sexta-feira, 27 de abril de 2018

Unir-se a Jesus


“Permanecei em mim e eu permanecerei em vós” (Jo 15, 4).

        No evangelho segundo João, Jesus aparece como a videira verdadeira, e afirma que seu Pai é o agricultor. Consciente desta verdade, todo cristão é chamado a viver unido a Jesus, pois quem assim procede frutifica, experimenta a verdadeira vida. Como acontece essa união com Jesus? Une-se a ele quem se abre aos irmãos e irmãs; quem, de fato, procura viver a fraternidade. Ser fraterno significa enxergar o outro como irmão em Cristo Jesus.

        Hoje, a fraternidade está cada vez mais distante de muitos ambientes. O egoísmo e o individualismo pregam o oposto: instiga-nos ao isolamento e à indiferença. Vivemos numa sociedade profundamente marcada pela selvageria. As pessoas se agridem, enxergando-se e tratando-se como inimigas. Como dizia o filósofo Thomas Hobbes, ao falar do estado de natureza, realidade anterior ao surgimento do Estado: há uma guerra de todos contra todos. Mas esta não é a vontade de Deus.

        Quem vive unido a Jesus é pacífico e promove a paz. Jesus desmascarou todos aqueles que, em nome de Deus e da religião, tratavam com total indiferença e violência os outros. Os fariseus eram assim. Eram hipócritas porque tinham o nome de Deus na boca, mas seus corações estavam longe de Deus. Também hoje assistimos a esta mesma hipocrisia: inúmeras pessoas que se dizem cristãs, mas que são, na verdade, lobos ferozes, devoradores da carne humana, falsos cristãos. Facilmente as reconhecemos, pois não vivem unidas a Jesus, mas são possuídas pelo espírito do mal, espírito que divide, destrói e mata.

        A pessoa que se une a Jesus permanece nele e ele permanece nela. Trata-se de uma comunhão plena de amor. Jesus permanece para sempre. Não é um forasteiro, que do nada aparece e depois vai embora. Ele vem para fazer morada. Vem para amar e ser amado, para ensinar o verdadeiro amor. No interior da pessoa, ele desperta o que há de melhor no ser humano: a capacidade que cada um tem para amar, infinita e gratuitamente. Toda pessoa habitada por Jesus, pelo Pai e o Espírito é amorosa, verdadeira, justa, livre, mansa e pacífica. A Trinidade é Comunidade de Amor, e quer despertar em nós o amor.

         Na mesma passagem em que Jesus aparece como a videira e Deus Pai como o agricultor, ele também nos fala que para permanecermos nele precisamos guardar as suas palavras. Estas precisam permanecer em nós. O que isso quer dizer? É tudo muito simples. As palavras de Jesus são palavras de vida eterna. Elas são verdade e liberdade, vida abundante para quem as acolhe. Trata-se do alimento espiritual de todo discípulo que permanece fiel. As palavras de Jesus iluminam, orientam, fortalecem, concedem força e direciona o discípulo na caminhada da vida.

        Acolher as palavras de Jesus implica um compromisso, uma exigência: viver conforme elas. Não é guardá-las como faziam os fariseus com a lei dada por Moisés. Os fariseus decoravam e ensinavam aos outros, mas eles mesmos não observavam. Com o verdadeiro cristão deve ser diferente: testemunhando a Ressurreição de Jesus por meio de uma vida marcada pela justiça e pelo amor, o cristão guarda e observa as palavras de Jesus. Em sintonia com a vida que surge das palavras do Mestre, o discípulo fala, sente, ama e enxerga como ele. Somente assim temos verdadeiros cristãos, pessoas livres e autênticas, amorosas e pacíficas, abertas e disponíveis, fieis e alegres, generosas e mansas, de coração misericordioso.

        O cristão é o ramo que é chamado a viver unido ao tronco da videira que é Jesus. Dele sai a força, a seiva que alimenta e dá vida. Sem Jesus nada podemos ser nem fazer. Ele deseja permanecer conosco, hoje e sempre. Nossa sociedade, profundamente doente, perturbada e desorientada, afetada pela cultura do ódio e da indiferença, precisa, com a máxima urgência, de pessoas pacíficas e justas. Nesta sociedade, os cristãos tem uma missão importantíssima a cumprir: enviados por Jesus, são chamados a ser sinais de vida e ressurreição. Jesus não envia para pregar o ódio em nome de Deus.

O Deus e Pai de Jesus é Amor, e nele não há ódio nem indiferença. Não podemos aceitar o discurso de ódio que sai da boca de falsos cristãos, bem como da boca dos intolerantes não religiosos. O cristianismo não pode se transformar numa mensagem de ódio, segregação, indiferença, condenação, preconceito e intolerância. O cristianismo não nasceu com este intuito. O que Jesus ensinou, com o testemunho da própria vida, foi uma mensagem de verdade e amor, de acolhimento sincero e pacífico.

O caminho de Deus é feito de verdade, justiça e amor. Quem não está na verdade, é injusto e não ama, não conhece a Deus e Deus não permanece nele. Pode até ser muito religioso ou religiosa, mas se não vive na verdade, se não pratica a justiça e não ama, é falso e, portanto, mentiroso. No caminho de Deus, itinerário de salvação, o cristão aprende a amar a todos, sem distinção. Aprende a acolher, a perdoar, a se conhecer, a se abrir aos outros, enfim, aprende a ser verdadeiramente humano. Precisamos redescobrir a humanidade de Jesus em nós, para sermos verdadeiramente divinos nele. Esta é a nossa vocação e missão.

Tiago de França

quarta-feira, 25 de abril de 2018

O Judiciário, a cultura do ódio e o punitivismo


        A condenação e prisão do ex-presidente Lula revelaram algo assustador na sociedade brasileira: um Judiciário que satisfaz à cultura do ódio que impera e assusta. É verdade que este sentimento de ódio e vingança não é algo generalizado, que brota do coração e da mente de todos os brasileiros. Se assim fosse, estaríamos perdidos.

        Quem faz uso do bom senso não é contrário à investigação, processo e punição dos verdadeiros culpados. O devido processo legal é uma exigência do estado democrático de direito. Não há justiça sem o devido processo legal. A Constituição da República, promulgada em 1988, assegura esta exigência fundamental, que a todos garante, pelo menos formalmente, isonomia de tratamento, no que se refere à aplicação das leis penal e processual penal, assunto central destas provocações.

        Em nome do combate à corrupção não é legítimo o cometimento de ilegalidades, pois toda ilegalidade, como o próprio nome indica, é uma afronta à Constituição. Quando há violação do devido processo legal, ou seja, quando as leis que regem o processo não são respeitadas, então temos, flagrantemente, a denominada pseudolegalidade. Longe de cairmos no puro legalismo, precisamos resgatar o verdadeiro sentimento de justiça, para que, de fato, a lei seja uma só para todos, e todos sejam iguais perante a lei.

        Neste sentido, não está dentro da legalidade nem comunga com o verdadeiro espírito do genuíno estado democrático de direito a persecução penal pautada na perseguição a quem quer que seja. Como isto se torna perceptível? Um dos princípios que rege o processo penal é o da ampla defesa. O réu tem direito a se defender, utilizando-se de todos os meios legalmente previstos no direito. E é assim porque até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ele é inocente. Enquanto houver possibilidade de recurso, cabe ao réu ter reconhecida a sua inocência. Esta é uma presunção constitucional, que não pode ser modificada para satisfazer o juízo de conveniência de quem quer que seja.

        Outro dado relevante em um processo são as funções de cada operador do direito: o juiz não é o acusador, mas o julgador. O réu não pode encontrar na pessoa de juiz alguém que o acusa e que, declaradamente, o afronta no processo, dominado por um desejo incontrolável de condenação a todo custo. Não se condena ninguém a todo custo. Condena-se na forma da lei. O juiz deve conformar a sua vontade à lei, pois a vontade pessoal, bem como as convicções não podem ocupar o lugar da lei. Submetido ao ordenamento jurídico, que confere a devida segurança a todos os atores do processo, cabe ao juiz conduzir, harmoniosa e respeitosamente, o processo.

        O promotor de justiça ou procurador não julga, mas acusa o réu. Tal acusação não deve ser fruto da fértil imaginação, mas pautada nos indícios mínimos de materialidade e autoria do crime. Se não há indícios que sejam suficientemente plausíveis para o oferecimento da denúncia, então a virtude da prudência e a lei recomendam que não se denuncie. Acusar não é atividade de entretenimento, não serve para chamar a atenção para si mesmo, mas para postular pela justiça, apresentando uma denúncia que contenha os requisitos legalmente previstos, tendo em vista a instrução processual, nos termos da lei. Se quem acusa não apresenta as provas cabais para o justo e necessário convencimento do juiz, então arquiva-se a denúncia porque manifestamente descabida.

        O que se assiste no Brasil? Em inúmeros lugares, e com maior evidência em inúmeros processos da denominada operação Lava Jato, assiste-se a verdadeiras anomalias. O que pode um advogado criminalista, por melhor que seja, fazer no trato com um órgão jurisdicional que não observa os contornos e limites da lei? A quem vai apelar? Como provar a inocência de uma pessoa diante dos sucessivos indeferimentos pedidos de produção de provas relevantes ao processo? Se a prova não pode ser produzida, o que resta? Restam as convicções de quem acusa e de quem julga.

        Inúmeros e renomados juristas, especialmente os que se debruçam sobre a sistemática do direito penal e processual penal, estão estarrecidos com a sede punitivista do Judiciário brasileiro. No punitivismo, quando necessário à satisfação da sede de condenar a todo custo, muda-se, assustadora e casuisticamente, o entendimento da lei (jurisprudência), e alguns ousam até a mudar o sentido da lei, sem alteração textual; ou seja, o texto diz não e o operador diz sim. E não vale o que diz a lei, mas vincula a subjetividade do julgador, o que ele acredita ser justo, mesmo que esta crença contrarie as provas e a lei.

        E assim a democracia brasileira vai passando vergonha perante o mundo. Como os malabarismos jurídicos são descaradamente cometidos aos olhos da população, quem entende um pouco de direito fica sem saber o que pensar e fazer. Seleciona-se certas figuras para levá-las ao cárcere. Este se tornou a regra, quando deveria ser a exceção.

A mídia, por sua vez, para ajudar no processo de legitimação do Judiciário perante à sociedade, convence o povo de que certas figuras precisam ser crucificadas, para o bem da nação. A culpa por toda a corrupção, do “descobrimento” do País até os dias atuais, é reduzida a uma pessoa, um grupo ou partido político. Insiste-se na falsa ideia de que o sacrifício de algumas pessoas representa o fim da corrupção. Quem se beneficia com isso? Os verdadeiros corruptos saem ganhando, pois não é alterado o sistema gerador das inúmeras formas de corrupção, bem como permanece intocáveis inúmeras figuras importantes, próximas a gente que veste toga e que possui forte influência no Judiciário.

        Contra os verdadeiros corruptos há inúmeras provas, pois seus crimes foram e são cometidos à luz do dia. Eles vivem passeando, se encontrando, carregando malas fartas de dinheiro, tendo conversas pouco republicanas na calada da noite, guardando milhões em apartamento, saqueando os cofres públicos com inteligência, ousadia e maestria. Eles residem e atuam próximos aos homens de toga, que fingem nada ver e nada entender. Eles sabem que a punição não os alcança, e neste ano, se articulam para permanecer no poder, porque são insaciáveis, são como urubus na carniça.

        A cultura do ódio e da eliminação do outro não pode ser a regra utilizada para o oferecimento de denúncias e condução da instrução processual. A lei não pode ser afastada. As instituições precisam funcionar em função da justiça, e não para a satisfação de interesses pouco ou nada republicanos. A República Federativa do Brasil está mergulhada no descrédito, em um caos. Experimenta um dos seus piores momentos, desde a redemocratização.

Precisamos de um Judiciário que nos convença de que a lei é uma só para todos, não a partir de discursos bonitos e complexos, mas a partir da observância do devido processo legal e da legalidade democrática. Não há estado democrático de direito se os direitos e garantias fundamentais não são respeitados e promovidos. Se o cidadão não tem a certeza de que é, presumivelmente, inocente, até que se prove o contrário, então vivemos em um estado de exceção.

E em um estado de exceção ninguém está em segurança, todos estão expostos à força bruta de um Estado que ceifa, impiedosamente, a liberdade e a vida dos seus cidadãos. Até quando assistiremos a tudo isso? Até quando assistiremos ao silêncio dos bons? A esperança é filha do tempo e porto seguro dos indefesos e injustiçados. Sigamos firmes, pois nem todo mundo é cego, nem todo mundo está contaminado pelo vírus da ignorância. Há muita gente acordada, que diuturnamente luta e crê num outro mundo possível.

Tiago de França