quinta-feira, 31 de maio de 2018

Eucaristia: Pão da vida para todos


     
     Quando Jesus partilhou o pão e o vinho, durante a última ceia com seus discípulos, não havia, de sua parte, a intenção de criar exclusivismo. Na missa, os católicos escutam o sacerdote rezar: “Tomai todos e comei... Tomai todos e bebei...” Na comunidade cristã, a Eucaristia deve ser de todos. Não deveria ser privilégio de poucos.

Em épocas passadas, os cristãos católicos entendiam a Eucaristia como banquete para pessoas santas. Este era o ensinamento que recebiam da Igreja. Quem estivesse no pecado não poderia comungar. Até hoje, muitos grupos ultraconservadores tratam a Eucaristia como prêmio para os justos. Mas quem é o justo? Quem é o santo? Quem é digno do corpo e sangue do Senhor?...

        Na mesa eucarística não há lugar para exclusão de pessoas. Para ser verdadeira ceia do Senhor deve existir lugar para todos, especialmente para os que mais pecam. Quem mais peca precisa do auxílio da graça divina. É na Eucaristia que o pecador encontra a graça por excelência, a graça da reconciliação e a verdadeira vida.  

Como o cristão pode crescer na fé e na virtude separado do corpo e sangue do Senhor? A quem Jesus deu poder para impedir o acesso à sua mesa? O banquete eucarístico é um baquete para pecadores. Quem for puro e imaculado não precisa comungar. Quem é o puro e o imaculado? Quem não é pecador?...

        Estas são observações evangélicas para a compreensão sacramental da Eucaristia. São indagações que honestamente não podemos esconder nem evitar. Jesus deseja fazer morada, com o Pai e o Espírito, no coração de todos. Não há fila para privilegiados. Com Jesus não há filas, mas lugar à mesa, que é circular, que a todos inclui, preferencialmente os aflitos e sofredores.  

Neste sentido, não adianta enfeitar ruas, praças, avenidas e vielas com belos tapetes para Jesus eucarístico passar, sendo que, no cotidiano da vida, se julga e condena as pessoas. Esta seria uma comunhão indigna do corpo e sangue de Jesus. Precisamos ter em mente que também se comunga Jesus nos outros.

        Aqui aparece outra belíssima dimensão que integra a doutrina católica sobre a Eucaristia. A participação no corpo e sangue de Jesus não é mero ritualismo, mas compromete quem se achega à mesa sagrada. Sentar-se com Jesus e os irmãos à mesa significa participar da sua vida. Comungar é entrar em comunhão plena e eterna com a Trindade. Quem recebe a Eucaristia passa a conviver com Jesus. Aliás, mais que isso: passa a ser com Jesus.

O Mestre da vida passa a integrar o ser da pessoa. Trata-se de uma relação integradora e libertadora. Carregar consigo o Cristo eucarístico requer abertura e disponibilidade para a missão. Comungar é tornar-se um com a Trindade, Comunidade de Amor. Esta missão possui raízes no testemunho religioso e político de Jesus.

        É neste sentido que não se pode aceitar que cristãos que vivem participando do banquete eucarístico tenham atitudes antievangélicas, de forma consciente e propositada. Trata-se de uma profunda contradição.

Como pode o cristão viver em comunhão com Jesus enganando, traindo, agredindo e matando as pessoas? Como posso dizer que estou unido a Jesus, sendo, ao mesmo tempo, favorável à cultura da eliminação dos outros? Como posso estar frequentando o banquete eucarístico se me aproveito da crise para tirar vantagem sobre as pessoas, aproveitando-me da sua inocência e ingenuidade?...

Estas realidades pecaminosas são inadmissíveis a um cristão. Ou optamos por Jesus e abandonamos as injustiças, ou optamos pelos deuses que este mundo cria e recria, e nos tornamos inimigos do Reino de Deus. Estas realidades são incompatíveis. A Eucaristia exige adesão clara ao projeto de Jesus, que é o Reino de Deus.

        Que a celebração do corpo e o sangue de Jesus nos ensine a sermos mais irmãos uns dos outros para que o Reino de Deus se torne realidade entre nós. Sem este desejo pela fraternidade, cada celebração eucarística não passará de mero ritual, que somente agrada aos olhos e ouvidos, mas que não alcança o coração.

Tiago de França

domingo, 20 de maio de 2018

O Espírito sopra onde quer


“Recebei o Espírito Santo” (Jo 20, 22).

        Após a celebração da ascensão do Senhor, hoje celebramos Pentecostes, festa solene da manifestação do Espírito Santo. Sobre este Espírito podemos dizer muitas coisas, mas jamais diremos a plenitude do seu significado para a história da caminhada do cristianismo no mundo. O Espírito continua sendo mistério de fé. Para conhecê-lo, precisamos de abertura e fé. Abertura para acolhê-lo, fé para aderir à sua ação misteriosa e salvadora.

        Quem vive sob a ação do Espírito sabe da sua força. Nada resiste à sua ação. Na história, Ele faz acontecer o projeto salvador de Jesus, tornando-o conhecido e experimentado. Não há como seguir Jesus sem a graça do Espírito. Sabendo disso, antes de sua ascensão, Jesus promete o envio do Espírito. E este não foi enviado pelo Pai e por Jesus para nos fazer uma rápida visita, mas veio para permanecer, para acompanhar a caminhada humana na história, rumo à sua realização final.

        Unido ao Pai e ao Filho, o Espírito permanece conosco. Manifesta-se como sopro, invisível aos nossos olhos, mas conhecido do nosso coração. Exige-nos acolhida e disponibilidade. Quem não deseja agir para transformar o mundo e construir o Reino de Deus, não pode invocá-lo. O Espírito conduz à ação. Ele é Deus agindo no mundo e revelando, progressivamente, o grandioso projeto de salvação universal. Não há como acolher o Espírito sem adesão a este projeto de vida plena para todos.

        O Espírito é livre e libertador. Livre porque ninguém o domina, nem determina a sua ação. Não são os homens que orientam a sua ação. Por isso, é ilusão pensar que os religiosos são donos do Espírito. Este não é propriedade de nenhuma religião, instituição ou liderança religiosa. O Pai e o Filho não enviaram o Espírito para criar religião, instituição e crenças religiosas. Estas coisas são criações humanas. Pode o Espírito se servir delas, certamente. Mas Ele está muito além, e nos concede a graça de sempre superá-las, no sentido de não nos deixar presos a elas.

        Certamente, o Espírito também não serve ao mero espiritualismo presente em nossas experiências religiosas. Buscando seus próprios interesses, muitas vezes econômicos, muitos deturpam o sentido da presença do Espírito nas comunidades cristãs, levando as pessoas a crer que o Espírito existe para realizar milagres. Esta visão reducionista e deturpada do Espírito causa confusão e ilusão. Nas situações confusas e ilusórias não encontramos a ação do Espírito, porque este ilumina e concede o dom do discernimento. Na confusão de muitos cultos, nos quais ocorrem verdadeiros shows de milagres, não está o Espírito.

        Na contemplação e na ação transformadora do mundo está o Espírito. Ele orienta, ilumina, guia, inspira, encoraja, tranquiliza, anima, auxilia e santifica o discípulo missionário de Jesus. Todo aquele que se coloca no caminho de Jesus encontra no Espírito a força necessária para se manter firme e fiel até o fim. É o Espírito que concede e mantém nos crentes o dom da fé. Por meio da contemplação e da ação, o discípulo missionário vai se deixando conduzir, e vai conhecendo cada vez mais o Espírito. Este, com o Pai e o Filho, nunca se revela de uma vez. A sua revelação vai acontecendo na medida em que vai sendo acolhido no coração daquele que crê.

        Na intimidade de cada discípulo missionário de Jesus, o Espírito vai se revelando e se manifestando. Esta manifestação é muito suave, silenciosa e discreta. Toda espetacularização contradiz a ação do Espírito. Não há estrelismo. É tudo mistério. Neste campo, a linguagem humana é incapaz de descrever. O Espírito é sempre imprevisível. De repente, ele sonda e envia o discípulo missionário para onde Ele quer. Tudo ocorre em função da missão. Nada acontece em função da vaidade pessoal do discípulo missionário. Este, deixando-se conduzir pelo Espírito, não se transforma em alguém que passa a deter poderes sobrenaturais. Isso é ilusão. O Espírito se manifesta a partir de nossas fraquezas. Ele se serve até de nossos pecados para manifestar a sua graça.

        Há alguns sinais que acompanham, ora de forma visível, ora de forma bem discreta, aqueles que estão sendo conduzidos pelo Espírito. Este torna a pessoa mais sensível à dor dos outros, fazendo despertar o amor e a compaixão. Guiado pelo Espírito, o cristão é alguém que se entrega ao amor-doação. No amor tudo pode acontecer. O amor se manifesta de várias formas. O Espírito o torna fecundo e libertador. O Espírito também concede alguns dons aos que a Ele se entregam. Estes dons são concedidos de acordo com as pessoas e seus contextos. O Espírito está atento às necessidades do povo de Deus, e vai fazendo surgir no meio deste povo mulheres e homens capazes de assumir determinados serviços. Estes serviços estão sempre em função do Reino de Deus.

        Por fim, é preciso afirmar que dentro e fora de nossas Igrejas o Espírito está agindo. Ele é força permanente. Ele sonda todas as realidades. Nada lhe é estranho nem desconhecido. Dentre os dons que Ele nos concede, está o dom da visão da realidade. Este dom é maravilhoso. Por meio dele, a pessoa permanece acordada, livre das ilusões e da confusão deste mundo. Este dom também faz brotar na pessoa um outro dom importantíssimo: o da sensibilidade. Como ser sensível à realidade se não a vejo? Mas o dom da visão não confere somente a graça de permanecermos acordados na vida, mas nos oferece também a divina oportunidade da visão de Deus. O Espírito nos faz enxergar Deus em todas as coisas. Nada neste mundo é tão belo e infinitamente maravilhoso quanto a visão de Deus!

        Que este Espírito nos mantenha fieis a Jesus, hoje e sempre.

Tiago de França

sábado, 5 de maio de 2018

Ser no amor


Aprende-se a amar, amando
Ama-se, apesar de tudo
Esta é a regra
A lei

O amor tudo ultrapassa
No amor, transcende-se
Esta é a vida
O dom

Indiferença, desamor
Individualismo, cultura do ódio
Esta é a morte
O fim

Mas o fim, a destruição
Total do ser, não há
Esta é a palavra final
O amor

Cristãos, sal e luz
Da terra, banhada de sangue
Que jorra dos corpos das vítimas
A dor

Acima da lei, acima dos moralismos
Que discriminam, que matam
Acima dos estranhamentos e da hipocrisia está
O amor

O amor: a lei total do ser
Palavra final, dom que se recria
A regra da vida, o sal, a luz, a razão e o sentido
Tudo em todos, para todos

Amém.

Tiago de França