quarta-feira, 26 de janeiro de 2022
A polêmica em torno da relação entre homossexuais e Igreja Católica
quinta-feira, 24 de junho de 2021
João Batista: profeta do Altíssimo
“Ele reconduzirá muitos do povo de Israel
ao Senhor seu Deus” (Lc 1,16).
Muito conhecida e querida a figura
do profeta João Batista na caminhada dos cristãos. Desde o séc. IV se tem
notícia de culto a este profeta corajoso, que preparou a chegada do Messias,
Jesus de Nazaré. Pregando um batismo de conversão, apontou para o Cordeiro de
Deus, que tira o pecado do mundo. Denunciando o pecado e o mal alojados no
coração humano, ensinou o caminho da conversão.
“A
mão do Senhor estava com ele”, informa-nos o terceiro evangelista (Lc
1,66). Na Bíblia, a mão do Senhor permanece com as mulheres e homens justos,
que receberam de Deus uma missão específica, em um determinado tempo e lugar. Todos
tinham consciência de sua missão, e sabiam que contavam com a mão do Senhor, que acompanha e apoia
todos os que são chamados a participar do plano de Deus. A mão do Senhor é a segurança daqueles que aceitam a missão confiada
por Deus.
Dentro do projeto de Deus, a atividade
profética é essencial. Os profetas bíblicos cumpriram fielmente a missão
recebida, apesar de suas fragilidades e das diversas circunstâncias nas quais
viviam. Transmitiram com fidelidade e ousadia a mensagem de Deus. Em todo tempo
e lugar, o Senhor suscita profetas, com a missão de revelar a Sua vontade para
a vida e salvação da humanidade. O profeta não fala de si mesmo, mas anuncia o
surgimento de uma humanidade nova, alicerçada na justiça e no direito.
O anúncio desta humanidade nova
inclui, necessariamente, a denúncia sistemática das injustiças que ferem a
dignidade da pessoa humana. Por causa da denúncia das injustiças, os profetas
são, muitas vezes, incompreendidos, perseguidos e mortos. Os que praticam e são
coniventes com o mal odeiam os profetas, porque estes não se calam nem podem se
calar. A mensagem divina precisa ser anunciada, mesmo que muitos a rejeitem. A semente
precisa ser semeada, mesmo que não germine, por causa da dureza do coração das
mulheres e homens dominados pelo ódio e pelas ideologias de morte que operam no
mundo.
O profeta não prega ideologias,
porque estas visam o interesse de pessoas e grupos; mas prega a vontade de Deus
para determinadas situações ou circunstâncias; anuncia o projeto de Deus, e
fala, com a autoridade dada por Deus, qual o caminho que se deve seguir. Auxiliado
pelo dom do discernimento dos espíritos, aponta para Deus. Habitado pela graça
de Deus, fala daquilo que é de Deus, e não se ocupa com os interesses meramente
humanos. Ao profeta são revelados os pensamentos de Deus, que estão acima dos
pensamentos humanos. Na escuta atenta da voz de Deus, o profeta prepara “para o Senhor um povo bem-disposto” (Lc
1,17).
O profeta João Batista foi
assassinado porque denunciou o fato de o rei Herodes ter tomado para si a
mulher do seu irmão Filipe. Enfurecida, Herodíades, que tinha sido mulher de
Filipe, procurava uma oportunidade para matá-lo. Encontrando a oportunidade,
por ocasião do aniversário do rei, não pensou duas vezes e pediu a cabeça do
profeta, que lhe foi trazida em um prato (cf. Mc 6,14-29). João Batista sabia
dos riscos que corria, mas nem por isso recuou, porque a mão do Senhor estava com ele.
Certo de sua missão, o profeta não
recua nem se entrega ao medo. Não se deixa amedrontar nem fica preocupado se
está ou não agradando às pessoas. Sua missão não é agradar às pessoas, mas
anunciar o Reino de Deus. As resistências ao Reino de Deus sempre existiram e
continuarão a existir, porque não são todas as pessoas que estão dispostas a
aceitar as exigências deste Reino. Há sempre aqueles que trilham caminhos
tortuosos, e desejam ser confirmados em suas desventuras. Não cabe ao profeta
tolerar nem se calar diante das injustiças. Pelo contrário, a sua missão é a de
enfrentá-las, com ternura e vigor, com serenidade e firmeza, com coragem e
alegria.
A profecia será sempre um incômodo
para muitos, mas não pode deixar de existir, tanto dentro quanto fora da
Igreja. Ninguém jamais conseguirá acabar com a profecia na Igreja e no mundo,
porque é obra do Espírito de Deus, que sopra onde, quando e em quem quer. O
profeta é pessoa guiada e iluminada pelo Espírito de Deus, e contra este Espírito
não há força humana que possa alguma coisa.
Os planos de Deus se realizam, apesar das resistências
humanas; e o profeta está a serviço dos planos de Deus. A salvação da
humanidade em Cristo Jesus, o Messias, está no centro dos planos de Deus. O profeta
João Batista preparou os caminhos para a manifestação da salvação oferecida em
Jesus, o Cordeiro.
Hoje, os profetas continuam anunciando esta salvação. Para isso, precisam enfrentar os poderosos deste mundo, os Herodes dos dias atuais, que perseguem e matam milhares de pessoas. Todo profeta conhece a força de Deus, e sabem que os poderosos deste mundo não conhecem nem podem contar com esta força divina. Por isso, seus poderes são frágeis, e no fim de tudo, desaparecem como a fumaça, não sobrando nada além das tristes recordações de seus feitos diabólicos neste mundo. Os profetas, pelo contrário, assim como João Batista, serão sempre lembrados como homens de Deus, filhos da luz e da verdade que liberta.
Tiago de França
quinta-feira, 3 de junho de 2021
Irmanados no Corpo e Sangue de Jesus
“O sangue de Cristo purificará
a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo, pois, em
virtude do Espírito eterno, Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima
sem mancha. Por isso, ele é mediador de uma nova aliança” (Hb
9,14).
A celebração do Corpo e Sangue de
Jesus é memória de sua paixão, morte e ressurreição; é celebração do mistério
pascal do Senhor. No centro desse mistério está a entrega de Jesus, o
oferecimento de si mesmo a Deus “como
vítima sem mancha”. Ele é o Cordeiro imolado, obediente até a morte, e
morte de cruz. Ressuscitado, permanece no mundo, cumprindo a sua promessa (cf.
Mt 28,20). Reunida em seu nome, a Igreja, comunidade de comunidades e
assembleia dos chamados à santidade, observa, perpetuamente, o preceito sublime
de celebrar a Eucaristia, sacramento de sua presença real e salvífica (cf. 1
Cor 11,24).
Eucaristia é comunhão ao redor da
mesa; comunhão com Jesus e com os irmãos. Na última ceia (cf. Mc
14,12-16.22-26), Jesus se reúne, partilha o pão e o vinho, canta um hino de
louvor ao Criador. “Tomai, isto é o meu
corpo”; “Isto é o meu sangue, o
sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos”: estas são as
palavras de Jesus. O Corpo e o Sangue de Jesus é mais que o pão e o vinho
consagrados; é toda a sua vida doada, com total liberdade e gratuidade, para a
salvação de toda a humanidade. Por isso, ao participar da mesa eucarística, o
discípulo de Cristo assume o compromisso de viver de acordo com a vida doada de
Jesus.
Antes e até Jesus, celebrava-se a
antiga aliança que Deus fez com seu povo (cf. Ex 24,3-8). Eram imolados
novilhos “como sacrifícios pacíficos ao
Senhor”. Fazendo a memória da páscoa judaica, Jesus inaugura a nova e
eterna aliança, derramando o seu sangue na cruz, “o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos”. Com seu
sangue, ele “entrou no santuário uma vez
por todas, obtendo uma redenção eterna” (Hb 9,12). A Eucaristia contém o
mistério da cruz de Cristo, que contempla a sua ressurreição. Os que nela tomam
parte devem estar dispostos a vivenciar a experiência da cruz e ressurreição,
experiência que transforma o discípulo em missionário do Reino de Deus.
A Eucaristia abre os olhos dos
discípulos de Jesus, para que possam enxergar a vida com os olhos da fé. Essa nova
visão da realidade concede a graça da identificação da ação de Deus no mundo.
Apesar dos pesares da vida, o Senhor está no mundo, trabalhando diuturnamente. A
criação continua sendo recapitulada em Cristo. A celebração da Eucaristia
revela este mistério amoroso de redenção da humanidade. A ação ritual da
liturgia eucarística faz o discípulo enxergar, compreender, sentir e
comprometer-se com a ação redentora de Jesus. A participação na mesa do Senhor
realiza o mistério da unificação, ou seja, o discípulo se torna morada de Deus,
e Deus faz morada no discípulo. Este se torna um outro Cristo no mundo, capaz
de realizar as obras de Deus e de receber a promessa da herança eterna.
Há um hino eucarístico que reza o
seguinte: “Vamos comungar, vamos
comungar; comungar na Igreja e na vida dos irmãos”. A comunhão com Jesus
exige a comunhão com os irmãos; participar da vida de Jesus significa tomar parte
na vida dos irmãos. Por isso, participar da mesa eucarística é assumir os
riscos da comunhão fraterna. O amor e a oração aos inimigos e perseguidores
estão implícitos no ato de receber a Eucaristia, bem como o serviço generoso,
alegre e gratuito aos irmãos e irmãs que sofrem. Na Eucaristia não existe
exclusivismos nem indiferença. Ou seja, quem deseja entrar em comunhão com
Jesus na Eucaristia precisa refletir se está disposto a entrar em comunhão com
o próximo, especialmente os sofredores deste mundo. Ninguém pode receber Jesus
na Eucaristia se isolando dos outros, vivendo como se estes não existissem. Eucaristia
e indiferença são incompatíveis. Comunga-se para vencer este terrível pecado.
Falar em comunhão significa promover
a unidade no amor. Esta unidade exige humildade, disponibilidade e
reconhecimento do outro. Unidade que não significa uniformidade ou
padronização, mas aceitação e promoção da diversidade no amor. Antes de
comungar, todo fiel católico responde à saudação da paz, dizendo: “O amor de Cristo nos uniu”. Portanto,
assume um compromisso de viver a unidade. O Corpo e o Sangue do Senhor asseguram
e mantém esta unidade. É um escândalo a participação no Corpo e o Sangue de
Cristo sem este compromisso com a unidade que gera a paz. Os inimigos da paz de
Cristo somente podem comungar se quiserem assumir um compromisso com a unidade
e a paz. Não estão em comunhão com Jesus aqueles que se dedicam às intrigas,
promovendo a divisão na Igreja de Jesus.
Na Eucaristia o Senhor nos ama e nos
convida ao amor. São tantas as pessoas necessitadas de amor. Na verdade, de
amor todo ser humano é necessitado. São várias as formas de expressão deste
amor. Em Cristo, a expressão máxima é a doação total da própria vida nas grandes
causas do Reino de Deus: justiça, solidariedade, perdão, ternura, cuidado, alegria...
Em Cristo Jesus, o discípulo missionário é sal e luz, fermento na massa,
presença amorosa de Deus no mundo. Hoje, milhões de brasileiros sofrem com a
falta de trabalho e alimento, com os altos índices de violência, com a falta de
vacina e com o luto... Muitas são as oportunidades para viver em comunhão com
Jesus nos irmãos e irmãs que sofrem.
Por estas razões bíblicas e
teológicas, que revelam a grandeza e a simplicidade do mistério eucarístico na
vida cristã e eclesial, a celebração da Solenidade do Corpo e do Sangue do Senhor
deve ir além da beleza da celebração ritual. Os membros do Corpo Místico de
Jesus precisam, de fato, sentirem-se membros, purificados e renovados no Sangue
do Senhor, para manifestarem, com palavras e ações, a caridade de Cristo; para
que todos tenham vida e a tenham em abundância. Em um mundo profundamente
marcado pela morte, em tempos de pandemia, a participação no mistério
eucarístico deve levar cada fiel discípulo missionário de Jesus a manifestar no
mundo a paixão, morte e ressurreição do Senhor. Somente dessa forma, poderão
colher os frutos da redenção realizada pelo Senhor.
Tiago
de França
quarta-feira, 28 de abril de 2021
A CPI da Covid e os pecados de omissão
Certa vez,
um amigo padre, missionário estrangeiro no Brasil, me falou o seguinte: “Vocês, brasileiros, tem uma mania de não encarar
os problemas; vocês gostam de adiar as coisas”. Ao ler as notícias de hoje,
principalmente as relacionadas à CPI da Covid, instalada hoje em Brasília, veio
à mente essas palavras do amigo padre missionário. Certamente, em todo lugar há
os omissos e os procrastinadores. Mas o Brasil tem ganhado destaque nestes dois
pontos. De fato, muitos brasileiros tem a mania de fugir dos problemas,
pensando que, dessa forma, os problemas deixam de existir.
O famoso “jeitinho brasileiro” também está inserido nesta cultura da fuga e
do adiamento. Em inúmeros setores da sociedade, é comum escutarmos as pessoas
falarem: “Depois a gente resolve isso!”,
ou “A gente dá um jeitinho”. No caso
da CPI da Covid, parlamentares investigarão as ações e omissões do governo, bem
como o repasse de verbas durante a pandemia. Uma comissão parlamentar de
inquérito tem a missão de investigar. Mas como a política brasileira é
contaminada pelo vírus da corrupção, as CPIs já nascem com suspeitas. Há os que
querem investigar, e os que querem evitar as investigações.
O cenário é evidente: houve ações e
omissões que provocaram a morte de milhares de brasileiros. Esta é a matéria das
investigações. Se os parlamentares se afastarem das posições partidariamente
apaixonadas e encararem o problema com seriedade, certamente a CPI encontrará
os culpados. E o tempo de investigar é agora. Quando se adia uma investigação,
geralmente não se investiga mais. Quando os responsáveis pelas investigações
dizem não ter encontrado elementos suficientes, sem terem se ocupado com as
investigações, então é porque, claramente, não se quer investigar. Consequência
natural e óbvia: reforça-se a cultura da impunidade.
O governo não quer a CPI da Covid,
porque teme que os trabalhos sejam levados a sério e, assim, revelem-se os
culpados. Alguém precisa ser responsabilizado pelas consequências do
negacionismo que tomou conta do país. A negação da realidade pode conduzir à
omissão. Se alguém nega que o vírus é capaz de provocar a morte das pessoas,
esse alguém pode permitir que as pessoas morram, sem tomar nenhuma providência
para evitar tal tragédia. Não querer enxergar a realidade também conduz à
omissão. Quando alguém finge não enxergar o óbvio, não assume a
responsabilidade de fazer alguma coisa para evitar o mal.
Muitas pessoas deixam de falar e
agir, porque não querem assumir responsabilidades; recusam-se a se comprometer.
Mais do que isso, torcem para o “circo pegar fogo”, mesmo sabendo que também
serão atingidas pelo fogo. Vivemos numa sociedade profundamente marcada pela
falta de responsabilidade. Muitos dos detentores de poder não exercem com
justiça o seu papel, gerando sofrimento e morte. A omissão sempre causa
vítimas, sempre gera um mal coletivo. A falta de providência, ou a providência
errada pode causar sofrimento e morte. Isso é óbvio, mas as pessoas,
geralmente, não pensam nessas coisas. Essa falta de pensamento também constitui
omissão. Evita-se o assunto.
A espiritualidade cristã também fala
de omissão. As pessoas podem pecar por pensamentos, palavras, atos e omissões. A
omissão é um pecado. Omitir-se é deixar de fazer algum bem necessário à vida em
comunidade. Também nas comunidades cristãs os problemas, muitas vezes, não são
encarados. Quando não se adia a solução, decide-se de forma equivocada,
prejudicando a comunidade. Muitas decisões não visam o bem da comunidade, mas
somente o bem individual de muitas pessoas. Tais decisões não estão em sintonia
com o projeto eclesial e comunitário, mas estão em função da satisfação do
desejo pessoal dos que delas se beneficiam.
Na Igreja Católica, apesar das
dificuldades e resistências, o Papa Francisco tem tocado em algumas feridas
abertas. Tocar na ferida é ação que provoca dor e incômodo. A reforma da Igreja
passa, necessariamente, por incômodos, porque há aqueles que não querem tal
reforma. Defendem que tudo continue do jeito de sempre. Tal posição coaduna-se
com a ideia de que o Espírito Santo nada transforma, mas somente confirma o de
sempre. Alguns alegam: “Sempre foi feito
dessa forma; por que mudar agora?” As pessoas se acostumam, facilmente, com
o mesmo, com a rotina, a mesmice, passando a gostar de uma vida insossa. Levam uma
“vida espiritual” sem dinamismo, desligada do Evangelho e da ação do Espírito
de Jesus.
Quem se habitua a esse estilo de
vida não consegue ser proativo, não tem iniciativa. Portanto, facilmente se
omite diante da necessidade de mudanças. Dominada por este espírito mundano de
ser, a Igreja se torna letárgica, uma sociedade parada no tempo,
impossibilitando a experiência dos necessários rompimentos. A radicalidade do
Evangelho passa a ser vista como exagero, passível de apaziguamento. A subjetividade
das pessoas passa a ser a norma da vida coletiva, e o gosto de cada um precisa
ser satisfeito, sacrificando o bem comum. O eu
passa a ser mais importante que o nós.
Não se decide pensando nas pessoas, mas na pessoa a ser beneficiada pela
decisão.
Qualquer pessoa pode pecar por omissão,
tanto o governo quanto os governados; tanto que tem quanto quem não tem poder
em determinada instituição. Apesar dos condicionamentos, toda pessoa goza de
uma margem de liberdade para decidir conforme a sua consciência e à luz do
Evangelho de Jesus. A experiência de Jesus mostra que a omissão não fez parte
de sua vida, pois agia sempre orientado pela vontade do Pai. Ele agia em nome
do Pai, porque era um com o Pai (cf. Jo 10,25.30). O mesmo deve fazer todo aquele
que deseja ser seu discípulo: agir conforme a vontade do Pai.
Em todas as situações que exigem decisão,
para não ser omisso, deve o discípulo pensar: “O que Jesus faria nessa situação?” Os evangelhos mostram que Jesus
pensava sempre no bem das pessoas. Ele não jogava fardos pesados nas costas de
ninguém. Também não se omitia nas situações de injustiça. Diante da exploração
religiosa, pegou o chicote e expulsões os exploradores do Templo.
Este é apenas um dos exemplos que mostra um Cristo decidido
a agir para libertar as pessoas. Até que ponto somos capazes de agir, visando a
libertação das pessoas? Ao nosso redor há pessoas sofrendo. Estamos enxergando,
ou fingimos não enxergar? Quando decidimos agir, a nossa ação colabora com a
opressão, ou com a libertação das pessoas? Ajudamos a carregar a cruz, ou
agimos para a cruz se tornar mais pesada e penosa? De nada adianta ficarmos
indignados com os políticos omissos, quando também somos omissos no cotidiano
de nossa vida. Por fim, cabe pensar nas seguintes palavras atribuídas a Martin
Luther King: “O que me preocupa não é o
grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.
Tiago de França
quinta-feira, 8 de abril de 2021
O culto cristão e o radicalismo de muitos cristãos
Desde o início da pandemia temos visto nas redes sociais a
proliferação de mensagens de cristãos tidos como radicais, que se expressam com
muita violência sobre a limitação do culto cristão; limitação imposta pelos
decretos governamentais e pelas orientações dos líderes religiosos que buscam
respeitar tais decretos.
O radicalismo não vem de Deus, mas agride as coisas de
Deus. Não faz bem às pessoas e faz com que o cristianismo seja rejeitado pelas
mulheres e homens de bom senso. Assim como há radicais no Islamismo, que
provocam o terrorismo no Oriente Médio e em outras partes do mundo, também no
cristianismo estamos assistindo ao crescente surgimento de radicais cristãos:
pessoas que usam a Bíblia numa tentativa desesperada de legitimar ideologias de
morte.
Jesus Cristo não fazia parte de nenhum grupo adepto do
radicalismo. A sua mensagem é radical porque centrada no amor a Deus e ao
próximo. O amor é exigente e, portanto, radical, porque capaz de transformar e
libertar, integralmente, as pessoas. Mas Jesus, Filho de Deus e Salvador da
humanidade, não agredia as pessoas, nem se utilizava do nome de Deus para
satanizar pessoas e instituições. Infelizmente, muitos que professam a fé em
seu Nome estão caindo nesta tentação avassaladora
Os cristãos radicais costumam satanizar muitas realidades.
Um exemplo claro disso é a satanização do novo coronavírus. Muitos estão
dizendo que Satanás está usando o vírus para destruir a Igreja de Cristo, e
afirmam também que os governantes e juízes que decretam o fechamento
transitório das igrejas e templos são agentes de Satanás. Para isso, buscam na
Bíblia expressões que sirvam para legitimar suas falas absurdas. Tiram os
textos bíblicos de seus contextos e instrumentalizam a Palavra de Deus.
Trata-se de uma desprezível manipulação da Palavra de Deus.
O que está escrito no livro do Apocalipse vale para toda a
Bíblia: "Se alguém lhes fizer algum
acréscimo, Deus lhe acrescentará as pragas descritas neste livro. E se alguém
tirar algo das palavras do livro desta profecia, Deus lhe tirará a sua parte da
árvore da Vida e da Cidade Santa, que estão descritas neste livro!"
(Apocalipse 22,18-19). Usar textos bíblicos para satanizar pessoas e
instituições é um pecado gravíssimo, porque constitui falsificação das Sagradas
Escrituras.
Além da Bíblia, os radicais cristãos se utilizam de uma
interpretação equivocada da Tradição da Igreja. Muitos citam a época da Igreja
primitiva para dizer que estamos vivendo situação semelhante. Trata-se de um
equívoco. A comparação mostra, com clareza, que não conhecem a Igreja
primitiva. Precisam estudar a História da Igreja. O desconhecimento das
Escrituras e da História faz com que apareçam tais comparações. Somente em
algumas partes do mundo os cristãos têm experimentado perseguições sangrentas.
No Brasil não há uma perseguição sistemática aos cristãos, como na Igreja
primitiva.
O coronavírus não é uma invenção de Satanás para destruir a
Igreja de Cristo. A ciência explica muito bem o surgimento dos vírus e outros
agentes nocivos à saúde e ao progresso dos povos. Esta mesma ciência tem a capacidade
de buscar soluções possíveis para erradicar tais males, e as vacinas produzidas
são uma prova disso. Os adeptos do radicalismo se parecem com aqueles que, no
tempo de Jesus - época desprovida de conhecimento científico -, atribuíam a
Satanás e seus demônios a origem de inúmeras doenças. É necessário aprender a
ler e a interpretar as Sagradas Escrituras; do contrário, muitas aberrações
podem ser ditas e feitas em nome de Deus, com base nas mesmas Escrituras
Sagradas.
Por fim, cabe ainda considerar que os juízes dos tribunais
têm a missão constitucional de resolver os conflitos entre as pessoas. Quando
direitos entram em conflito, os tribunais devem resolver a questão. Em matéria
de direitos, é preciso considerar que nenhum direito é absoluto. Quando o
direito à vida entra em conflito com o direito à prática pública do culto,
prevalece o direito à vida. Isso é óbvio. Ninguém precisa ser jurista para
compreender isso. Para cultuar a Deus, o crente precisa estar vivo. Os mortos
não louvam ao Senhor (cf. Salmo 115,17).
O culto cristão está para além das práticas religiosas
realizadas nas igrejas e templos. O próprio Jesus ensinou no sermão da montanha
que se deve orar ao Pai com sinceridade de coração a partir de qualquer lugar
(cf. Mateus 6,5-6), porque Deus está em toda parte. É preciso aprender a adorar
ao Pai "em espírito e verdade"
(João 4,24).
O culto nas igrejas e templos é muito importante para
manter as comunidades unidas e animadas, porque a fé cristã é essencialmente
comunitária, mas a suspensão provisória do culto não deve ser motivo para
desespero. O que o Senhor espera de cada fiel é a prática cotidiana do amor.
Não adianta o culto nas igrejas e templos se o coração permanece distante do
Senhor. Cabe ainda recordar uma palavra oportuna para este momento, escrita por
São Tiago: "Com efeito, a religião pura
e sem mácula diante de Deus, nosso Pai, consiste nisto: visitar os órfãos e as
viúvas em suas tribulações e guardar-se livre da corrupção do mundo" (Tiago
1,27).
O momento reclama o amor a Deus e aos irmãos. Há muita gente precisando de ajuda. Muitas pessoas estão passando fome. Outras estão angustiadas, ansiosas e depressivas. Inúmeras famílias enlutadas. Portanto, muitas ocasiões para a prática do amor ao próximo. Os adeptos do radicalismo precisam abandonar o barulho que fazem nas redes sociais para terem tempo para a prática da caridade. No dia do juízo final, o Senhor não perguntará se o fiel defendeu a religião e suas doutrinas. Neste sentido, vale a leitura e meditação de Mateus 25,31-46, que fala do julgamento segundo o amor. Deus salva os que amam, porque o mais importante é o amor, não a prática rigorosa da lei e da religião.
Tiago
de França
segunda-feira, 8 de março de 2021
Dia Internacional da Mulher
Não há
muito o que comemorar neste dia 8 de março – Dia Internacional da Mulher. No
Brasil, os índices de violência contra a mulher são preocupantes. Segundo o
Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, em 2020, foram registradas
105.821 denúncias de violência contra a mulher. A maioria das vítimas é pobre,
da periferia, com pouca escolaridade e autodeclarada como de cor parda, com
idade entre 35 e 39 anos. O perfil mais comum dos agressores é de homens
brancos, com idade entre 35 e 39 anos.
A pandemia contribuiu para piorar a
situação, ou torná-la mais explícita. Segundo um levantamento realizado pelo
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os casos de feminicídio cresceram 22,2%
em março e abril de 2020, em relação ao mesmo período de 2019. A alta dos
crimes ocorreu em 12 estados. A Lei do Feminicídio alterou o Código Penal,
incluindo como qualificador do crime de homicídio o feminicídio, que também se
tornou crime hediondo, com penalidades mais altas.
A Lei 13.104/15 (Lei do Feminicídio)
prevê duas situações para a sua aplicação: que o crime resulte de violência
doméstica, hipótese em que o autor do crime é um familiar da vítima ou já
manteve algum laço afetivo com ela; que o crime resulte de discriminação de
gênero (misoginia/coisificação da mulher), sendo o autor conhecido ou não da
vítima. A misoginia ultrapassa o machismo por se caracterizar como um tipo
específico de ódio à mulher. Trata-se de uma forte repulsa à figura feminina. O
Brasil é o quinto país do mundo com maior número de feminicídios.
Segundo estudos psicanalíticos, o
misógino sente prazer ao ferir o sentimento feminino. A situação chega ao ponto
de o cérebro liberar dopamina, neurotransmissor do prazer, o que leva o
criminoso a repetir o comportamento. Muitos misóginos são facilmente
identificados nas redes sociais, pois se aproveitam do “anonimato” para se
esconderem por trás da tela do computador ou celular. Essas redes facilitam a
ação dos criminosos, que, de forma impiedosa, extravasam ódio e ofensas às
mulheres. Os estudos também indicam que, para muitos homens, a misoginia
funciona como um escudo que os ajuda a esconder dúvidas ou problemas
relacionados à própria masculinidade.
Os misóginos costumam se aproveitar
das mulheres mais frágeis e inseguras, que sofrem com baixa autoestima e, por
isso mesmo, são menos assertivas. Inicialmente, o homem misógino é cordial,
educado, amoroso e atencioso; mas com o passar do tempo, torna-se intolerante,
possessivo, autoritário e violento. Oprime física e psicologicamente suas
vítimas. Costuma matá-las aos poucos, sufocando-as com sutileza e frieza. É um monstro
travestido de cordeiro.
A ética cristã ensina que a mulher
não é, nem pode ser considerada inferior ao homem. Ensina também que todo homem
que trata a mulher com desprezo e ódio não pode, jamais, afirmar que segue
Jesus, porque a fé cristã é incompatível com o desprezo do outro. Falsos
cristãos tratam as mulheres com desprezo e indiferença. Não há um versículo
sequer na Bíblia que possa justificar tal forma de proceder. Quem afirma o
contrário, na verdade, deturpa o sentido das Sagradas Escrituras com o objetivo
de justificar a violência contra a mulher.
Jesus se relacionou com as mulheres
com estima e respeito, promovendo a sua dignidade (cf. Jo 4,1-26; 8,1-11; Lc 7,36-50;
10,38-42) e libertando-as do poder opressor dos homens moralistas e sedentos de
violência. Maria Madalena, discípula do Senhor, foi a primeira testemunha da
ressurreição (cf. Jo 20,1-18). O próprio Jesus se encarnou no seio virginal de
Maria, uma pobre mulher de Nazaré da Galileia (cf. Mt 1,18-24; Lc 2,7; Jo
1,14). Quis Deus que seu Filho amado se encarnasse no seio de uma mulher,
bendita entre todas as mulheres (cf. Lc 1,42).
Neste Dia Internacional na Mulher é
necessário não somente reconhecer o seu lugar e importância para o
desenvolvimento da humanidade, como também apoiar todas as iniciativas de
defesa e promoção de seus direitos. É necessário também denunciar as injustiças
que as afligem e ferem. Todas as formas de violência contra a mulher são
inaceitáveis, porque jamais podem ser justificadas. Nenhum tipo de violência se
justifica.
O art. 5º, inciso I da Constituição da República é claro e
preciso ao afirmar que “homens e mulheres
são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. É
preciso lutar, incansavelmente, para que esta igualdade seja real, afetiva e
efetiva. Independentemente das circunstâncias, a violação dessa igualdade
constitui injustiça que não pode ser tolerada. O sangue das vítimas clama por justiça.
Não há cidadania autêntica, nem democracia sem o reconhecimento, defesa e
promoção dos direitos da mulher.
O Disque 100 e o Ligue 180 são canais gratuitos e
confiáveis para denúncias de violações de direitos humanos e de violência
contra a mulher. Estes serviços funcionam 24 horas por dia, incluindo sábados,
domingos e feriados. Denunciar é preciso. Omitir-se é tornar-se conivente com
as violações dos direitos e com a violência contra a mulher. Se os bons
permanecem em silêncio, os maus dominam, oprimem e matam. Todo ser humano é
chamado a ser livre e feliz; não há liberdade, nem felicidade onde reinam a
violência e a morte.
Tiago de França
quinta-feira, 4 de março de 2021
Breves apontamentos sobre os delitos contra a unidade da Igreja Católica
“Lembremos bem: ser parte da Igreja quer dizer ser unido a Cristo e receber Dele a vida divina que nos faz viver como cristãos (…) e quer dizer também aprender a superar personalismos e divisões” (Papa Francisco, catequese do dia 19/06/2013).
Nestes breves apontamentos, desejo
compartilhar alguns conceitos expressos no Código de Direito Canônico, que
falam sobre delitos contra a unidade da Igreja Católica. A situação atual,
marcada pelo acirramento de conflitos no seio da Igreja reclama a nossa atenção
e acende um sinal de alerta no que se refere à unidade da Igreja.
Não somente a Palavra de Deus exige a comunhão da Igreja,
mas também a legislação canônica em vigor, que precisa ser conhecida, para que
haja maior clareza da necessidade, importância e urgência da comunhão eclesial.
Muitas vezes, a violação da lei ocorre por falta de conhecimento, o que não
livra o violador da justa pena prevista na própria lei.
1. Apostasia, heresia e cisma
O
Livro VI do Código de Direito Canônico, promulgado por São João Paulo II em
1983, trata das sanções na Igreja. Os delitos contra a religião e a unidade da
Igreja se encontram no Título I da II Parte. Para a nossa abordagem, interessa-nos
o cânon 1.364, §§1 e 2, onde se preceitua o que se segue:
Cân. 1.364 - §1. O apóstata da fé, o
herege ou o cismático incorre em excomunhão latae sententiae, salvo a
prescrição do cân. 194, §1, n. 2; além disso, o clérigo pode ser punido com as
penas mencionadas no cân. 1336, §1, nn. 1, 2 e 3.
§ 2. Se a prolongada contumácia ou a
gravidade do escândalo o exige, podem-se acrescentar outras penas não excetuada
a demissão do estado clerical.
Para não dar margem a injustiças
decorrentes de interpretações equivocadas, o próprio Código traz os conceitos
de apostasia, heresia e cisma, expressos no livro III (Do múnus de ensinar da
Igreja). Vejamos:
Cân. 751 – Chama-se heresia a negação
pertinaz, após a recepção do batismo, de qualquer verdade que se deva crer com
fé divina e católica, ou a dúvida pertinaz a respeito dela; apostasia, o
repúdio total da fé cristã; cisma, a recusa de sujeição ao Sumo Pontífice ou de
comunhão com os membros da Igreja a ele sujeitos.
Para que se configure heresia, a
verdade da fé é negada de forma clara e continuada. Deve a culpa estar
claramente verificada. Em outras palavras, de forma obstinada, o herege nega ou
coloca em dúvida uma ou várias verdades de fé. Trata-se de postura pertinaz, ou
seja, que dura no tempo, praticada com insistência. Na apostasia, temos uma
situação mais gravosa, que se configura no repúdio total da fé cristã. Tendo
sido batizado e professado a fé, o apóstata se volta contra a mesma fé,
repudiando-a plenamente.
O momento atual parece não ser muito
marcado por hereges e apóstatas, que, certamente, devem existir. Facilmente,
verificamos a ação deliberada de católicos que distorcem a doutrina da Igreja,
negando verdades fundamentais da fé. Ora fazem de forma propositada, ora de
forma inconsciente.
A distorção é negação, porque não se aceita o que a Igreja
ensina. Não aceitando, rejeita-se, e tal rejeição é uma forma dissimilada
(indireta/implícita) de negação. Cada caso deve ser verificado, para saber da
clareza e da consciência dos que, supostamente, cometem esse tipo de delito. A
heresia requer uma avaliação mais rigorosa, nos termos da lei. A apostasia
parece ser mais fácil de ser identificada, porque se trata de repúdio total à
fé cristã.
Na situação atual, caracterizada por agressões ao Papa, ao
Colégio dos Bispos e a Bispos determinados, encontramos manifestações,
nitidamente, cismáticas. Basta verificar o teor das falas e/ou posicionamentos
de inúmeros católicos, principalmente nas redes sociais, para constatar que se
tratam de católicos cismáticos.
A lei canônica fala de recusa
de sujeição ao Sumo Pontífice. O
que significa essa sujeição? Na Igreja Católica, o Papa é sucessor de Pedro,
Bispo da Diocese de Roma, cabeça do Colégio dos Bispos, Vigário de Cristo,
Pastor da Igreja universal e detentor do poder ordinário supremo, pleno,
imediato e universal (cf. Cân. 331; constituição dogmática Pastor Aeternus). Além dessas prerrogativas, também acumula a
função de Chefe do Estado da Cidade do Vaticano. Estes poderes podem sempre ser
exercidos livremente.
A sujeição de que fala a lei canônica não é sinônimo de
subserviência, nem de obediência cega. É possível que, respeitosamente, um
cristão católico não possa se identificar com alguma palavra ou posicionamento
do Papa, mas em matéria de doutrina sobre a fé e os costumes, cabe a todo
católico observar com “religioso obséquio de inteligência e vontade” (cf. Cân.
752).
Devem os fiéis evitar tudo o que não estiver de acordo com
a doutrina que o Papa e o Colégio dos Bispos enunciam sobre a fé e os costumes,
mesmo quando não tenham a intenção de proclamá-la por ato definitivo. Além
deste dever de observância em matéria doutrinal, cabe a todo fiel católico o
respeito e a obediência quanto às decisões emanadas pelo Papa e pelos Bispos,
também sobre questões disciplinares. Entende-se que tais decisões visam
promover a disciplina eclesiástica e a comunhão eclesial, considerando a
diversidades das culturas e dos costumes.
O cânon 751 também fala de recusa à comunhão com os membros da Igreja a ele sujeitos. A Igreja somente
cresce na comunhão, que significa união com Deus e com os irmãos que professam
a mesma fé. Todo fiel que se dedica a disseminar o ódio, criando e veiculando
mentiras sobre os ministros sagrados e demais membros da Igreja, tornam-se
inimigos da comunhão eclesial, ferindo-a, gravemente. É o que tem ocorrido,
ultimamente.
Nas redes sociais, pessoas e grupos tem se dedicado a
caluniar e difamar o Papa Francisco, a Conferência dos Bispos e alguns bispos,
mais especificamente. Utilizam-se de notícias falsas e ofensas de toda sorte,
numa tentativa violenta de deslegitimar o Pontífice e inúmeros Bispos. Além
disso, fazem leitura seletiva de documentos da Igreja, tirando-os dos contextos
nos quais foram elaborados, bem como deturpando o sentido dos mesmos. Utilizam
as Sagradas Escrituras para difamar, julgar e condenar pessoas e instituições
eclesiásticas. Há também os que se recusam a aceitar o pontificado do Papa
Francisco, questionando, assim, a legitimidade do conclave que o elegeu.
2. A punição de clérigos apóstatas,
hereges e cismáticos
O
cânon 1.364, §1 fala que os que praticam apostasia, heresia e cisma incorrem em
excomunhão latae sententiae, ou seja,
logo que cometem o delito, sem nenhuma intervenção de autoridade eclesiástica,
já estão excomungados. Portanto, não estão mais em comunhão com a Igreja, mas
fora desta. Trata-se de excomunhão automática. Isso vale tanto para leigos
quanto para clérigos (ministros ordenados) que cometam tais delitos.
No caso de clérigo, o supracitado
cânon prescreve a punição com as penas previstas no cânon 1.336, §1, nn. 1, 2 e
3:
1º proibição ou obrigação de morar em
determinado lugar ou território;
2º privação de um poder, ofício, encargo,
direito, privilégio, faculdade, graça, título ou insígnia, mesmo meramente
honorífica;
3º proibição de exercer o que é mencionado
no n. 2, ou proibição de exercer em determinado lugar ou também fora de
determinado lugar; essas proibições, porém, nunca são sob pena de nulidade.
O rol de penas previstas no cânon
1.336 não é taxativo, mas exemplificativo, conferindo ao Ordinário o poder de
escolha. Se aplicada uma destas penas, o clérigo insistir no cometimento do
delito, podem-se acrescentar outras penas; e se estas se mostrarem ineficazes,
pode-se demiti-lo do estado clerical. Dependendo da gravidade do escândalo,
pode-se agir da mesma forma, ou seja, aplicar outras penas, ou, não sendo
suficientes, decrete-se a demissão do estado clerical. É o que dispõe o n. 2 do
cânon 1.364.
No cânon 1.373 há previsão de
punições (interdito ou outras justas penas) para os católicos, clérigos ou
leigos, que excitam publicamente aversão ou ódio contra a Sé Apostólica ou
contra o Ordinário (Bispo ou Arcebispo), em razão de algum ato de poder ou
ministério eclesiástico, ou incitam os fiéis à desobediência a eles. O
interdito se assemelha à excomunhão, porém, é mais brando, pois possui efeitos
de menor alcance. Pelo interdito há uma suspensão parcial da comunhão visível.
Incorrem nas penas previstas neste cânon os que atuam em campanhas difamatórias
contra o Pontífice e os Bispos. A ofensa ao Pontífice constitui ofensa à Sé
Apostólica.
A Igreja tem o legítimo poder de
privar dos bens que ela administra (sacramentos, ofícios, ministérios etc.). No
rol das penas e punições previstas no Código, há algumas censuras aos que são
excomungados. A excomunhão é a censura mais grave, pois coloca a pessoa fora da
comunhão visível da Igreja. A censura é uma pena medicinal, que priva a pessoa
dos direitos inerentes à comunhão da Igreja. Eis as censuras impostas aos que
são automaticamente excomungados:
Cân. 1.331 - §1. Ao excomungado proíbe-se:
1º ter qualquer participação ministerial
na celebração do sacrifício da Eucaristia ou em quaisquer outras cerimônias de
culto;
2º celebrar sacramentos ou sacramentais e
receber sacramentos;
3º exercer quaisquer ofícios, ministérios
ou encargos eclesiásticos ou praticar atos de regime.
Como
se vê, a excomunhão é sanção gravosa, pois tira da pessoa a comunhão com a
Igreja, adquirida pelo Batismo. No Código há outras proibições impostas aos
excomungados: incapacidade de lucrar indulgência (cf. cân. 996); inabilidade
para votar e para participar de associação de fieis (cf. cânones 171,§1 e 316);
proibição de receber a Eucaristia (cân. 915), entre outras.
3. A unidade da Igreja e a aplicação da
lei penal canônica
Algumas
pessoas discordam da utilização da lei penal canônica para salvaguardar a
unidade da Igreja. A lei penal existe em vista da caridade evangélica; melhor
dito, esta é o fundamento daquela. Discorrendo sobre a finalidade do Código, diz
o Papa São João Paulo II na Constituição Apostólica de promulgação do Código:
“Torna-se bem claro, pois, que o objetivo
do Código não é, de forma alguma, substituir na vida da Igreja dos fiéis, a fé,
a graça, os carismas, nem muito menos a caridade. Pelo contrário, sua
finalidade é, antes, criar na sociedade eclesial uma ordem que, dando primazia
ao amor, à graça e aos carismas, facilite ao mesmo tempo o seu desenvolvimento
orgânico na vida, seja da sociedade eclesial, seja de cada um de seus membros”.
O Papa é claro em suas palavras: a
finalidade do Código é criar uma ordem na sociedade eclesial, facilitando o
desenvolvimento do amor, da graça e dos carismas na vida da Igreja e de seus
membros. Os delitos contra a unidade da Igreja causam desordem, portanto,
desarmonia e confusão. As divisões são produzidas por quem, obstinada e
sistematicamente, dissemina o ódio, utilizando-se de todos os meios possíveis.
Neste sentido, as redes sociais, vergonhosamente, transformaram-se em campo de
batalha, onde se manifestam pessoas que parecem desconhecer o significado do
amor, da graça e dos carismas.
A lei penal visa restabelecer e
assegurar a comunhão da Igreja, que é um bem jurídico fundamental. A unidade da
Igreja também depende da atuação dos responsáveis pela aplicação da lei, que
com justiça e misericórdia, não podem deixar de aplicá-la. Quando a unidade
está ameaçada é necessário agir com firmeza, para que os que cometem tais
delitos saibam que a Igreja não é Casa da desordem e/ou da anarquia, mas da
misericórdia, da justiça e da paz. Toda a Igreja sofre com as divisões, e
reclama por justiça, para que se restabeleçam a unidade e a paz. Uma Igreja dividida
é incapaz de falar de unidade e paz ao mundo dilacerado por discórdias.
A responsabilidade pela unidade da
Igreja é de todos aqueles que nela receberam o Batismo. O apelo de Jesus é
claro e veemente: “Que todos sejam um,
como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti. Que também eles estejam em nós, a fim
de que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21). Cada membro da Igreja
precisa crescer em espírito de pertença e comunhão. Na Igreja cabem todos,
porque nasceu para acolher a todos, sem proselitismo, nem acepção de pessoas.
Superando o personalismo se descobre que todos são
igualmente importantes, porque gozam da mesma dignidade de filhos e filhas de
Deus. É na comunhão fraterna que a Igreja cresce e cumpre a sua missão. Nenhum batizado
deveria se insurgir contra seus irmãos, porque tal atitude fere o Corpo místico
de Cristo e, consequentemente, vai contra a Cabeça da Igreja, que é o próprio
Cristo. Todos os que militam contra a unidade da Igreja se colocam, por si
mesmos, fora dela. Isso contraria a vontade de Deus, expressa nas palavras de
Jesus e no testemunho de Jesus.
Seminarista Tiago de França