“...
Ou estás com inveja, porque estou sendo bom?” (Mt
20, 15).
Esta pergunta faz parte da resposta que um patrão generoso deu
a um empregado insatisfeito, que reclamou do valor recebido por seu trabalho. Este
patrão aparece numa parábola contada por Jesus, que queria falar da justiça
divina para seus ouvintes. Conta a parábola que um patrão convidou pessoas que
estão sem nada fazer, para trabalhar. E convidou em vários momentos do dia.
Ao final,
quando do pagamento da diária, o patrão surpreendeu a todos: deu a todos o
mesmo valor, tanto aos que trabalharam o dia inteiro quanto aos que trabalharam
poucas horas do dia. E quando um dos que chegou primeiro na vinha foi reclamar,
recebeu, juntamente com o dinheiro, uma resposta firme: “Amigo, eu não fui injusto contigo. Não combinamos uma moeda de prata? Toma
o que é teu e volta para casa! Eu quero dar a este que foi contratado por
último o mesmo que dei a ti. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero
com aquilo que me pertence? Ou estás com inveja, porque estou sendo bom?’ Assim,
os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos”.
Hoje,
quem vive segundo a lógica do mercado capitalista ignora totalmente a atitude
deste patrão. Este não age como todos agem. É um patrão diferente. Trata-se de
alguém que visa, em primeiro lugar, atender à necessidade do outro, e não o
quanto este trabalhou ou deixou de trabalhar. A lógica do patrão é diferente
porque não passa pela via do merecimento, do cálculo humano da equivalência.
Todos
os que atenderam ao convite para trabalhar na vinha mereceram receber o mesmo
valor porque todos precisavam viver dignamente. Este tratamento igualitário
promove a verdadeira justiça. A justiça de Deus é diferente da dos homens
porque Deus visa, em primeiro lugar, a bondade e a generosidade. Ele é bom e
generoso.
Esta
parábola nos permite corrigirmos uma falsa imagem de Deus que até hoje vigora
no seio das comunidades cristãs e na mentalidade das pessoas: A imagem de um
deus justiceiro, que age como se fosse um patrão, exercendo poder sobre as
pessoas. Infelizmente, muitas pessoas pensam que Deus é um patrão, que dá a
cada um conforme o que cada um merece. Neste sentido, a graça divina não é
gratuita, pois ele somente a concebe a quem a merece.
Um exemplo
clássico que ocorre em muitas comunidades da Igreja Católica: Somente pode
receber a Eucaristia a pessoa que merece, que está no chamado “estado de graça”.
Assim, quem está no pecado não merece receber. Trata-se de verdadeira
deturpação do sentido da Eucaristia. Jesus não falou do Pão da Vida dessa
forma. Ele, Jesus, é o Pão dos Pecadores. Os que se julgam estar em “estado de
graça” não devem recebê-lo na Eucaristia.
Deus
não é patrão, mas Pai. São duas realidades distintas. O patrão manda, exige
resultado (produção), recompensa conforme os resultados obtidos, pune o
empregado desidioso e demite com ou sem justa causa aqueles que não se alinham
à política da empresa. No mundo mercadológico é assim que funciona. E quando o
patrão demite, não está preocupado se o empregado vai passar fome ou não.
A preocupação
do patrão é com a sua empresa. Esta precisa crescer, independentemente de quem
seja o empregado. Este é uma peça na engrenagem do sistema, e está no ofício
para produzir riqueza. Quem não produz riqueza é descartado pelo patrão porque
o lucro é a meta. No sistema capitalista, a situação é esta. Os patrões são obrigados
a se alinharem a esta lógica; do contrário, não sobrevivem.
Deus
não é assim. Deus contradiz a lógica que domina o mundo. Deus é Pai e Mãe, pura
bondade e generosidade. Uma mãe e um pai tem filhos, não empregados. Deus é bom
e chama para o centro da convivência harmoniosa todos aqueles que são relegados
ao esquecimento e à exclusão. Ele vai ao encontro daqueles que precisam trabalhar
na sua vinha. Deus inclui, não exclui. A lógica do exclusivismo, que gera
marginalização, não condiz com o projeto de Deus. A sua bondade alcança a
todos, não apenas algumas pessoas, grupos, ou alguma religião. O seu chamado à
vida e à liberdade é universal. O seu amor é para todos. Ninguém está excluído.
Se muitos
religiosos e muitas denominações religiosas pregam o contrário, afirmando que
Deus salva um número determinado de pessoas, bem como somente ama alguns,
legitimando, assim, que Ele faz acepção de pessoas: esta é uma mentira que
precisa ser combatida e erradicada. Esta imagem falsa de Deus não permanece de
pé quando confrontada com a verdadeira imagem de Deus revelada na pessoa de
Jesus. Em Jesus, Deus parte da periferia, resplandecendo a sua glória lá onde
reside os chamados “pecadores públicos”. O Deus e Pai de Jesus não é um Ser
supremo e abstrato, acessível às mentes inteligentes. Deus não é metafísica,
mas bondade encarnada no mundo.
Permanece,
assim, o desafio a todos os que se reconhecem como crentes e cristãos:
Testemunhar no meio do mundo a bondade e a generosidade de Deus. Como ocorre
este testemunho? É simples. Tudo ocorre a partir da simplicidade porque nesta
está a verdade. O crente, simplesmente, é alguém que ama a todos, sem fazer
distinção, e sem julgar quem quer que seja. Testemunhar a bondade é atender o
chamado divino a sermos bons como Ele é bom.
Assim,
todo aquele que afirma crer na bondade de Deus, mas despreza, julga, condena,
discrimina, se afasta, ridiculariza, desrespeita, humilha e maltrata o próximo,
não está na verdade, mas é mentiroso, e peca gravemente contra Deus. O mundo
atual carece de pessoas amorosas, boas e generosas, para que a covardia e a
indiferença desapareçam, e todos, sem exceção, possam viver em harmonia,
experimentando a justiça do Reino de Deus, porque esta é a Sua vontade. Quem opta
pela violência é inimigo de Deus, e quem opta pelo amor conhece a Deus e Deus
permanece nele (cf. 1Jo 4, 7).
Tiago
de França
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