Aconteceu,
nesta quarta-feira, 02 de agosto de 2017, a absolvição de Michel Temer na
Câmara dos Deputados. Não é novidade para ninguém o fato de o denunciado ter se
utilizado do dinheiro público e do posto de presidente da República para
escapar da justiça. A maioria do povo brasileiro tratou a situação com
naturalidade: não houve protestos significativos nem se viu o povo do panelaço
batendo panelas nas janelas e sacadas de suas casas se apartamentos de luxo.
A
elite, como era de se esperar, ignorou totalmente a votação na Câmara. Trata-se
de prova incontestável de que não se protesta contra a corrupção no Brasil,
considerando que a elite é a grande responsável pelos assaltos aos cofres
públicos. Não são os pobres que roubam dinheiro público no Brasil, mas são eles
as vítimas, pois dependem das políticas públicas. Até onde se sabe, políticos e
empresários não são pessoas pobres. O Estado brasileiro está quebrando porque
há inúmeros ladrões que saqueiam os cofres públicos, diária e impunemente. Qualquer
cidadão que goze do bom senso sabe disso.
O
que ocorre é que a mídia neoliberal, que sempre esteve ao lado dos poderosos e a
seu serviço, bem como a serviço do mercado financeiro, impede o povo de
enxergar a realidade. Alguém já dizia que no Brasil não existe povo, mas
público. O povo se organiza, informa-se e reivindica direitos; o público é
aquele que assiste à situação, sentindo-se impotente. Atualmente, o Brasil não
possui grandes líderes, capazes de conduzir e construir um povo livre e
consciente do seu papel. Na ausência dos grandes líderes, a classe dominante
explora, sem dó nem piedade.
A
mídia domina a maioria das pessoas, com suas ideologias de dominação. Ocorre,
assim, o fenômeno da massificação social. Uma massa de gente que não é capaz de
pensar, analisar, criticar, e, portanto, se defender. Para onde a mídia aponta,
as pessoas olham. Poucos são os que ousam olhar na direção oposta. Neste sentido,
os telejornais, que constituem o meio utilizado pelos mais pobres para a
obtenção de informação, na verdade, mais deformam que informam. O jornal
recorta a notícia e a veicula de acordo com os interesses corporativistas. As pessoas
pensam que estão informadas, mas estão, de fato, enganadas.
Os
meios de comunicação, salvo raras exceções, não despertam o interesse das
pessoas pela informação precisa e fiel aos fatos. Utilizam-se da mentira para
manter situações criminosas. As pessoas nunca sabem o que realmente está
acontecendo. Tudo não passa de uma mentira bem contada. Por trás da mentira
está o ladrão, aquele que assalta o que pertence ao patrimônio público. Para não
ser descoberto, e se o for, para não ser punido, o ladrão usa de suas
influências e do fruto do que foi assaltado para comprar pessoas e
instituições, tendo em vista sua segurança pessoal e a consequente perpetuação
dos desvios e crimes. Portanto, as ideologias veiculadas pelos meios de
comunicação são instrumentos eficazes que visam anestesiar o poder de reação
das pessoas. Esta é a explicação para a compreensão da passividade da massa.
No
verdadeiro Estado democrático de Direito impera a democracia. Entende-se por
democracia a realidade de um País no qual o povo participa do exercício do
poder. E é assim porque, na teoria, o poder emana do povo, que o exerce por
meio de seus representantes. O regime democrático é marcado pelo respeito e
promoção da dignidade da pessoa humana e das liberdades individuais e
coletivas. Há, na Constituição da República, direitos e garantias fundamentais
a serem respeitados e promovidos, sendo dever do Estado assegurar a
implementação de tais direitos e garantias. Estas coisas fazem parte da teoria
política da democracia. Mas, o que ocorre na realidade? Temos assistido o
oposto.
Hoje,
o Brasil vive uma experiência de desgoverno. A maioria dos que compõem a classe
política, desde o vereador até o presidente da República, trata a política como
um meio de vida, um caminho fácil de enriquecimento ilícito. Quanto mais a
justiça investiga, mais aparecem desvios e crimes. Cada cargo assegura ao
político, tanto no executivo quanto no legislativo, inúmeros privilégios: altos
salários, verbas de gabinete, carros, moradia, auxílios de toda sorte etc. O
povo é obrigado a sustentar o luxo da classe política. E além de sustentá-la,
ainda é vítima dos desvios das verbas públicas. É uma situação deplorável.
Cresce
cada vez mais a desconfiança das pessoas em relação aos políticos porque
assistem aos desvios e não veem sequer a possibilidade de a corrupção acabar. O
poder judiciário, responsável pela investigação, processamento e condenação dos
criminosos, falha no exercício da sua competência: operadores do Direito,
principalmente juízes, são ora seletivos, ora omissos na instauração, condução
e finalização dos processos.
O
que se vê, de modo geral, é que somente os pobres são os que realmente cumprem
as penas, tendo que se submeter às péssimas condições do sistema carcerário
brasileiro. Geralmente, os ricos, quando julgados e condenados, cumprem suas
penas em condições melhores e não demoram muito na prisão. Sempre encontram um
jeito de passar pouco tempo. As brechas na lei, as amizades com figuras
importantes no judiciário e a atuação de excelentes advogados os ajudam a
escaparem da severidade e durabilidade das penas restritivas de liberdade. Com os
mais ricos, o tratamento é diferenciado. Psicologicamente, muitos juízes
respeitam e até temem aos mais ricos.
Um
dos motivos é que inúmeros juízes são filhos da elite. Seria contraditório um
filho da elite tratar outra pessoa da elite com severidade e no rigor da lei. Em
si, a lei é muito pesada para ser aplicada a uma pessoa rica. A mão de ferro do
Estado sempre esteve voltada para os mais pobres. Estes são tratados com
severidade e já se conformaram com isso. Já não reclamam tanto porque já se
convenceram de que este sistema não muda. O sistema de criminalização dos pobres
é eficiente e não mudará. É o que se vê no cotidiano da vida dos brasileiros. Os
presídios estão lotados de pobres, e o sistema ostensivo da polícia é implacável
no tratamento para com eles. Estes vivem sob o olhar da desconfiança. Os ricos
desviam, e os pobres pagam a conta. Isto não é novo no Brasil.
Comumente,
fala-se que a solução para estes problemas está na educação. É verdade que a
educação é uma ferramenta importantíssima para a emancipação das pessoas. Isto
é inquestionável. Mas em matéria política, nem todo tipo de educação serve. Nas
sociedades dominadas pelo capitalismo, vigora a educação que prioriza a ciência
e a técnica, excluindo a formação da consciência crítica. A conversa que se
ouve nos ambientes educacionais, tanto na educação básica quanto na superior, é
a seguinte: Deve-se investir nos estudos para que se possa ser alguém na vida. O
que é ser alguém na vida? Vejamos.
O
capitalismo ensina que ser alguém na vida é ser bem-sucedido, ou seja, estudar
para arrumar um emprego que assegure uma vida confortável. A isto o capitalismo
chama felicidade. Feliz é a pessoa que tem dinheiro, poder e prestígio. Esta tríade
garante a felicidade. E a formação da consciência crítica, onde fica? E a
preocupação pelo bem comum e pela ecologia? E a formação de cidadãos conscientes
do seu papel na sociedade? Onde encontrar uma educação que lance as pessoas no
mundo, com o objetivo de construí-lo, dignamente? Estas perguntas são evitadas.
De modo geral, o atual modelo de educação não está preocupado com isso.
Forma-se
o indivíduo para o mercado de trabalho, para ser uma peça na imensa engrenagem
do sistema. Para os capitalistas, a formação de sujeitos políticos conscientes
e autônomos é perda de tempo, é coisa de comunista. Todas as pessoas são educadas
para serem capitalistas: escravas do materialismo, consumismo e individualismo.
Vigora a lei do salve-se quem puder! Neste tipo de sociedade não há lugar para
os pobres, pois a educação que lhes é oferecida não os capacita a praticamente
nada. Uma boa parcela sequer conclui a educação básica, e quando conclui,
muitas vezes, não sabe ler nem escrever, mas somente reconhecer palavras sem
saber o seu significado político.
As
ideologias de dominação dizem o contrário do que afirmamos nesta breve
reflexão. Elas pregam ilusão e falam mentira. O objetivo é manter uma aparência
de normalidade, induzindo as pessoas a pensar que a situação vai ser resolvida.
Como o ser humano tende à ilusão, tudo se torna mais fácil. As pessoas sempre
esperam a solução de quem não tem interesse de resolver. No senso comum, reina
a mentalidade de que somente os poderosos podem resolver a situação. Ilusoriamente,
acredita-se que os poderosos irão resolver o problema das crises política,
econômica e moral.
Qual
seria, então, a solução para a atual situação política do Brasil? Considerando que
o Brasil não muda por causa da classe dos poderosos que o governa, a solução se
encontra na formação da consciência crítica dos mais pobres. Esta formação deve
acontecer nas bases da sociedade, com a criação de núcleos de educação
política. Assim, os próprios pobres devem se organizar, e não ficar esperando
que os ricos promovam esta organização. Os que exploram gostam de gente
desorganizada e desorientada, ignorante e sem perspectivas.
A
ignorância, que gera cegueira, e a desorganização das pessoas facilitam a ação
dos que se empenham em explorar os outros. O Brasil só terá povo quando os
brasileiros aprenderem a ser organizados e unidos. Não há ameaça pior aos
poderosos que um povo politicamente formado, unido e consciente dos seus
direitos. Já existem algumas experiências interessantes de formação popular nas
bases da sociedade, mas são poucas. Estas experiências precisam se multiplicar.
Seria
muito bom que os professores, principalmente os das universidades, se
interessassem por tais experiências, bem como outros profissionais que estejam
preocupados com a atual situação. Quem tem vocação para ser líder deve ajudar a
organizar, formar, orientar e encorajar as pessoas. A esperança dos pobres
vive, e ninguém se liberta sozinho. A liberdade é essencialmente política e
ocorre na reunião das pessoas, que arregaçam as mangas para construir um outro
mundo possível.
Tiago de França
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