segunda-feira, 24 de março de 2008

Dom Hélder Câmara: profeta da Justiça e da Paz

Dom Hélder Câmara: profeta da Justiça e da Paz

Queridos irmãos e irmãs, leitores e leitoras deste valioso espaço de espiritualidade, ofereço-vos, resumidamente, uma palavra saudosa sobre o grande profeta da Igreja no Brasil, D. Hélder Câmara. Falar sobre este Bispo é uma tarefa desafiante, visto que se trata de uma personalidade provocante e questionadora. Escrever sobre D. Hélder é proclamar as maravilhas de Deus, que por meio de Jesus Cristo e seu Espírito de Amor, se manifestaram na vida deste homem de Deus. Há vários escritos sobre D. Hélder, mas cada pessoa que se dispõe a escrever, sempre apresenta coisas boas e novas sobre ele. O Evangelho de Jesus sempre é novidade, e a vida de quem se doa pelo anúncio deste Evangelho, também é motivo de novidade para todos. É preciso nunca esquecer o significado e a importância deste grande profeta na Igreja do Brasil, pois, muito mais do que os títulos e reconhecimentos recebidos, a verdade proclamada por D. Hélder é o que mais nos deve interessar. O conteúdo do testemunho de vida deste pastor de multidões nos faz questionar nossa maneira de ser Igreja e de ser cristão. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, durante todo este ano, realizará vários eventos, rumo ao Centenário de Nascimento de D. Hélder, que se comemorará no dia nove de fevereiro do próximo ano. Será a festa da memória daquele que ajudou a Igreja a ver o Caminho, o Caminho da liberdade, da verdade e da vida. Oh, como ele sofreu ao assumir a postura de apontar esse caminho! As incompreensões, sensuras e perseguições sempre fizeram parte de sua existência: enquanto pessoa, cidadão, presbítero e Bispo da Igreja. Quando terminou seus estudos no Seminário da Prainha, o jovem clérigo já começava a incomodar a Cúria Romana, pois teve que pedir licença para ser ordenado aos vinte e dois anos e meio de idade. O seminarista Hélder foi formado presbítero no rigor da disciplina do Seminário daquele tempo. Para se ter uma idéia, vejam um dos dizeres do Seminário quando os seminaristas eram pegos falando sobre a figura da mulher: “Mulher é palha, homem é fogo. Se se colocam os dois juntos o diabo vem, assopra e incendeia”. E o seminarista Hélder, poeta e escritor sempre disposto a questionar com cautela, os excessos da disciplina e seus superiores lazaristas, que dirigiam o Seminário da Prainha no seu tempo.
Como todo profeta, D. Hélder era um homem da palavra. Esteve presente em muitas partes do mundo, em palestras e conferências, exercendo a sua missão de evangelizador. Era homem do anúncio e da denúncia. Sem temer a ameaças, profetizava para o mundo, opondo-se ao neoliberalismo exacerbado, que matava e ainda mata a humanidade dos pobres. Em seus discursos, preparados com o devido cuidado e cautela, sempre assessorado pro pessoas que entendiam da conjuntura política e eclesiástica, D. Hélder falava numa linguagem simples e humilde, numa linguagem acessível ao povo e aos expectadores presentes. Era o Bispo que falava a linguagem dos pobres. Sabia transmitir os valores evangélicos ao alcance da compreensão de todos. Era um homem do povo. Sabia acolher e escutar as pessoas. Eram duas as qualidades que faziam parte de sua essência missionária: acolhida e escuta. Homem paciente no ato da escuta, prudente nas palavras e no conselho diante das situações difíceis. A palavra da verdade dita por ele incomodava os mentirosos e exploradores do povo de Deus. Já que eram verdades, e toda verdade vai de encontro com a Verdade maior, então, eram verdades conflitantes. O linguajar de Dom Hélder não era eclesiástico. Ele sabia que o povo de Deus não entendia e nem entende da linguagem eclesiástica. Para o povo simples, o povo dos pobres, a linguagem eclesiástica não diz nada. Mas, apesar disto, ele não ignorava a linguagem eclesiástica, pois a utilizava entre os eclesiásticos.
Sabemos que o perfil do Bispo do Concílio de Trento é do Bispo administrador do clero e dos bens da Igreja e disciplinador. O lugar do Bispo de Trento é na Cúria Diocesana, sentado na cadeira, a espera das pessoas. O Vaticano II convida os Bispos a saírem de suas Cúrias e Palácios Episcopais, exortando-os a irem ao encontro do povo. O Vaticano II veio reafirmar a figura do Bispo como Pastor de uma Igreja Particular. E qual é o lugar do pastor? O lugar do pastor é nas estradas do mundo. O lugar do pastor é nas periferias das grandes cidades, nos povoados dos lugares menores, é no meio dos pobres. Outra grande qualidade de D. Hélder era ir ao encontro das necessidades dos pobres. O apoio aos movimentos sociais era total, sempre corrigindo com humildade aos exageros e desvios existentes. Era homem da responsabilidade social. A Igreja pensada e vivida por ele estava além da sacristia e do altar. A fé e a vida estavam intimamente ligadas na doutrina anunciada por D. Hélder. Este homem inaugurou uma nova maneira de ser Bispo. Através de sua maneira de pensar e de ser, ele provou que é possível ser um Bispo missionário. Ele usou da liberdade concedida pelo Concílio Vaticano II. Na administração da Arquidiocese de Recife e Olinda teve Dom Lamartine, seu grande companheiro na missão, como Bispo Auxiliar. D. Hélder entregou a este a administração da Arquidiocese, porque sabia da importância de uma instituição organizada, onde o poder está a serviço dos pobres. O testemunho de D. Hélder mostrou a necessidade de o poder eclesiástico está ligado ao serviço. O poder que não serve é o poder que explora! Quando pregava retiros aos presbíteros de sua Igreja e de outras Igrejas Particulares, sempre frisava a necessidade de o padre ser um homem do serviço, da doação, da missão. Ele irritava-se com as denúncias que lhe chegavam em relação a padres preguiçosos e exploradores. D. Hélder ensinava que é impossível querer ser padre visando o poder, o prestígio e a riqueza. Deus não nos chama a isso. Ele era um homem preocupado com o futuro da Igreja. Suas duras críticas à Igreja era um gesto de amor e preocupação em reação a ela. Assim como Jesus criticou a religião de seu tempo, D. Hélder não teve medo de expor ao mundo as fragilidades de sua Igreja. Assim como Jesus não falava ocultamente, D. Hélder utilizou-se dos meios de comunicação de massa para apontar o Caminho inaugurado por Jesus. Olhando para o Documento de Aparecida, imagino que se ele estivesse entre nós, em pessoa, deveria estar muito feliz com o resultado dos trabalhos que se deram na V CELAM, este CELAM que ele mesmo foi co-fundador. Uma Igreja discípula e missionária sempre foi o sonho do Bispo Dom Hélder Câmara.
Além do homem da palavra da verdade que ele era, é preciso não esquecer de um dos principais alimentos de D. Hélder: a oração. Ele era um homem de oração. O horário preferido de D. Hélder para a oração era a madrugada. Ele fazia momentos de oração e reflexão pessoal a que ele mesmo chamava de “vigílias”. Entre as duas as cinco da madrugada estava ele em comunhão com Deus. Durante este tempo rezava, lia, estudava, escrevia, meditava... Criou este hábito deste quando foi ordenado presbítero. Este espírito orante fazia dele um homem pacífico e pacificador. Trabalhou incansavelmente pela construção da paz. Era devoto de São Francisco de Assis quando se falava de paz e devoto de São Vicente de Paulo quando se falava na caridade para com o próximo. Quem fosse ao encontro dele, encontrava um homem aberto ao diálogo. Ele transmitia uma paz muito grande, por meio das palavras e dos gestos durante a fala. Pessoalmente, quando assisto ao filme “D. Hélder Câmara, o santo rebelde”, fico muito emocionado. A leitura da vida deste profeta da esperança me estimula a continuar alimentando na minha personalidade e vocação, um novo jeito de ser Igreja. E isso não me é nem me será impossível. A oração fazia dele um homem sensível às misérias que assolavam e assolam a vida humana. A oração transformava-o num homem afetuoso e audacioso na promoção humana em favor dos desfavorecidos.
Deus é sapientíssimo ao fazer surgir no tempo oportuno, profetas como D. Hélder, Ir. Doroth Stang, D. Oscar Romero, D. Pedro Casaldáliga, D. Flávio Cappio, entre outros e outras que auxiliam no processo de conversão da Igreja, e conseqüentemente, na construção do Reino. O testemunho de vida dos verdadeiros santos e mártires de nossa Igreja, principalmente os de nossos dias, é a prova concreta de que o Espírito assiste a Igreja. Somos únicos e todos bebemos de um mesmo Espírito, por isso, ninguém está excluído da missão profética recebida no batismo. D. Hélder mostrou que o Espírito age na liberdade. E o testemunho episcopal dele proporcionou espaços de liberdade. Sobre ele, disse o teólogo Gustavo Gutiérrez: “Dom Hélder foi durante toda a sua vida um testemunho da esperança em meio as realidades que pareciam negá-la a cada passo”. E o teólogo José Comblin disse: “Dom Hélder foi um sinal visível de que às vezes o Espírito Santo pode manifestar-se na Igreja: recebe liberdade: ninguém o reprime para salvar as estruturas e salvar a lei. Pois o que o Espírito quer é a liberdade, ele foi e é um homem livre. Livre, isto é, cristão!” que o Espírito nos dê liberdade e na liberdade possamos viver e anunciar a Boa Notícia de Jesus, sem esquecer daquilo que São Vicente de Paulo também ensinava: “os pobres são os nossos mestres e senhores”. Um presbítero não aprende a ser missionário numa faculdade de teologia, mas aprende vivendo a vida dos pobres em meio aos pobres. É um desafio possível que só pode ser abraçado na liberdade do Espírito que nos encoraja na missão.


Tiago de França da Silva
Seminarista Lazarista
missionariotiago@hotmail.com

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