova contra ninguém. O que faz um jornal?
Recorta a notícia e oferece a narrativa dos fatos de acordo com seus
interesses, sem, na maioria dos casos, nenhum compromisso com a verdade. É conhecida
a perseguição das Organizações Globo ao ex-presidente. Sabendo disso, o juiz
sentenciante utilizou justamente reportagem do mencionado jornal como se ela
fosse prova suficiente para elucidar a verdade dos fatos.
O depoimento de delator, criminoso confesso,
portanto, interessado nos benefícios do acordo de delação; depoimento dado sem
nenhum compromisso com a verdade, foi utilizado pelo juiz como prova. Quem
entende o mínimo do instituto da delação premiada sabe que a palavra do delator
não constitui prova contra quem quer que seja. A palavra do delator é meio para
obtenção de prova.
O juiz Moro ignorou este entendimento
jurisprudencial, adotado, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal. No dia em
que a palavra de um delator for considerada prova suficiente para condenar
alguém, então, pode-se entender que não é necessária a investigação do conteúdo
da delação. Uma vez o delator falando, de plano, a sua palavra seria
considerada verdadeira, espécie de verdade dogmática, inalcançável pelo
contraditório. Mas não é esta a realidade do instituto nem é este o
entendimento jurisprudencial adotado no Brasil.
Contra o ex-tesoureiro do Partido dos
Trabalhadores, João Vaccari Neto, o juiz Moro já tinha utilizado a mesma
façanha, condenando-o a mais de quinze anos de prisão; condenação que foi “fundamentada”
na palavra de delatores. Os desembargadores que revisaram a sentença absolveram
o réu porque não se pode condenar alguém, baseando-se somente em delações
premiadas.
Sem a devida investigação do conteúdo da
delação, é totalmente absurda a confiança na palavra de criminoso confesso. Mas
parece que o juiz Moro não aprendeu a lição, e resolveu repetir a dose. Se os
mesmos desembargadores se mantiverem fieis à jurisprudência vigente, o juiz de
Curitiba vai passar vergonha novamente.
Curiosamente, além destas hipóteses
inconsistentes de provas, o juiz aproveitou o espaço da sentença para fazer
juízo político do ex-presidente. Este, em depoimento ao magistrado, afirmou,
categoricamente, que o processo era para julgar a sua conduta política, dada a
ausência de crime. Na ocasião, o juiz negou esta possibilidade; mas na
sentença, entrou em contradição: teceu elogios ao ex-presidente, por este ter
se dedicado a implementar medidas eficientes de combate à corrupção, e na parte
dispositiva da sentença, justificou que não decretou a prisão preventiva do
ex-presidente porque isto configuraria uma situação traumática. Trata-se de
pura conveniência pessoal, e não processual. Puro capricho do juiz
sentenciante. A lei processual penal não respalda este tipo de conduta
judicial.
Ao finalizar a sentença, condenando o
ex-presidente à pena privativa de liberdade, o juiz copiou parte da exposição
do PowerPoint utilizada pelos membros
do Ministério Público quando da coletiva de impressa, para fechar com chave de
ouro a sua longa e exaustiva sentença penal condenatória. Nesta parte,
mencionou possíveis ligações do ex-presidente com os desvios ocorridos na
Petrobrás, por meio de possíveis acordos entre o réu e a OAS para assaltar os
cofres da estatal.
O juiz somente menciona, mas sem fazer
referência à prova nenhuma. Esta parte da sentença faz lembrar os inimigos do
ex-presidente que, apaixonadamente, o acusam de ter sido o responsável pelo
maior escândalo da história do Brasil, ignorando totalmente a história porque
não a estudam. Trata-se de argumento falacioso, que não merece crédito porque
desprovido de conteúdo passível de verificação.
Dada esta breve análise de algumas partes
curiosas da frágil e descabida sentença do juiz de Curitiba, cabe-nos, ainda,
responder à pergunta que não quer calar: A quem interessa a condenação do
ex-presidente Lula? Todos sabemos da resposta, mas vale a pena repetir
para jamais esquecermos: Interessa, em primeiro lugar, ao PSDB e os partidos
coligados que apoiam o nome que este partido vai lançar nas eleições
presidenciais de 2018.
As pesquisas de intenção de voto apontam o
ex-presidente Lula vitorioso em todos os cenários possíveis, e isto constitui a
dor de cabeça do PSDB e da elite brasileira. Neste sentido, a notícia da
condenação do ex-presidente acalmou um pouco a dor de cabeça dos caciques do
PSDB, partido eternamente fiel aos interesses do mercado e do capital
financeiro internacional.
Assim, a condenação do ex-presidente veio
numa boa hora para o PSDB, mesmo sabendo que o senador Aécio Neves está
praticamente queimado na opinião pública, devido às provas que apareceram nos escândalos
de corrupção envolvendo a sua “ilibada” conduta! A sorte do senador tucano é
que goza do apadrinhamento por parte de juízes importantes da alta Corte de
justiça do País, pois, do contrário, já estaria preso.
Enquanto o juiz Moro condena o ex-presidente
Lula, baseando-se em rasura, reportagem de jornal, depoimento de criminoso
confesso e outras suposições, o STF devolveu o exercício do mandato do senador tucano
porque o considera “chefe de família, com carreira política elogiável”,
palavras do ministro Marco Aurélio Mello.
Há, por fim, uma outra questão reveladora: Por
que somente hoje, 12 de julho, o juiz Moro resolveu sentenciar o ex-presidente?
Nesta semana estão acontecendo dois grandes escândalos em Brasília, que tomaram
a cena política nacional: a aprovação da reforma trabalhista no Senado e a
discussão da denúncia contra Michel Temer na Comissão de Constituição e Justiça
da Câmara dos Deputados.
Para tirar o foco destes escândalos, o juiz
Moro resolveu fazer com que o povo brasileiro se voltasse para o ex-presidente
Lula, numa tentativa desesperada de acelerar a sua inelegibilidade. Enquanto isso,
Michel Temer usa o dinheiro público para, através de emendas aos parlamentares,
comprar votos para escapar da possível autorização para instauração de ação
penal no Supremo Tribunal Federal.
A condenação do ex-presidente Lula é uma
prova incontestável da politização do Judiciário brasileiro. Incansavelmente,
temos dito que a justiça brasileira tem se mostrado cada vez mais seletiva:
condena uns, absolve outros, de forma absurdamente arbitrária. Portanto, é
mentira que a justiça está passando o Brasil a limpo. Onde há seletividade não há
justiça, mas manutenção da corrupção porque os grandes corruptos, milionários,
continuam rindo da cara do povo.
Alguns destes criminosos milionários são
frequentadores assíduos dos gabinetes e residências de juízes e de outros
operadores importantes do Direito. Como a justiça pode passar o Brasil a limpo
se o réu almoça, janta e toma uísque com o juiz que vai julgar seu processo?...
Assiste-se a uma escandalosa banalização da ideia de justiça. A realidade tem
demonstrado que o Judiciário serve para aplacar a ira dos fracos e manter os
privilégios dos ricos.
Os pobres continuarão sendo vítimas dos
desvios do dinheiro público porque o Judiciário se mostra demasiadamente tendencioso
na aplicação da lei. Os criminosos de colarinho branco que ocupam o parlamento
brasileiro são tão descarados que até elogiam a operação Lava Jato, pois sabem
que ela não os alcançará, uma vez que são criminosos de direita, totalmente
atrelados ao mercado financeiro, que domina a política brasileira e afronta o
Judiciário.
Pelo que se vislumbra a curto prazo, esta
situação irá permanecer. Pensar que a justiça brasileira passou a punir a
elite, de forma imparcial, destemida e eficaz, seria uma ilusão. Sejamos realistas,
e a realidade nos diz, que do ponto de vista ético e moral, as instituições da
República brasileira chegaram ao fundo do poço. E o povo está tão cansado de
saber que “tudo não vai dar em nada!”, que prefere assistir calado. A descrença
é tão evidente quanto a cegueira e a apatia. Vivemos tempos sombrios.
Tiago de França
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