Quaresma:
Tempo de silêncio, oração, escuta da Palavra e conversão
“O
tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no
Evangelho!” (Mc 1, 15)
Ninguém se converte sem escutar a voz de Deus. Esta voz está
presente no testemunho das Sagradas Escrituras, no clamor dos que sofrem, e na
bela manifestação de toda a criação. A escuta leva à obediência na fé. O
Espírito sonda todas as coisas e torna a pessoa capaz desta obediência. Sem a
presença deste Espírito, ninguém escuta nem obedece a Deus. Portanto,
converter-se é, em primeiro lugar, escutar e obedecer. Daí tudo o mais
acontece, de acordo com a graça de Deus.
O que Deus tem nos falado hoje, nesta hora tão difícil da
história mundial e brasileira? O que o Espírito está falando às Igrejas? Como
tem sido a vivência de nossa fé, dentro de nossas Igrejas? Qual a nossa postura
diante dos ataques à dignidade das pessoas, especialmente das que são
excluídas? A partir de quais contextos Deus está falando ao nosso coração? Onde
estão nossas Igrejas quando os poderosos de nosso País perseguem, maltratam e
ceifam os direitos e a vida dos mais pobres? Como temos reagido quando diante
das injustiças praticadas perante nossos olhos?...
Silenciar o coração e a mente, e colocar-se diante de Deus em
oração, para meditar sobre estas questões são atitudes fundamentais no processo
pessoal e comunitário de conversão. O tempo passa e não podemos adiar a nossa
conversão. Precisamos, definitivamente, aceitar Jesus: Aceitá-lo com a boca,
com a mente, com o coração, com toda a nossa inteligência e forças. Quem,
verdadeiramente, aceita Jesus se torna uma pessoa nova, ressuscita para uma
vida nova. Somente Jesus é capaz de transformar a nossa vida. Sem ele, estamos
perdidos.
O mundo está profundamente doente porque a humanidade está
enferma. Há muito egoísmo, ambições, interesses em conflito permanente,
desamor. Há muito ódio, indiferença, competição, perseguição e dispersão. Há
uma multidão infinita de gente perturbada e desorientada, cega e aprisionada,
entregue à própria sorte. Simultaneamente, no meio de toda essa gente, há
inúmeras pessoas que vivem buscando, sedentas de sentido, desejosas de
liberdade e alegria. Há muita gente fugindo do vazio, abismo perigoso, que
mata, impiedosamente.
A pessoa convertida é aquela que se colocou no caminho de
Jesus e nele está perseverando. Não há outra forma de conhecer Jesus senão a
partir do seu caminho; caminho estreito e pedregoso. As pessoas que trilham
este caminho, pura aventura de amor, tornam-se amorosas. Quem é amoroso não tem
medo, pois entrou no reino da liberdade. Somente assim se conhece Jesus,
permanecendo com ele por toda a eternidade. Quem permanece com Jesus, vive
unido ao próximo, no amor e na liberdade. Converter-se é permanecer em Jesus na
comunhão com os outros.
Quem trilha a estrada da conversão vive em espírito de
vigilância e atenção. Ser vigilante significa estar atento a si mesmo, às
sombras interiores e à ação do Espírito sobre elas. Todo aquele que confia na
ação deste Espírito, torna-se vaso disponível em suas mãos suaves e
transformadoras. É o Espírito que conduz ao deserto, lugar das provações, da
escuta e da purificação. Trata-se de um processo lento, purificador,
santificador e, consequentemente, libertador. Não existe a possibilidade de
sermos verdadeiramente humanos sem nos submetermos ao deserto das provações,
que é o nosso próprio interior.
Para a construção de uma humanidade nova é necessário que
surja o homem novo, firme e decidido a entrar no reino da liberdade. Este homem
novo nasce da fé, da esperança e do amor; nasce da ação silenciosa e amorosa da
Trindade Santa, que vem e faz morada. Fora da Trindade não há renovação
espiritual possível. Desligado de Deus, o homem é um ser errante no meio do
mundo. Contando somente com a própria inteligência, negligenciando a dimensão
espiritual inerente à sua condição, o homem gira em torno de si, sendo a causa
da sua própria ruína. É o que assistimos no mundo atual. Dotado de inteligência
e contando com muita tecnologia e poder aquisitivo, o homem anda para trás,
mergulhado num movimento global de destruição de si mesmo e do mundo em que
vive.
Torna-se urgente recuperar o sentido da humanização das
pessoas. O mais importante é o homem sadio e feliz. Não há felicidade nem
progresso em meio a tanta patologia e morte. É mentirosa toda promessa de
realização e felicidade exclusivista. Ninguém é feliz excluindo os outros.
Tendo como alicerce o sofrimento do outro, o que chamam de felicidade não passa
de exploração, artifício de Satanás, pai da mentira e da confusão. A felicidade
da pessoa convertida consiste em saber-se amada por Deus. Basta o amor para ser
feliz. Tudo o mais é acessório e, muitas vezes, supérfluo.
Aproveitemos o Tempo da Quaresma para meditar estas coisas.
Não podemos aceitar que, ano após ano, continuemos estagnados em nosso processo
de conversão. Nosso mundo precisa, urgentemente, de autênticos seres humanos:
Pessoas que saibam conviver, no amor. A fé cristã nos ensina que é possível sermos
plenamente humanos, e a Trindade Santa está aí, querendo fazer morada em nós,
querendo nos humanizar. E uma vez plenamente humanos, seremos, definitivamente,
divinos. Esta é a vontade de Deus. É isto que Ele tem falado ao nosso coração.
Feliz itinerário
quaresmal, até a celebração da Páscoa do Senhor!
Fraternalmente, no
Espírito do Senhor,
Tiago
de França