sábado, 27 de janeiro de 2018

A palavra libertadora de Jesus


“O que é isto? Um ensinamento novo dado com autoridade: Ele manda até nos espíritos maus, e eles obedecem!” (Mc 1, 27)

        Conta o evangelista Marcos que Jesus ensinava como quem tem autoridade, e não como os mestres da lei. Qual o segredo da autoridade de Jesus? Que tipo de autoridade tinha ele? Como os mestres da lei ensinavam? Inicialmente, é preciso reconhecer que Jesus era um homem livre, enquanto que os mestres da lei eram escravos da lei. Os mestres da lei se apegavam à lei, e viviam em função dela. Eles pensavam que a lei tinha poder para salvar. Jesus, com seus gestos e palavras, ensinou que não é a lei que salva, mas o amor.

        Além de serem escravos da lei, havia também uma grave falta de coerência entre a interpretação que se fazia da lei e a vida de quem a interpretava. Em outras palavras, os mestres da lei não eram coerentes com aquilo que ensinavam. Eram rigorosos na arte de ensinar, jogando pesados fardos nas costas dos outros, mas eles mesmos não se importavam em obedecer à lei. Jesus denunciou esta hipocrisia religiosa, e foi perseguido por causa disso. Até hoje é assim no seio da religião cristã: inúmeros líderes religiosos são rigorosos, conduzindo o povo no ensinamento da lei, mas levam uma vida escandalosa.

        O evangelista Marcos não apresenta Jesus com longos discursos, nem mostra Jesus trazendo um conjunto de novas doutrinas para renovar o conjunto das leis e costumes judaicos. A novidade de Jesus se encontra na mensagem do Reino de Deus, que é vida e liberdade para todos. Vivendo livremente, Jesus ensinou como se vive a verdadeira fé em Deus. Vivendo humilde e despojadamente, ensinou ao povo que o chamado divino à liberdade é universal e constitui o núcleo da fé no Deus vivo e verdadeiro. Escutando Jesus, o povo logo enxergou a sua liberdade, serenidade, leveza, coerência e verdade.

        Esse modo de ser e de viver de Jesus muito nos questiona. Ele denuncia a superficialidade e o vazio existencial de nossos dias. Denuncia a vida de aparência de milhões de cristãos, que ao invés de cultivar a fé em Deus, perdem tempo com futilidades e preocupações banais. Também denuncia a incoerência dos líderes religiosos, que, ao invés de conduzir o povo à verdadeira experiência de encontro com Deus, exploram as pessoas, iludindo-as com falsas promessas e falsos milagres.

A prática religiosa de nossas Igrejas precisa ser revista, para que Jesus ocupe o seu centro, o seu devido lugar. A hipocrisia religiosa continua reinando. Muitas aberrações são praticadas em nome de Jesus. Mas o Jesus que legitima essas aberrações não é o Cristo Jesus dos evangelhos.

        A palavra de Jesus nos liberta de nosso comodismo, da alienação e da falta de fé. Mais do que em outras épocas da história, precisamos hoje contemplar Jesus e meditar a sua palavra. Há em nós muitos espíritos maus: os espíritos da cegueira, da vaidade, do egoísmo, da indiferença, do orgulho, e de tudo aquilo que nos impede de sermos verdadeiramente autênticos e livres. A autenticidade de Jesus estava na sua coerência de vida. Nossa sociedade, famílias e instituições precisam de pessoas autênticas como Jesus. É urgente que os cristãos se libertem da vida aparente e, portanto, mentirosa. No caminho de Jesus, a mentira não tem lugar.

        O verdadeiro cristão não foge daquilo que realmente é. Cada um é chamado a conhecer a verdade de si mesmo. Sem a aceitação desta verdade não é possível ser feliz, não é possível ter fé, não é possível ser cristão. A prática da oração e do encontro alegre e generoso com os outros são caminhos de autoconhecimento e seguimento de Jesus. São oportunidades para a construção constante do genuíno ser cristão. Tornar-se íntimo de Jesus para que nele possamos encontrar a nossa verdadeira identidade. Ouvir e meditar a sua palavra, para ser como ele: eis o chamado que nos é feito, insistentemente.

Quem permanece com Jesus está em paz, experimenta a paz inquieta, aquela que faz conhecer e viver a justiça do Reino de Deus. Nada neste mundo é tão maravilhoso que permanecer com Jesus. Para viver com ele é preciso confiar e entregar-se, porque o seu amor por nós é infinito e forte. Ele nos quer bem. Não há beleza maior que viver do amor de Jesus. É algo extraordinário, que nenhuma teologia é capaz de descrever. Vale a pena experimentar. O Pai com o Filho e no Espírito, na intimidade amorosa, é o Deus que nos liberta dos espíritos maus e opressores. Experimentemos esta libertação. Ela é puro amor, é nossa salvação.
Tiago de França

sábado, 6 de janeiro de 2018

A manifestação de Deus no mundo

     
     Nestes dias, numa reunião de professores, falávamos sobre a espiritualidade ideal para o século XXI. Numa breve intervenção, falei da centralidade da pessoa de Jesus. Na ocasião, citei uma palavra do grande teólogo José Comblin (in memoriam), que escreveu em um de seus livros: “A fé vem de Deus e a religião vem dos homens”. Um outro livro seria necessário para discorrermos sobre esta belíssima verdade, e ainda assim não esgotaria a totalidade do sentido desta afirmação.

        Também nestes dias, escutei uma jovem falar da sua indignação e da sua falta de esperança no futuro do Brasil. Ela falava a partir do contexto da sua realidade: a realidade sofrida de uma pequena cidade do norte de Minas Gerais. A cidade é governada por um jovem prefeito, que não sabe fazer outra coisa senão desviar dinheiro público. A justiça local não liga para a situação. Estive pessoalmente nesta pequena cidade, e a situação é desoladora. Da boca dos pobres, escuta-se o lamento: “Aqui quem manda é quem tem dinheiro. Quem tem dinheiro manda até na justiça!”

        Como falar de Jesus em meio a este tipo de situação? Como alimentar a esperança dos pobres diante de um quadro tão deplorável e, portanto, desumanizador... Pelo que vi e ouvi das pessoas da referida cidade, o padre que dá assistência à comunidade não liga para a situação. “O que o padre faz é arrecadar dinheiro, pois ele diz que sem dinheiro o bispo não transforma em paróquia”, reclamaram as pessoas. Em muitos lugares, os padres da Igreja tem a grande oportunidade de serem profetas do Senhor, mas o medo e a acomodação não permitem. Em alguns casos, falta vocação para o sacerdócio. Este é um dos motivos que explica a procura desesperada por dinheiro.

        É justamente nestas situações que se manifesta o clamor de Jesus. O clamor dos pobres é o clamor de Jesus. Conta o evangelho que Jesus nasceu em Belém, terra de Judá (cf. Mt 2, 1-12). O lugar onde nasceu Jesus era como esta pequena cidade do norte de Minas: praticamente ninguém ouviu falar. Trata-se de um lugar sem grande importância política, lugar de pobreza e de sofrimento. Quando noutro relato um importante letrado soube da origem de Jesus, indagou: Pode alguma coisa boa sair de Nazaré da Galileia? Neste relato, Jesus teria nascido em Nazaré. Isso mostra que Jesus nasceu em um lugar de gente suspeita.

        Deus quis encarnar-se em Belém, e hoje está presente onde se encontram os bem-aventurados de seu Reino: os pobres, os humildes, os simples, os puros de coração, os perseguidos, os caluniados, os que tem sede de justiça, os misericordiosos, os injustiçados e todos os excluídos de nossa sociedade. Em Belém aconteceu o feliz encontro dos magos do Oriente com o Deus encarnado. Hoje, todos aqueles que desejam fazer a mesma experiência devem se dirigir aos lugares de encontro com os bem-aventurados de Deus. O mesmo evangelho diz que Deus permanece o mesmo, ontem, hoje e sempre. Assim, Ele permanece disponível no mesmo lugar, acolhendo e se alegrando com todos aqueles que se dispõem a encontrá-lo nas periferias deste mundo.

        Por fim, retomo o pensamento do teólogo belga, que fez a sua experiência de encontro com Jesus no interior do nordeste brasileiro: “A fé vem de Deus e a religião vem dos homens”. A fé é dom de Deus. Portanto, não vem dos homens. Religião é cultura, que nasceu para satisfazer uma necessidade humana. Os homens criaram a religião, e muitos precisam dela para se relacionar com Deus. Desse modo, a religião não pode ocupar o lugar de Deus, pois é Deus o absoluto, e não a religião. Esta pode até desaparecer, pois não é eterna. Pode também a religião se transformar, ser recriada e repensada, adaptar-se à evolução das culturas. O mesmo ocorre com as formas de manifestação da fé. Enquanto dom, a fé não muda. O que muda são as formas da sua manifestação no mundo.

        Hoje, muita gente confunde a fé com a religião. Na verdade, são realidades que não se confundem. Podemos ter pessoas de fé sem religião, bem como pessoas religiosas sem fé. A fé não depende necessariamente da religião para existir. É verdade que a religião surgiu para ajudar as pessoas no cultivo da sua fé. Mas é verdade também que, em muitos casos, a religião atrapalha a fé das pessoas. Isto costuma acontecer quando tais pessoas absolutizam a religião, como se esta assegurasse a salvação. Sabemos bem que Jesus é o caminho que conduz a Deus. Assim, não é a religião o caminho.

        Em tempos sombrios como os atuais, precisamos recuperar Jesus. É Jesus e não a religião o centro de nossa vida e fé. Não precisamos brigar por causa de religião. Este tipo de conflito é inútil e não leva a nada. Para não nos perdermos no caminho, precisamos fixar os olhos em Jesus. Não é possível seguir Jesus sem esta atitude fundamental. Ninguém se encontra com Jesus deixando-se dominar pela dispersão e desorientação. Fixar o olhar nele significa identificar o lugar do seu convívio e se dirigir na sua direção. Jesus nos chama e quer permanecer em nós.

Os cristãos, sem Jesus no centro, se perdem na caminhada da vida, e já não são mais cristãos. A fé sem Jesus no centro já não é mais fé cristã. Se quisermos sobreviver às atrocidades de nossos dias, precisamos recuperar Jesus, fixar os olhos nele, colocarmo-nos em seu caminho, perseverando até às últimas consequências. Isto é o que o Espírito de Jesus fala aos cristãos da hora presente: ou colocamos Jesus no centro, ou continuaremos assistindo ao desespero tomando conta das pessoas, numa gritaria sem fim, perdidas, sem rumo.

Ousemos optar por Jesus. Vale a pena. O seu amor é lindo de ver e de viver! Que neste ano que se inicia, o auxílio divino permaneça conosco. Caminhemos firmes na esperança, hoje e sempre.

Tiago de França