domingo, 30 de dezembro de 2018

O deus dos poderosos


Neste ano, especialmente durante o período eleitoral, assistimos a muitas invocações do nome de Deus. Muitos políticos usaram o nome de Deus e a religião cristã para se beneficiar. Eles sabiam que o brasileiro é, de modo geral, religiosamente conservador, e passaram a defender, verbalmente, os valores da tradição cristã.

Eles sabiam também que este mesmo brasileiro, de tipo conservador, geralmente não faz nenhuma ligação entre fé e vida. Ao mesmo tempo em que defende os valores tradicionais, com ênfase nos valores da família, este tipo de brasileiro viola as leis e os valores que verbalmente defende.

A defesa verbal dos valores tradicionais não é sinônimo de integridade moral. Muitos mentirosos defendem a verdade para esconder suas mentiras; muitos ladrões defendem o combate à corrupção para esconder seus furtos e roubos; muitos adúlteros e estupradores defendem a moral e os bons costumes para esconder adultérios e estupros; entre outros absurdos.

O mesmo ocorre com a invocação do nome de Deus: na maioria dos casos se trata de transgressão do segundo mandamento do Decálogo. Invoca-se o nome de Deus em vão para criar na cabeça das pessoas a imagem de uma religiosidade e piedade aparentes. Deus e religião são duas realidades diferentes. Por isso, é possível que uma pessoa seja religiosa e não creia em Deus. É o que assistimos nestas falsas invocações do nome de Deus.

Um crente fiel não invoca a Deus para enganar as pessoas. Transformar Deus em um instrumento de manipulação é um pecado gravíssimo. Isto não é cristianismo, mas falsa religiosidade. Deus é incompatível com o discurso de ódio e com a proliferação das fake news (notícias falsas) veiculadas nas eleições deste ano.

Quem se utiliza da mentira de forma sistemática para enganar as pessoas e, desse modo, alcançar o poder político, não crê em Deus. Este tipo de prática é incompatível com a fé cristã. Deus não é o responsável pela vitória do presidente eleito do Brasil. Deus não enviou o presidente eleito para governar o Brasil. Isso é falso messianismo e hipocrisia religiosa. Deus não tem parte com a mentira nem com a cultura da eliminação do outro, práticas defendidas nas eleições deste ano.

Deus é Amor e Liberdade. Quem semeia o ódio e a perseguição a pessoas e grupos sociais não tem parte com Deus. O autoritarismo e as promessas de cortes dos direitos fundamentais e garantias dos cidadãos são práticas que não podem ser toleradas nem praticadas por autênticos cristãos.

O cristianismo não nasceu com a pretensão de colaborar com o sistema de opressão dos povos. Quando isto ocorre, estamos diante de um gravíssimo desvio. A mensagem de Jesus está pautada na fraternidade, na solidariedade, na justiça, no amor, na cultura do encontro e da tolerância, na fé e no respeito à diversidade da cultura, das crenças e dos modos de ser. O cristianismo só é verdadeiro somente quando trilha o caminho do amor, da justiça e da liberdade, tal como concebido por Jesus.

Precisamos aprender com o que aconteceu em 2018. O saldo total deste ano jogou o País no precipício. Para não sermos totalmente engolidos pelos males que se avizinham, as pessoas precisam manter viva a esperança ativa, que é aquela que nos coloca no caminho da resistência. Para trilhar este caminho é necessário acreditar na construção de outro mundo possível, e arregaçar as mangas para lutar com ternura, inteligência, estratégia, união e perseverança. Estas são minhas considerações finais para este ano que aos poucos termina.
Tiago de França

sábado, 15 de dezembro de 2018

Para acolher Jesus que vem


“Que devemos fazer?” (Lc 3, 10)

            O profeta João Batista, enviado para preparar o povo para receber o Messias, fala-nos da necessidade da conversão. Em simples palavras, converter-se é mudar de vida: sair da escravidão do pecado para experimentar a liberdade dos filhos e filhas de Deus. É claro que somos pecadores, e Deus conhece a nossa condição de gente fraca e resistente à sua graça. Mas apesar de sermos pecadores, também fomos, em Cristo Jesus, elevados à dignidade de filhos adotivos do Pai. Aqui reside a nossa alegria e salvação.

            Aquele que é enviado por Deus conhece a vontade de Deus. Na caminhada da missão, Deus vai revelando o significado da missão de cada pessoa que é chamada. Assim aconteceu com João, o Batista. Este era um profeta de Deus. E todo profeta fala e age de acordo com a iluminação divina. Deus se serve dos profetas para agir na Igreja e no mundo. Sem os profetas, a Igreja não consegue realizar a sua missão no mundo. Deus vai suscitando profetas e profetisas no meio do seu povo, de acordo com a necessidade e as circunstâncias.

            Antes de Jesus iniciar, publicamente, a sua missão, era necessário que João, filho de Zacarias e Isabel, endireitasse as veredas para o Messias chegar. Segundo João, Jesus é aquele que batiza no Espírito Santo e no fogo (cf. Lc 3, 16). João era um profeta tão reconhecido entre o povo, que muita gente pensava que ele seria o Messias. Mas não se demorou em esclarecer: “Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias”. O Messias é Jesus, mais forte do que João.

            Todo profeta continua exercendo esta missão do profeta João: encaminhar o povo para Deus, apontando o caminho da conversão. As multidões perguntavam sobre o que deviam fazer para acolher o Messias, e a resposta do profeta aponta para o núcleo fundamental do caminho que conduz a Deus: o amor. Às multidões, recomendou que se partilhasse o pão e as roupas; aos cobradores de impostos, pediu que não explorassem o povo; aos soldados do império romano, exortou-os a não extorquir os pobres nem mentir nos testemunhos contra eles (cf. Lc 3, 11-13).

            Também hoje, a recomendação permanece a mesma: todos, sem exceção, são chamados a viver o amor, que é solidariedade concreta nas relações entre as pessoas e com a natureza. Em nome de Jesus, precisamos recomendar aos nossos governantes: respeitem os direitos adquiridos a duras penas pelos pobres! Parem de explorar os pobres com altos impostos, e cobrem mais dos ricos! Parem de mentir, com promessas enganosas e discurso anticorrupção vazio! Promovam o bem comum e trabalhem na defesa da terra, nossa mãe! Cessem a política de criminalização e matança dos pobres nas pequenas e grandes cidades! Criem políticas públicas que reduzam a desigualdade social! 

            Estas e outras recomendações devem estar na boca dos profetas. Mas onde estão os profetas? Assistimos a muitas injustiças e pouca profecia. Quem, hoje, está denunciando, em alto e bom som, o que está acontecendo no Brasil? Por acaso não é tempo de profecia? O Espírito Santo permanece conosco. Por que resistimos ao seu apelo? Ou será que tudo está conforme a vontade de Deus?

Por que os bons silenciam, enquanto os maus avançam com seus projetos de morte? Onde estão os discípulos missionários de Jesus? O nosso culto está em sintonia com o que está acontecendo hoje no Brasil e no mundo? O que estamos celebrando em nossas liturgias? Por que tantos que se dizem cristãos compactuam com os projetos de destruição e morte do povo de Deus?... Precisamos, individual e comunitariamente, pensar e meditar estas questões.

O Pai, que nos enviou o Filho, espera que caminhemos com ele. Jesus está presente no mundo. Ele não está sentado, confortavelmente, ao lado de Deus, assistindo, passivamente, as desgraças que acontecem no mundo. Com a celebração do Natal, iremos proclamar que ele é o Emanuel, o Deus que permanece conosco. A nossa fé, que se revela no amor que demonstramos no cotidiano, nos fala desta presença amorosa de Deus.

Para acolher Jesus que vem é necessário este amor que salva. Nada nesta vida salva: dinheiro, poder, prestígio, e tudo o que destas coisas decorrem. Nada disso salva. Nada disso edifica. Enquanto comunidades de crentes em Jesus, precisamos tomar uma atitude urgente: colocarmos o amor no centro de nossa vida, e revermos esse cristianismo que temos. Como pode prosperar diante de Deus um cristianismo sem amor? De que vale dizer que tem fé, mas sem amor a Deus e ao próximo?

A partir daquilo que fazemos, precisamos rever o nosso modo de ser. Nossos gestos revelam o amor de Deus? Amamos mesmo, ou fingimos que amamos? A gente é presença amorosa, ou estamos perdendo tempo em discussões religiosas e teológicas secundárias? Sem o amor, a gente pode até praticar perfeitamente a religião, mas estaremos longe de Deus. Urgentemente, precisamos mais de amor e menos religiosidade sem amor. As duas realidades podem e deveriam caminhar juntas: amor e religião, mas a situação na qual nos encontramos tem demonstrado que tais realidades caminham cada vez mais separadas.

            A prova disso é o que temos visto no Brasil e no mundo: muita indiferença, preconceito, racismo, inúmeros tipos de violência, marginalização social etc. A cultura do ódio cresce cada vez mais: ódio aos pobres; aos gays, travestis, lésbicas e transexuais; ódio aos índios e negros; ódio às pessoas que constituem o que Dom Helder Câmara chamava de “minorias abraâmicas”.

Milhões de brasileiros se declaram católicos e protestantes, mas a violência cresce cada vez mais. Onde está a crença de tantos milhões de pessoas? Como estão sendo evangelizadas? O que estão escutando da boca dos líderes religiosos? Nestes dias, os católicos celebram o Tempo do Advento, tempo de espera e de preparação para a celebração do mistério da encarnação de Jesus, o Filho de Deus. Como cada um está preparando e celebrando estes dias? Que o Espírito de Jesus nos converta, e nos ajude a sermos verdadeiramente amorosos. Fora do amor não existe fé em Jesus nem salvação.

Tiago de França

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos


           No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral da ONU, em Paris, adotou o texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Trata-se de um texto que traz um conjunto de princípios norteadores para a construção da solidariedade, da justiça e da paz no mundo. Considerando a atual situação do Brasil, temos alguma coisa para comemorar? Vivemos tempos sombrios.

            Apesar do trágico cenário no qual estamos inseridos, precisamos considerar que temos um número significativo de pessoas e instituições que, diuturnamente, lutam na defesa e promoção dos direitos humanos. São pessoas que vivem sendo constantemente ameaçadas. São instituições que carecem, muitas vezes, de apoio e reconhecimento. Mas mesmo assim, permanecem firmes e perseverantes na luta pelos direitos humanos.

            Um grande número de brasileiros, infelizmente, induzidos por um grupo de gente ignorante e maliciosamente interesseira, pensam que “direitos humanos só servem pra proteger bandido!” Esta afirmação é famosa, e nas eleições deste ano, o eleito presidente da República insistiu em dizer que comunga com este pensamento. Lastimavelmente, este eleito foi diplomado hoje. Na verdade, não foi diplomação, mas puro deboche.

            A ideologia “direitos humanos só servem pra proteger bandido!” revela a ignorância de grande parcela do povo. É uma ideologia que beneficia os ricos e poderosos do País. Estes são os que vivem à custa do suor e do sangue da maioria. Esta minoria rica não está preocupada com a situação dos pobres, negros, crianças, mulheres, indígenas, quilombolas, LGBTs, jovens, idosos e outras categorias de gente excluída. Esta multidão constitui as minorias do País.

            Quando afirmam que os “direitos humanos só servem pra proteger bandidos!”, na verdade, estão querendo esconder a triste realidade brasileira, que tende a se agravar nos próximos anos. Quem quiser ter uma ideia de como serão tratados os direitos humanos nos próximos anos, basta observar o currículo e o histórico dos ministros indicados pelo presidente eleito. Não é possível que estes indicados traiam as suas biografias. Certamente, vão agir conforme o currículo e o histórico que possuem. São figuras assustadoras.

            Qual é a nossa situação? Por mais que a mídia tente desviar o foco das atenções do público, a realidade está aí, nua e crua. Somos um País marcado pela matança de pessoas. Fere-se, facilmente, o direito à vida. Mais de 63 mil pessoas são assassinadas a cada ano. Somos o País que mais mata travesti no planeta terra. Milhares de mulheres são desrespeitadas, estupradas, espancadas e mortas. O machismo é uma das marcas da nossa “cultura”.

            A concentração de renda cresce cada vez mais, ao mesmo que tempo em que cresce, assustadoramente, o número de pobres e miseráveis. Estamos voltando ao mapa da fome. Nossos adolescentes e jovens terminam o ensino médio (quando terminam!), sem saber ler e escrever corretamente. A falta de educação de qualidade para todos faz crescer o número de analfabetos funcionais, bem como daqueles que não tem a mínima noção da realidade: brasileiros que não tem noção do que está acontecendo no Brasil.

            Os presídios estão lotados de pobres, negros, analfabetos e pobres. Somos o terceiro país do mundo com o maior número de presos, sendo que um terço deles estão aguardando julgamento, ainda. A grande maioria, quando consegue cumprir a totalidade da pena imposta, não consegue reconstruir a própria vida. A maioria retorna ao mundo do crime. Dia e noite, nossos policiais matam e morrem. E o que o governo manda fazer é: Matem mais! “Bandido bom é bandido morto!” Este “bandido bom” é o favelado, pobre, negro e jovem: os sem nada na vida!

Apesar do aumento da insegurança, continuam acreditando que matar é a solução. Para isso, reivindicam a liberação do porte de armas e a excludente de ilicitude para policiais, dando-lhes poder para matar, indiscriminadamente. A vida humana perdeu o seu valor. Quem mata é aplaudido e condecorado. Matam cinco suspeitos e aparecem cinquenta. Há um círculo vicioso de mortes dos pobres. Ninguém vê gente rica sendo morta nem punida na forma da lei, pelos crimes que pratica. O aparelho estatal é usado para mandar matar, para dar a impressão de que o Estado está cumprindo o seu papel.

O desmatamento da Amazônia cresce a cada dia. Os ricos compram terras e invadem outros. Os grandes invasores de terras no Brasil são os ricos, verdadeiros grileiros. Para isso, expulsam os povos originários de suas terras, e tomam as que pertencem à União. A regra é desmatar para produzir. Dizem que é para produzir riqueza para o país, para que o PIB (Produto Interno Bruto) cresça. Mas este PIB cresce para quem? Para os ricos. O PIB cresce, mas os pobres permanecem na miséria e a desigualdade social aumenta.

Na escola, a violência virou quase a regra. Há a ilusão de que se ensina e se aprende. E para completar a situação, querem impor a “Escola sem partido”. Esta significa: Escola com o partido do governo eleito. Trata-se da junção da doutrina neoliberal com o conservadorismo. Querem ensinar às crianças e jovens que o melhor para os EUA é o melhor para o Brasil, e que ser patriota significa ser gerenciado pelos EUA.

Acredita-se que os norteamericanos querem ajudar o Brasil a se transformar numa potência econômica. Além disso, desejam também trabalhar uma agenda conservadora, alicerçada nos valores tradicionais exclusivistas, cujo resultado será o controle da maioria sobre as minorias. A regra é transformar o Brasil em um país cristão, sendo o fundamentalismo a marca deste cristianismo. Os que desejam impor este conservadorismo extremado afirmam que os “direitos humanos é coisa de comunista!”

Estas e tantas outras situações revelam uma sistemática violação dos direitos humanos no Brasil. É um fato que muito nos envergonha perante o mundo. De uns tempos para cá, principalmente após o golpe parlamentar de 2016, o Brasil tem ganhado a fama de ser um país intolerante e marcado por inúmeras e graves violações. Assim como em muitas partes do mundo, cresce no Brasil a cultura da intolerância e desrespeito às liberdades individuais e coletivas. Os direitos fundamentais são tratados como se fossem privilégio de grupos isolados, o que, na verdade, são direitos de todos, que devem ser assegurados pelo Estado.

O que fazer diante desta situação triste e vergonhosa? Certamente, as pessoas precisam tomar conhecimento do verdadeiro significado dos direitos humanos. Precisam, definitivamente, aprender que estes direitos são universais, inalienáveis e imprescindíveis à promoção da dignidade da pessoa humana. É necessário que surjam líderes para reunir o povo, para despertar a consciência crítica e o interesse em agir coletivamente para que se crie uma cultura da resistência. Com criatividade, ousadia e coragem, partindo da realidade dos pobres, é possível criar outro mundo possível, alicerçado na justiça que constrói a paz.

É urgente que as pessoas se reúnam e se organizem nas Igrejas, nos partidos políticos, nas associações e sindicatos, utilizando das mídias sociais e outros meios, para a construção de uma ampla frente de resistência popular. Somente assim é possível preservar os direitos conquistados e conseguir que outros sejam implementados.

Governos autoritários e inclinados à corrupção somente podem ser vencidos na força da resistência organizada e consciente do seu papel. Sem organização que vise a promoção do bem comum, restará somente um povo que reclama, mas que não luta pela sua libertação. Hoje, como em outras épocas, buscando novas formas de organização e manifestação, resta-nos trilhar o caminho da liberdade. Sim, isto é possível. Não podemos nos curvar diante dos que nos oprimem. O ser humano é chamado a ser livre, e somente se realiza na liberdade.

Tiago de França

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

O anúncio do Evangelho de Jesus nas redes sociais


         As redes sociais constituem lugar apropriado para o anúncio do Evangelho de Jesus. Não é pequeno o número daqueles que utilizam Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, WhatsApp e tantas outras mídias sociais, no Brasil e em todo o mundo. São bilhões de pessoas conectadas, compartilhando notícias, fotografias, eventos etc.

Há pessoas de todos os tipos nas redes sociais, com intenções diversas. Por isso, também encontramos criminosos, camuflados em perfis falsos. Há aqueles que cometem crimes sem a necessidade de perfis falsos. Infelizmente, tais pessoas transformam as redes sociais em espaço de guerras virtuais, onde ocorrem à calúnia, difamação, injúria e tantos outros tipos de ofensas à honra das pessoas. A troca de acusações é uma constante, bem como a difusão das notícias falsas (fake news).

            Estes e outros abusos transformam as redes sociais em um lugar onde reina a superficialidade. No mundo virtual as pessoas tendem a ser superficiais, passando a exercer papeis que não seriam capazes de desempenhar no mundo real. Há uma multiplicação de comportamentos indignos de um ser verdadeiramente humano. Claro que não são todas as pessoas que se utilizam das redes sociais para assim proceder, mas, infelizmente, o número dos dissimulados não é insignificante.

            Por outro lado, também encontramos boas pessoas, que compartilham boas  e verdadeiras notícias. As redes sociais oferecem a feliz oportunidade do encontro e reencontro entre as pessoas, bem como a possibilidade de as pessoas conhecerem outras, para novas amizades. O mundo se transforma em uma “aldeia global”.

Por meio das redes sociais é possível o acesso e o conhecimento de novas realidades culturais, o compartilhamento de ideias, sonhos e visões de mundo. Para muita gente é, também, oportunidade de conhecimento humano e afetivo, que, em muitos casos, desemboca em relacionamentos duradouros.

            Segundo os indicadores atuais, os que mais utilizam as redes sociais são os adolescentes e jovens. Deve ser pequeno o número de jovens que não possuem algum tipo de rede social. Isto é uma faca de dois gumes: por um lado é bom, por outro é ruim. Dependendo da forma e da intenção com a qual se utiliza, as redes sociais podem ser perigosas, mas também podem ser benéficas. No parágrafo anterior apontamos alguns dos benefícios, mas há um grande risco que queremos salientar.

            Curiosamente, as redes sociais podem se transformar em uma gravíssima fuga da realidade. Esta se encontra no mundo real. A vida acontece no mundo real. As redes sociais podem refletir o mundo real, mas é neste mundo real que acontece a ação humana, capaz de transformá-lo para melhor ou para pior. Se as pessoas avançam para as águas profundas do mundo virtual, certamente podem morrer afogadas. A causa de morte de muita gente hoje é, justamente, o excesso de virtualidade. Muita gente não é mais encontrada no mundo real: vivem refugiadas e escondidas no mundo virtual.

            Esta é uma situação muito grave, que se deve evitar. Quando o barco da vida se perde nas águas profundas do oceano do mundo virtual, a vida já não é mais possível: a morte é certa. Muito facilmente, encontramos, nas ruas das cidades, as pessoas caminhando, mas ali somente são seus corpos. São como cadáveres ambulantes. Elas estão no mundo virtual, grudadas em seus smartphones (telefones celulares). Se estes lhes são tirados, são capazes de morrer! A vida de milhões de pessoas se transformou em um vício. Os jovens que não estudam nem trabalham (geração nem-nem) são as maiores vítimas. Não estudam nem trabalham, mas estão nas redes sociais.

            Aí está a cultura da superficialidade e do fingimento. É muito comum encontrarmos a expressão de muita felicidade nas fotos e selfs (fotos que a pessoa tira de si mesma) publicadas nas redes sociais: as pessoas estão sempre rindo, aparentando uma vida feliz. No mundo real, muitas delas não tem muita ligação com a aparência das selfs que tiram. A regra é fingir estar bem.

E quando as pessoas se apegam à imagem e ao perfil que criaram no mundo virtual, já não querem mais ser encontradas no mundo real: fogem do encontro e reencontro no mundo real. Consciente ou inconscientemente, muitas tem medo de serem descobertas no mundo real.

No mundo real as pessoas se revelam, mesmo que consigam enganar as outras por um certo período de tempo. Fica, então, a evidente conclusão: sem a sábia administração do mundo virtual, perde-se, facilmente, o contato e o compromisso com o mundo real. E quando isso ocorre, a vida não passa de uma frágil ilusão.

Dada esta sucinta descrição, pergunta-se: Como anunciar a Boa Notícia do Reino de Deus nas redes sociais? Cremos que a descrição deixou bem clara a necessidade do anúncio desta Boa Notícia. Como esta deve ser apresentada nas redes sociais? O que Jesus tem a dizer aos que se encontram no mundo virtual? Como deve o cristão proceder neste mundo tão complexo e dinâmico? Ou será que o cristão não deveria aderir às redes sociais? Vamos pensar possíveis respostas para estas indagações.

Hoje, exige-se que o anúncio do Evangelho aconteça em linguagem pós-moderna. A cultura dos povos evolui com o passar dos anos. A linguagem também acompanha esta evolução. É necessário falar de um modo que as pessoas compreendam. O Evangelho precisa ser anunciado na linguagem utilizada pelas pessoas hoje. Jesus foi fiel à linguagem do seu tempo. Ele falou de ovelhas, de Reino, de sementes, reis e súditos e outras categorias, porque estas palavras integravam não somente a linguagem, mas sobretudo também a realidade da época.

Vivemos na era digital, do conhecimento e da manipulação ideológica. O evangelizador precisa saber as palavras e os códigos linguísticos utilizados hoje para, assim, anunciar o Evangelho de forma apropriada; de forma que as pessoas compreendam a mensagem de Jesus. Isto significa atualizar o Evangelho para os nossos dias. Esta atualização não é sinônimo de mudança do sentido das palavras de Jesus. Em outros termos, não estamos defendendo que devamos mudar a mensagem de Jesus. Isto não deve ser feito. Mudar a mensagem é trair o próprio Jesus.

Atualizar é falar em linguagem pós-moderna o Evangelho de Jesus, preservando o essencial, que é o amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Nas redes sociais, somos chamados a anunciar o amor de Deus para as pessoas. Anúncio do amor de Deus é diferente do anúncio da doutrina das Igrejas. O que significa amar a Deus e ao próximo hoje? Eis a questão fundamental para o anúncio do Evangelho.

Evangelizar não é doutrinar. Evangelizar é anunciar o Reino de Deus, que é amor, justiça e paz para todos, numa perspectiva escatológica, ou seja, o amor, a justiça e a paz vão se realizando neste mundo, não de forma plena, mas de forma progressiva e parcial no tempo e no espaço, até a volta definitiva de Jesus.

Humanamente, somos incapazes de realizar plenamente o amor, a justiça e a paz. Não somos perfeitos. Mas em meio às limitações de nossa condição humana, vamos trilhando o caminho do amor, da justiça e da paz. As redes sociais constituem lugar de testemunhar estas realidades que integram a mensagem de Jesus.

Desse modo, o discípulo missionário de Jesus, nas redes sociais, anuncia o amor, a justiça e a paz. Não é um instigador da discórdia, nem alguém que compartilha a mentira. O discípulo missionário de Jesus é alguém que promove a unidade, respeitando a diversidade da cultura e dos modos de ser e de agir das pessoas. É um promotor da tolerância, do respeito e da cultura do encontro.

Ao mesmo tempo em que anuncia os valores fundamentais do Evangelho de Jesus: justiça, solidariedade, amor, atenção aos marginalizados, paz, compreensão, cultura do encontro, tolerância, acolhida, respeito etc., o discípulo missionário também se utiliza das redes sociais para denunciar as injustiças que afetam a sociedade. O compartilhamento de notícias verificáveis faz parte deste processo de denúncia, que deve ser constante, ousado e criativo.

Denunciar é mostrar a realidade como ela é, sem maquiagens. Neste sentido, cabe ao discípulo missionário, antes de compartilhar as notícias, verificar a fonte e pesquisar a sua veracidade. Denunciar não é caluniar, injuriar nem difamar. Estas três atitudes são crimes previstos em lei.

Denunciar é desmascarar a mentira, é apontar o pecado que destrói as pessoas. Não se trata de apontar o pecado de pessoas, de forma isolada; mas de apontar o pecado das estruturas e das forças de morte presentes no mundo. A denúncia das injustiças é a oportunidade que as pessoas tem de conhecerem seus opressores e planejarem ações para que tais injustiças cessem.

            Este exercício profético do anúncio e da denúncia cabe a todas as pessoas, especialmente aquelas que dizem ser cristãs. O seguidor de Jesus tem um seríssimo compromisso com a verdade, jamais com a mentira. Mentir continua sendo pecado, e se torna grave quando causa sérios prejuízos às pessoas, também no mundo virtual. Nas redes sociais encontramos muitos cristãos dando contratestemunho, inventando e compartilhando mentiras sobre os outros. Esta é uma situação que também precisa ser denunciada.

            O que Jesus espera de seus seguidores é que estes sejam sinceros, transparentes, autênticos e amorosos. Não é possível seguir a Jesus e ser um disseminador de mentiras, gerando confusão na cabeça das pessoas. Propagadores de mentiras são agentes de Satanás, pai da mentira e da confusão. A verdade é o que condiz com a realidade dos fatos, é o que realmente acontece. Todos, em sã consciência e com reta intenção, podem e precisam ter acesso à verdade, promovendo-a, custe o que custar. É a verdade que liberta, disse Jesus (cf. Jo 8, 32).

            Se as pessoas procuram viver conforme o amor, a justiça e a paz, as redes sociais deixam de ser uma rede geradora de tolos e hipócritas, e passa a ser uma rede de solidariedade humana, necessária ao verdadeiro crescimento das pessoas. Por fim, queremos deixar uma questão para a reflexão pessoal do leitor cristão que utiliza as redes sociais: A forma como utilizo as redes sociais constitui um testemunho de Cristo ressuscitado, ou um contratestemunho que envergonha e destrói a dignidade das pessoas?...

E para os que não professam a fé cristã, também vale a pena pensar: A forma como utilizo as redes sociais tem colaborado para a minha humanização e para a humanização das pessoas?... Esta humanização, em linguagem cristã, é o testemunho mencionado na questão dirigida aos que acreditam e seguem a Jesus. Boa reflexão!

Tiago de França

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Senhora Justiça, até quando?


No cotidiano da academia te conheci melhor, senhora Justiça
Mas já bem antes, lá no nordeste
Conheci a tua ausência, a tua omissão, o teu desnudamento
Pobre povo

Sempre desconfiaram te di, da tua parcialidade, da tua cumplicidade
Foste sempre afeita ao gabinete, aos jantares, aos uísques caros
Teus amigos são terríveis
Vergonhosos

Tens uma mania de te rejuvenesceres,
Te remodelares. Teu linguajar é tão lindo, tens um palavreado enganador
Tu passas a impressão de honradez, de sublimidade, cordialidade
Ilusão

Enquanto estás aí, bem sentada com venda nos olhos
Com esta aparência de cega e justa, os portões dos enjaulados
Dia e noite, se abrem e se fecham
Na despedida e na acolhida nos corpos dos injustiçados

Até quando, nobre senhora, serás também tu, vítima da manipulação?
Há séculos és cortejada pelos doutos e endinheirados
Estas criaturas ricas e bem vestidas, prepotentes
Que são a desgraça da nação

E quando chega os de botas pretas, gente que quer apitar o jogo da falsa democracia
Teus guardiões falam manso, bem pagos
Lá de cima do grandioso Tribunal, com as vaidosas togas
Diz o mestre-sala: É hora de se retrair!


Ah, senhora Justiça!
Quanto medo, quanta injustiça!
Quanto açoite, quanta ameaça!
Des-graça

Tiago de França

sábado, 1 de dezembro de 2018

Tempo de esperança


“Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem” (Lc 21,36).

            Chegamos ao Tempo de Advento, tempo de esperança e alegria, de vigilância e oração. Inicia-se, na Igreja Católica, um novo ano litúrgico. Nesta meditação breve, queremos falar sobre a importância do “ficai atentos” e da oração para bem vivermos este belíssimo tempo de esperança.

            Cremos que Jesus veio e armou a sua tenda entre nós. Cremos também que não veio a passeio, mas foi enviado pelo Pai para exercer uma importante missão: inaugurar o Reino de Deus entre nós. Este mesmo Jesus permanece entre nós, e acreditamos que se manifestará, definitivamente, no que se passou a chamar parusia (volta) do Senhor. Estamos convencidos de que não estamos sozinhos, mas caminhamos na presença do Pai, com o Filho e no Espírito Santo.

            A partir deste domingo até a celebração solene do Natal do Senhor, meditaremos sobre a necessidade da oração, da vigilância e do permanecer despertos para acolhermos o Cristo que vem. O texto evangélico de Lucas 21, 25-28.34-36, escolhido para ser proclamado na liturgia deste domingo, nos traz alguns elementos importantes, que nos ajudam não somente a compreender o Tempo do Advento, bem como nos ensina a nos mantermos unidos a Jesus, para não sermos surpreendidos quando da sua vinda gloriosa.

            O texto fala de sinais cósmicos e sísmicos quando descreve a manifestação estrondosa da natureza e de todo o universo, quando da volta definitiva de Jesus. Em seguida, diz Jesus: “Quando estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque vossa libertação está próxima”. Eis um elemento importante: o dia da volta de Jesus não será um dia de destruição e morte, mas de libertação.

            Levantar e erguer a cabeça são posturas que revelam prontidão. Não podemos nos deixar dominar pelo medo. Somos seguidores daquele que venceu o medo. Em meio às dificuldades e tribulações da vida, precisamos permanecer de pé e de cabeça erguida. Na comunhão com os outros, Jesus nos ensina a nos ajudarmos, mutuamente, para que ninguém permaneça caído e com a cabeça baixa. Trilhamos o caminho da liberdade. Por isso, somos livres em Cristo Jesus. Pessoas livres permanecem de pé e de cabeça erguida.

            Vivemos tempos difíceis, marcados por retrocessos e ameaças, violência de toda sorte. Mas não podemos esmorecer. Temos voz para gritar, olhos para enxergar, pernas para andar e braços para nos unir. Somos irmãos em Cristo e não podemos soltar as mãos uns dos outros. Se estamos no caminho de Jesus, sabemos bem que tudo é muito estreito e pedregoso. Se estamos em comunhão com Jesus, sabemos que também caminhamos com ele em meio às incompreensões e perseguições. Jesus viveu em tais circunstâncias. Estas não nos surpreendem.

            O texto evangélico também nos apresenta outra advertência de Jesus: “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida”. A falta de sensibilidade é uma das marcas do homem moderno. Insensível é a pessoa que vive a sua vida como se os outros não existissem. Isto conduz, natural e inevitavelmente, ao individualismo.  

Ser insensível é não se compadecer diante do sofrimento dos outros. “O que eu tenho a ver com isso?”, dizem os insensíveis. Se estamos em comunhão com Jesus, os outros são nossos irmãos. Desse modo, o sofrimento dos outros passa a ser o meu sofrimento. O que posso aprender com o sofrimento dos outros? O que posso fazer para aliviar este sofrimento? Assim como Jesus, precisamos caminhar pelo mundo fazendo o bem, aliviando o sofrimento das pessoas. Isto é viver em comunhão com Deus.

            De nada vale a nossa religiosidade e piedade, se somos insensíveis à dor dos outros. Quem se comporta com indiferença em relação ao sofrimento dos outros e se afirma cristão é, na verdade, mentiroso. Religião sem amor não serve para nada. Por isso, tomemos cuidado com a insensibilidade. Esta, no mundo atual, se naturalizou. Mas para quem segue Jesus, a insensibilidade é sinônimo de pecado grave. Isto não é doutrina criada por nenhuma Igreja, mas palavra de Jesus. E nada está acima da palavra de Jesus. Ninguém pode relativizar a força de sua palavra. A palavra de Jesus é fonte de vida eterna.

            Por fim, referindo-se à imprevisibilidade da sua volta, Jesus acrescenta: “Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes de pé diante do Filho do Homem”. Ninguém sabe o dia nem a hora da vinda de Jesus. Vez e outra aparecem pessoas falando que sabem, mas a ninguém Jesus revelou data e hora. Em outro trecho do Evangelho, ele até deu a entender que nem ele mesmo sabia, mas que isto estava reservado ao Pai que o enviou.

            O mais importante é amar, estar atento e orar. O amor é a regra da vida cristã. Nada o substitui nem o supera. Quem ama conhece a Deus e a Ele está unido. Quem ama está seguro, não precisa de mais nada. O amor é Deus presente em tudo e em todas as coisas. Fora do amor não há salvação. Disso temos certeza, pois é o que Jesus nos ensina em seu Evangelho. O amor nos liberta do medo, principalmente do medo de amar.

            Permanecer atento é viver acordado. Isso não quer dizer que não devemos dormir. Não é disso que estamos falando. Estar atento é viver em sintonia com Deus, compreendendo os sinais que Ele manifesta no mundo. É aprender a fazer a leitura dos sinais dos tempos e dos sinais de Deus. Cultivar a sensibilidade ajuda muito na atenção para os outros e para o que acontecer no mundo.

Permanecer atento é ser vigilante, com os olhos fixos em Jesus. Nada desvia um discípulo missionário atento. Um seguidor de Jesus não pode ser um tolo, dominado pela dispersão. Em comunhão com a Verdade de Deus, o cristão está sempre acordado. Jesus é a Verdade de Deus, que nos liberta da ilusão e do medo. Não há discipulado se o medo impera e domina.

            É preciso também orar a todo momento. Vejam que Jesus não fala de oração ocasional, mas de oração permanente. Precisamos nos libertar da preguiça e das falsas desculpas que nos impedem de orar. A oração é uma das formas de comunhão com Deus. Ele nos fala por meio da oração. Nesta, podemos escutá-lo e podemos também falar abertamente o que sentimos. Ele sabe de todas as coisas, mas é bom falar. Somos filhos de um Pai que nos ama. Por isso, precisamos aproveitar bem este privilégio maravilhoso que Jesus nos deu de chamar a Deus de Pai. Isto é maravilhoso! O nosso Pai é Deus. Que sublime mistério de amor!

            E o Espírito Santo vai nos conduzindo. Vai abrindo os nossos olhos, a nossa mente e nosso coração para a acolhida do Cristo que vem. Este mesmo Espírito vai mantendo viva a nossa esperança, e nos transformando interiormente naquilo que Deus quer. Nestes tempos sombrios de muita dor, sofrimento, perseguição e morte, o Espírito vai cultivando em nós a perseverança e ternura, a coragem e a abertura, o amor e a fé. Ele nos concedendo a graça de sermos fraternos.

E assim vamos profetizando, anunciando o amor de Deus e denunciando as injustiças e as ameaças dos opressores. Não somos filhos do medo, mas de Deus. Os inimigos do povo de Deus não passam de pó da terra, que possuem em si mesmos o germe da sua própria destruição. Deus permanece conosco, e deseja que sejamos fieis. Que Ele nos conceda a graça da fidelidade em meio às tribulações, assim como concedeu a tantos irmãos e irmãs que nos precederam no caminho de Jesus. Esta é a nossa esperança.

Tiago de França

domingo, 25 de novembro de 2018

A realeza de Jesus


        Se considerarmos os gestos e palavras de Jesus, não nos parece que ele tenha desejado ser visto como rei. Sobre si mesmo, Jesus fala que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, e todo aquele que é a verdade escuta a sua voz (cf. Jo 18, 37). Fica, então, muito claro, pelas suas palavras, que Deus Pai não o enviou para reinar neste mundo. O Evangelho, em suas quatro versões – Mateus, Marcos, Lucas e João – mostram que Jesus era destituído de poder humano. Era tão pobre que não tinha onde reclinar a cabeça (cf. Mt 8, 20).

        Por isso, é um equívoco grave dizer que Jesus é rei segundo o modelo dos reis deste mundo: detentor de poder, riqueza, prestígio e força. A imagem de Jesus rei poderoso é falsa, pois não a encontramos no Evangelho. Consequentemente, também é falsa a pregação de muitos líderes religiosos que cultivam esta imagem triunfalista de Jesus para se apresentarem como figuras sobrenaturais, detentoras de um poder sobrenatural, que os coloca acima dos outros. Estes mesmos líderes costumam se utilizar desta imagem falsa de Jesus para arrecadar dinheiro para suas contas, enriquecendo-se.

        O neopentecostalismo protestante e católico tem caído facilmente nesta tentação. Com muita facilidade pregam um Cristo glorioso, sem caminho e sem cruz. O Ressuscitado é o Crucificado. A cruz é consequência lógica e natural da missão. Não podemos acreditar em um Cristo que surge do nada, que tudo promete, que visa oferecer segurança material. Não é este Cristo que está no Evangelho. O verdadeiro Cristo presente no Evangelho diz: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e me siga” (Lc 9, 18 – 24).

        Para o espanto e a frustração de muitos, precisamos proclamar, em alto e bom som: Jesus nos pede que nos coloquemos em seu caminho e nele perseveremos. Para isto, junto do Pai, nos enviou o Espírito Santo. A graça santificante operando em cada um de nós, é a nossa alegria e segurança, é a força que nos liberta para a vida sem fim. Desse modo, o que Jesus quer é que sejamos como ele: testemunhas da verdade. Não de uma verdade subjetiva e, portanto, particular, mas da Verdade que é o próprio Cristo Jesus.

        Dar testemunho da verdade é sermos como Ele: mansos e humildes de coração, discípulos missionários do amor que a todos acolhe e regenera. Um amor infinito que se revela na amizade, na proximidade, na atenção e no perdão, no respeito e na reciprocidade, na compreensão e na acolhida dos que sofrem, na compaixão e na alegria. Quando damos testemunho do Cristo ressuscitado, então participamos da sua realeza, da sua divindade. Por meio do testemunho, somos luz do mundo e sal da terra.

        Sem o testemunho da verdade e da liberdade criamos uma religião de muito louvor e muita prece, de muito brilho, de belíssimas cerimônias, de muitas cores e vestes litúrgicas, mas vazia do amor de Deus. Para que serve esta religião? Neste sentido, precisamos aprender com o apóstolo Tiago, que diz: “a religião pura e sem mácula diante de Deus, nosso Pai, consiste nisto: visitar os órfãos e as viúvas em suas tribulações e guardar-se livre da corrupção do mundo” (Tg 1, 27). É o amor-doação que torna a religião útil aos olhos de Deus.

        Em comunhão com este Cristo Jesus, testemunha fiel do Pai, cada batizado precisa se colocar no mesmo itinerário de testemunho profético. Nossos dias, em todo o mundo, carecem de testemunhas fieis do Cristo ressuscitado. Entregando-nos ao amor-doação, seremos capazes de iluminar o mundo, porque onde reina o amor, as trevas já não mais tem força.

Nossas Igrejas precisam dar testemunho da verdade e da liberdade, pois é disso que o mundo precisa. Os empobrecidos e explorados deste mundo já não suportam mais tanta violência. A religião não pode ser mais um fardo nas costas deles, mas um instrumento de libertação, porque este é o desejo de Deus: a vida do seu povo. Nossas Igrejas precisam aprender que a realeza de Jesus se manifesta no grito e nas lutas dos pobres.

        Olhando nos olhos de cada um de nós, Jesus faz um apelo ao amor. Não tenhamos medo. Este não nos ajuda em nada. Por mais densa que seja a escuridão da noite, temos a certeza de que um novo dia virá. Esta é a nossa esperança: A Trindade é fiel e permanece conosco. A sua presença em nós nos liberta do medo e do desespero.

O nosso Deus é o Libertador, que caminha conosco, e nos ajuda, diuturnamente, a vencermos os demônios encarnados deste mundo. Estes são pessoas que exploram outras, desumanizando-as. Estes demônios só tem aparência de fortaleza, mas são fracos e não duram por muito tempo. Deus é sempre maior, nos ama e nos faz vencedores do mal. Esta é a nossa fé. Ninguém pode nos tirá-la. É a nossa segurança e paz. Sigamos firmes no amor, na fé e na esperança.

Tiago de França

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Os negros e a cultura da resistência

         
         Não é fácil ser negro no Brasil. Este dia 20 de novembro é marcado pela hipocrisia: a hipocrisia daqueles racistas que prestam homenagens aos negros. Nas redes sociais, as homenagens são muitas. Algumas, lindas de ver. Mas, na verdade, a realidade fala da situação vergonhosa do racismo e da exclusão dos negros.

        O passado do País revela que o negro sempre foi tratado como um ser inferior. Quando trazido da África para trabalhar como escravo, pouca gente contestou a situação. Foram séculos de silêncio e conivência. Até cristãos católicos, e depois os protestantes, consideravam a escravidão um fenômeno normal e necessário. Este passado sombrio não passou. Ainda temos muitos resquícios dele.

        O olhar desconfiado, que condena e julga, que despreza e transmite a sensação do nojo. Muitos negros enfrentam este olhar, diuturnamente. Ainda há quem pense que o lugar do negro é nos serviços pesados, nas profissões que envolvem sujeira e que são desprezadas pelos brancos. Durante séculos, o negro serviu para ser motorista, jardineiro, porteiro, engraxate etc. Estas e outras profissões eram consideradas inferiores e não serviam para os brancos. O negro era visto sempre como o empregado. O patrão sempre foi branco.

        A cultura racista foi ganhando espaço na sociedade, e algumas expressões se naturalizaram. Palavras e gestos de desprezo aos negros se naturalizaram. E o que se naturaliza também se torna normal, aceito por todos. Direta ou indiretamente, implícita ou explicitamente, mesmo sem perceber, o brasileiro se vê discriminando os negros. O que se torna enraizado é mais difícil de ser corrigido. A cultura racista foi implantada com tanta força, que alguns negros passaram a discriminar outras pessoas negras.

        O sistema carcerário brasileiro existe praticamente para encarcerar os negros: mais da metade dos que estão nas prisões são negros. As prisões estão lotadas de negros, pobres e analfabetos funcionais. São os desvalidos da sociedade. A polícia tem verdadeira tara por espancar e prender jovens negros. Esta abordagem racista das forças policiais passa para a sociedade a falsa impressão de que os negros são mais propensos ao crime. É um absurdo que o próprio Estado não procura corrigir.

        Recentemente, os brasileiros assistiram, durante a campanha eleitoral, a forma como o candidato da extrema-direita, o militar Jair Bolsonaro, tratou os negros, durante uma palestra para judeus, em São Paulo. O então deputado teve que enfrentar uma denúncia no Supremo Tribunal Federal (STF), pelo crime de racismo.

Referindo-se a uma comunidade quilombola que tinha visitado, o militar disse que os negros não faziam nada da vida, que não serviam sequer para procriar, e que o mais leve pesava “sete arrobas”. Arroba é medida utilizada para pesar gado. Mas os ministros de uma das turmas do STF não entenderam que se tratou de racismo, mas de mera expressão contemplada pelo direito à liberdade de expressão!

        Esta foi uma das ocasiões em que o então deputado deu declarações visivelmente racistas. Apesar disso, milhões de brasileiros, que certamente são, em grande parte, racistas, o elegeram Presidente da República. Nunca na história do Brasil tivemos um presidente eleito com um histórico de declarações racistas tão deplorável.

Como a justiça brasileira é muito falha para punir gente “importante”, então o deputado escapou impune. Certamente, seu governo será marcado pela total ausência de políticas públicas que contribuiriam para a construção da verdadeira democracia racial no Brasil.

        Dada esta situação, apesar da ameaça que o presidente eleito representa para a promoção da igualdade racial no Brasil, há inúmeros grupos e instituições que lutam por esta igualdade. Há uma cultura da resistência em curso. Nem tudo está perdido. O presidente eleito certamente ouvirá o grito dos negros que resistem. Este grito jamais será abafado.

O eleito não é superior à Constituição, que fala em seu artigo 5º, inciso XLII: “A prática do racismo constitui crime inafiançável, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.” Cabe à população negra e a todos os cidadãos esclarecidos, a denúncia firme daqueles que cometem tal prática, por se julgarem no direito de tratar os outros com indiferença e discriminação. Independente se o presidente eleito goste ou não, a igualdade racial é um direito que precisa ser promovido e respeitado. A lei tem que ser cumprida, e os negros devem ser respeitados.

Marielle Franco vive! Viva Zumbi dos Palmares!


Tiago de França