“Ide
por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc
16, 15).
Neste domingo, 21 de outubro, a Igreja Católica celebra o Dia
Mundial das Missões. No Brasil, estamos caminhando para o segundo turno das
eleições gerais. Em alguns estados teremos eleição para governador; no país
inteiro, milhões de brasileiros irão escolher o futuro presidente da República.
Precisamos pensar o tema da missão a partir desta realidade, pois não há missão
desvinculada da realidade. Não se fala de questões espirituais,
desvinculando-se da dimensão material e humana. A missão ocorre no mundo, e não
fora dele.
Queremos, brevemente, relacionar o tema da missão, fazendo
referência à forma como muitos cristãos estão se comportando durante estes dias
que antecedem as eleições. Causa-nos espanto e vergonha a forma como muitos “crentes”
em Jesus andam se comportando, principalmente nas redes sociais. Diante de
comportamentos escandalosos, nos debruçamos sobre possíveis conclusões para a
seguinte indagação: Qual, afinal de contas, é a missão do cristão no mundo? Os cristãos
se reconhecem, de fato, como discípulos missionários de Jesus? Pensemos estas
questões.
Cremos que precisamos redescobrir a missão do cristão, e esta
redescoberta passa, necessariamente, por uma volta ao Evangelho de Jesus. Não há
cristão sem Cristo. Não há missão sem comunhão com Cristo. É o Cristo Jesus o
centro da missão. É ele o modelo de missionário por excelência. Portanto, a
missão é um tema fundamental para compreendermos o papel do cristão na
sociedade e nas Igrejas. Qual o sentido da missão? Como ser missionário de
Jesus hoje? São questões que nos levam ao coração do Evangelho de Jesus. Precisamos
enfrentá-las para nos libertarmos da repetição vergonhosa dos escândalos.
Voltar ao Evangelho é buscar compreendê-lo. Mas o que
significa compreender o Evangelho? Um renomado teólogo da Igreja assim se
pronunciou em uma de suas obras: “Compreender
o Evangelho é vivê-lo de novo, reinventá-lo a cada situação que surge, recebê-lo
como resposta a uma interrogação da vida no presente” (José Comblin, in Evangelizar, editora Paulus, 2010, p.
7). Viver o Evangelho é um desafio possível, que exige renúncia e despojamento.
Renúncia a tudo aquilo que é contrário ao amor, à justiça, à liberdade e à
comunhão com Deus.
Pode um cristão viver o Evangelho sendo favorável à tortura e
à pena de morte? Pode um cristão viver o Evangelho desejando a morte de seu
semelhante? Pode um cristão viver o Evangelho sem o amor a Deus e ao próximo
como a si mesmo? De jeito nenhum. Para viver o Evangelho é preciso abrir o
coração para Deus, desarmar-se, colocar-se no caminho de Jesus. Sem adesão a
Jesus é impossível viver a sua mensagem. Evangelho é Boa Notícia. Então, como
podemos viver o Evangelho, se a nossa vida é motivo de escândalo e confusão? Precisamos
pensar seriamente estas questões, se não quisermos viver de aparência.
Reinventar o Evangelho a cada situação que surge não é mudar-lhe
o sentido original. E qual é o sentido original da Boa Notícia de Jesus? O
amor. Em toda situação é preciso viver o amor. Ser amoroso é a condição
fundamental que aponta para a autenticidade da vida cristã. Um cristão que não é
amoroso é um mentiroso, é uma lástima. Neste sentido, pode o cristão dizer que
tem fé em Jesus e, ao mesmo tempo, odiar o próximo e, assim, reforçar a cultura
do ódio e da eliminação dos outros? Claro que não.
A vida nos questiona e nos coloca diante de desafios aparentemente
intransponíveis. Mas o cristão sabe que a resposta para o sentido da sua vida
está no Evangelho de Jesus. É neste Evangelho que encontramos a luz que nos
ilumina em meio às trevas do mundo. Iluminados pelo Evangelho, os cristãos
trilham o caminho da justiça e da paz, tornando-se construtores de uma
humanidade nova. Desse modo, perguntamos: a conduta violenta de muitos cristãos
é sinal de construção de uma humanidade renovada? Pode a violência ser
considerada uma ferramenta que constrói a justiça e a paz? A violência constrói
alguma coisa, ou somente conduz à destruição e à morte?
Nunca é tarde para tomarmos a decisão que confere um novo
sentido à vida: Estamos dispostos a aceitar o Evangelho de Jesus como
orientação fundamental da nossa vida? Ou vamos continuar aparentando que somos
cristãos? Quem escolhe e acolhe Jesus renuncia à violência que escandaliza e
mata. Não é possível crer em Jesus e, ao mesmo tempo, cultivar o ódio e a
cultura da morte. O Evangelho de Jesus exige decisão, atitude de vida, coragem
para caminhar com ele. Ou estamos com Jesus e promovemos a justiça e a paz, ou
nos colocamos contra Jesus e nos colocamos a serviço do reino das trevas.
A missão do cristão no mundo é viver o Evangelho. É assim que
este Evangelho é anunciado: com o testemunho fecundo da vida cristã. Não adianta
abrir a boca e levantar os braços para invocar o nome de Jesus, e na vida
cotidiana praticar o oposto do que ensina este mesmo Jesus. O mundo não precisa
de falsos cristãos que praticam um falso cristianismo. O testemunho de um
cristão deve ser sinal de justiça e paz. A vida de quem segue Jesus deve ser
sinal de unidade, comunhão, compromisso com a bondade e a liberdade, preenchida
do amor que abraça a todos, sem distinção de pessoas.
Nestes dias, temos observado um gravíssimo testemunho por
parte de muitos cristãos nas redes sociais. Pessoas que frequentam as Igrejas,
participam do culto, invocando o nome de Deus, mas que nas redes sociais
manifestam preferências políticas que são claramente contrárias ao Evangelho de
Jesus. Além da manifestação equivocada de um projeto de poder que fere a
dignidade de milhões de pessoas, tais pessoas que se dizem cristãs ainda se
ocupam com calúnia, difamação e injúria contra o próximo. Tais condutas
desagradam a Deus, porque não foi isso que Jesus ensinou e pediu aos seus
seguidores.
Neste sentido, muitos cristãos e líderes religiosos precisam
repensar a fé que tem em Jesus. As Igrejas cristãs precisam também repensar o
seu trabalho de evangelização. À luz do Evangelho, sabemos que existe a fé e a
aparência de fé. O que temos visto e ouvido é muita aparência de fé. Há muita
falsidade e dissimulação. A estes, que insistem neste estilo vergonhoso de
contratestemunho, diz Jesus: “Nem todo
aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele
que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7, 21).
Praticar
a vontade do Pai é viver o Evangelho de Jesus. Não faz a vontade de Deus quem
faz opção por um projeto político de poder capaz de gerar a ruína de um país
inteiro. Quem faz opção por este tipo de projeto terá que responder, diante de
Deus, pelo sofrimento e pelo sangue das vítimas da implementação de tal
projeto, caso ele prevaleça graças à cegueira dos que não pensam nos outros,
mas somente em si mesmo. Precisamos repensar o sentido de nossa missão no
mundo, considerando o Evangelho de Jesus como nosso parâmetro fundamental. Que Deus
nos ajude neste propósito.
Tiago
de França
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