“Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a
sua cruz e me siga” (Mt
16, 24).
Da parte de Jesus há sempre um convite: “Se alguém quer me seguir...” Trata-se
de um chamado sempre aberto e universal. Decidir-se por Jesus é uma atitude que
confere sentido à vida. Quem escolhe seguir Jesus, inicia uma experiência de
vida, que se expressa na adesão a um projeto de vida. Falar em projeto
significa que seguir Jesus vai muito além de simpatizar-se com ele. Jesus não quer
que meramente gostemos dele, que admiremos suas palavras, mas deseja que
sejamos seus discípulos e discípulas.
Os que decidem seguir Jesus assumem um
novo jeito de ser, deixando de ser meras cópias do mundo, sem fugas. Vivendo no
mundo, o discípulo assume o estilo de vida do Mestre: um estilo profundamente
marcado pelo amor-doação. Fora do projeto de Jesus encontramos o falso amor,
segundo o qual as pessoas se apoderam umas das outras, portanto, possuindo-se. As
pessoas falam do amor, mas não amam. Vivem no infinito e perigoso jogo de
satisfação dos interesses, e escondem este jogo se utilizando da linguagem do
amor. Há belos discursos de amor, manifestações coloridas de amor, mas, na
prática, somente há aparência de amor.
No seguimento de Jesus, aquele que
renuncia a si mesmo é que verdadeiramente ama. Sem renúncia não há amor. Hoje,
as pessoas não querem sequer escutar a palavra renúncia. Aprenderam que
renúncia é sinônimo de negação da vida. Praticam o hedonismo, ou seja, buscam o
prazer a todo custo, e pensam que assim são felizes. Ser feliz, segundo pensam,
é desfrutar de uma vida prazerosa. A regra é ter prazer, um prazer que nunca se
sacia. E o resultado é o número assustador de pessoas superficiais, vazias,
cansadas, ansiosas, usadas e abusadas, perturbadas, sem rumo, sem vida. As pessoas
buscam a satisfação de seus interesses, entregando-se ao egoísmo. Os que
conseguem satisfação pensam que são felizes. Na verdade, vivem na ilusão. Estão
perdidos na vida.
Jesus ensina um caminho que vai na
contramão de tudo isso. E justamente por isso, as pessoas não aceitam este
caminho. Trata-se de um caminho que conduz à doação de si, doação que conduz à
cruz. Não é um caminho de prosperidade. Enquanto as pessoas procuram o prazer,
o sucesso, o prestígio, o poder, a riqueza e a glória, Jesus exige a renúncia e
aponta para a cruz. As pessoas não querem carregar a cruz. Com a ajuda da
religião, elas distorcem a mensagem de Jesus, e criam outra mensagem e um outro
Jesus. O verdadeiro Jesus é demasiadamente exigente e pesado. As pessoas querem
um Jesus leve, que lhes assegure prazer, satisfação e vida tranquila. Desejam crer
num Jesus que não exija renúncia nem fale de cruz.
Renunciar é muito difícil. Por que tenho
que pensar no próximo, se devo procurar sempre cuidar, em primeiro lugar, de
mim mesmo? Por que devo responsabilizar-me pelo outro? O que tenho a ver com o
sofrimento do outro? Por que devo preocupar-me com o outro, se não o conheço? Por
que fazer minha parte na transformação do mundo, se não colaborei diretamente
para que chegássemos a tamanha calamidade? Por que devo fazer alguma coisa, se
a culpa é do governo?... Estas e tantas outras perguntas revelam a tendência
que as pessoas tem de tentarem justificar seu pecado de omissão. Não querem
renunciar à segurança, mas buscam-na, desesperadamente. Não renunciam à zona de
conforto para assumir riscos.
Renunciar gera desprazer e, portanto, é
desconfortável. Ocupar-se com o outro dá trabalho porque este outro é
diferente. As pessoas não são educadas para o diferente, para a tolerância,
para o cuidado. No mundo, aprendem a ser interesseiras, mesquinhas, maliciosas,
ambiciosas, covardes e omissas. Algumas até se escandalizam com a indiferença
que reina na sociedade, mas quando se deparam com as feridas abertas do
próximo, preferem passar para o outro lado do caminho. E para apaziguar suas consciências,
procuram ir ao culto, elevar a Deus hinos de louvor. Outras, doam algumas
moedas aos pobres mendicantes, e isto lhe confere uma paz momentânea. Doam moedas,
mas não renunciam à maldade que habita seus corações.
Jesus pede também que se tome a cruz. Carregar
a cruz não é tarefa fácil porque implica responsabilidade. Carregar a cruz não é
amar o sofrimento. Isso é masoquismo. Deus não provoca o sofrimento na vida de ninguém.
Deus não é mau. Há pessoas que pelo simples fato de terem nascido neste mundo
são vítimas do sofrimento, são atingidas por ele. Há outras que provocam o
sofrimento, fazendo opção por ele. Parece estranho, mas é verdade. Há muita
gente que procura sarna para se coçar e encontra! Hoje, milhões de pessoas em
todo o mundo são vítimas da exploração dos poderosos, que gera sofrimento. Com elas
está Jesus, carregando a cruz. Jesus não livra ninguém do sofrimento, mas
permanece sempre disposto a caminhar junto, ajudando, aliviando e salvando.
A religião cristã, com seus pastores e
suas estruturas, tem um papel importante a desempenhar: ir ao encontro dos que
sofrem, para ajudar-lhes a carregar a cruz. Um cristianismo que não assume o
papel daquele que ajudou Jesus a carregar a sua pesada cruz, é pedra de tropeço
no processo de humanização das pessoas. Neste sentido, é papel das Igrejas
cristãs ajudar o povo a carregar a cruz. Muita gente do povo sofre. Muitas
feridas estão abertas, precisando do óleo da misericórdia. Se os cristãos se
fecham nos seus templos, tapando os olhos e ouvidos ao clamor daqueles que
estão caídos nos caminhos e periferias do mundo, estes cristãos praticam
idolatria. Jesus está chamando, gritando e agonizando na carne sofrida das mulheres
e homens que são vítimas dos poderes que ceifam a vida.
Os cristãos fariseus e hipócritas fecham
os olhos e tapam os ouvidos para não ouvirem o clamor de Jesus, que sai da boca
dos sofredores. Preferem perder tempo com discussões doutrinais e rituais,
discutindo em suas reuniões sobre quem pode ou não participar dos momentos litúrgicos.
Vivem ocupados com abstrações e regras, para ver quem está de acordo ou não com
a lei. Estão preocupados com o número daqueles que frequentam o culto, bem como
com a quantidade de dinheiro que entra em forma de dízimos e ofertas. Enquanto brigam
para ver quem é conservador e progressista, Jesus permanece de mãos estendidas
no madeiro da cruz, implorando sempre a misericórdia do Pai, para que encontremos
o caminho que conduz à vida.
A palavra de Jesus permanece para
sempre, e não há doutrina humana que a mude. Sua palavra é clara e imutável: “Quem quiser me seguir, renuncie a si mesmo,
tome a sua cruz e me siga”. Sem renúncia e sem a cruz não se segue Jesus. Não
há meio termo. Não há interpretação que mude isso. Esta palavra é radical e
eterna. O seguimento é exigente, profundamente marcado pelo amor-doação,
expresso na renúncia e na cruz. Quem quiser participar do Reino de Deus Pai,
renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga Jesus. A genuína fé cristã não oferece
outro caminho senão este. Assim disse Jesus, e sua palavra é palavra de vida
eterna, e seu chamado permanece aberto. Quem quiser segui-lo, arrisque-se. É caminho
estreito, que conduz à vida sem fim.
Tiago de França
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