segunda-feira, 24 de março de 2008

O valor da religião

O filósofo e socialista alemão Karl Marx caracterizou a religião como o “ópio do povo”. Com essa expressão o filósofo quis dizer que a religião entorpece e cega o povo diante da realidade. Fazendo uma leitura crítica ainda veremos que Marx quer afirmar que a religião aliena as pessoas perante a realidade. Marx acredita que a religião só atrapalha na busca da igualdade entre as pessoas no que diz respeito à vivência dos princípios comunistas.
Não podemos crer que Marx esteja totalmente certo. Não se pode afirmar que a religião simplesmente aliena as pessoas e pronto! O escritor cristão Lactâncio (séc. IV d.C.), a palavra religião vem do latim religare e significa “ligar”, “prender”. Este mesmo escritor afirma que a religião liga os homens a Deus pela piedade. O filósofo Cícero (140 – 43 a.C.), vai dizer que a religião é um procedimento consciencioso, mesmo penoso, em relação aos deuses reconhecidos pelo Estado. É verdade que a função de religião é religar a criatura (homem) ao Criador (Deus). Esse religar dar-se por meio da fé. Esta fé é um dom gratuito de Deus e que tem por finalidade crer incondicionalmente a partir da vida. Ou seja, fé e vida estão ligadas. A religião serve então para trabalhar a vida do homem, fazendo com que este homem encontre Deus. Na teologia a piedade é entendida como um dos sete dons do Espírito Santo. Podemos simplesmente afirmar que a pela piedade o Espírito Santo nos dá o gosto de amar e servir a Deus com alegria. Pela piedade tem-se interesse pelas coisas divinas, cria-se certa intimidade com Deus, num relacionamento livre e consciente.
Na Idade Média a Igreja compreendia que o fim da religião era a salvação da alma. Nessa concepção Deus seria um Ser Supremo que viria buscar as almas por Ele criadas e levá-las ao paraíso. Assim sendo, a salvação era entendida como uma ação divina desencarnada deste mundo, ou seja, a idéia de Deus era de um Homem que vivia no mais alto dos céus, assistindo a este mundo, sentado em seu trono. Esta visão de religião e salvação alienou e perdeu a muitos, e infelizmente, ainda perdura em muitas Igrejas Cristãs de nosso tempo. Quando a Igreja Católica assim pensava, realmente esta cegava e alienava a muitos...
Há estudos em Teologia que visa quebrar essa visão ainda influente no mundo religioso. Segundo a nova concepção de religião, a idéia central é que esta tenha como função primordial a libertação das pessoas. Toda pessoa humana precisa de liberdade e dignidade para viver, e a religião tem o dever de promover a liberdade e a dignidade humana. Na prática esse dever não está sendo cumprindo. Para que se cumpra esse princípio de que a religião é sinônima de liberdade e dignidade, faz-se necessário que os sujeitos protagonistas da missão religiosa nas religiões tenham consciência do valor e do significado da verdadeira liberdade e dignidade. O Concílio Ecumênico Vaticano II (1962 – 1965) pede que as religiões sejam solícitas em promover a dignidade humana. A função da Igreja neste mundo é descrita no 4º parágrafo do documento Lumem Gentium nº. 8: “A Igreja ‘continua o seu peregrinar entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus’*, anunciando a paixão e a morte do Senhor, até que ele venha (cf. 1Cor 11, 26). No poder do Senhor ressuscitado encontra a força para vencer, na paciência e na caridade, as próprias aflições e dificuldades, internas e exteriores, e para revelar ao mundo, com fidelidade, embora entre sombras, o mistério de Cristo, até que o fim dos tempos ele se manifeste na plenitude de sua luz”. [* Santo Agostinho].
Conforme este documento o papel da Igreja e também da religião é revelar ao mundo o mistério de Cristo. Essa revelação se dá em meio às dificuldades, às perseguições, às aflições internas e externas, às sombras... Isto porque as Igrejas são formadas por seres humanos, propensos ao erro. Portanto, o pecado da religião é retirar a liberdade de filhos e filhos de Deus das pessoas. E isso infelizmente acontece. Mas, este pecado não pode ser generalizado. Pois, em meio a tanta opressão religiosa, há sinais de liberdade e libertação. Há dirigentes comprometidos na construção do Reino de Deus neste mundo. Quando tomamos consciência dos valores morais, éticos e cristãos, dificilmente nos deixaremos oprimir por falsos profetas e falsas promessas que acarretam sofrimentos, alienação, opressão. Todo bom cristão denuncia a falta de fé a opressão religiosa praticada por nossas Igrejas. Fiquemos certos de que quando nos sentimos livres em nossa profissão de fé em nossas Igrejas, é sinal de que estas estão nos oprimindo, consciente ou inconscientemente. A missão da religião deve ser religar o homem a Deus, e não ligar as pessoas a interesses puramente humanos e financeiros através da boa fé e da piedade. Demos graças a Deus porque temos muitos profetas e profetisas que denunciam este absurdo. Estes, por sua vez, são caluniados e perseguidos.
Há teólogos que afirmam sem sombra de dúvidas que Jesus não fundou religião. Dessa forma, não podemos afirmar que fora desta não há salvação. A salvação não depende da pertença à religião ou Igreja, mas a fé que se pode ter em Deus mesmo fora das mesmas. Isso é possível a partir de um encontro pessoal com Deus, da vivência da fé. A Bíblia afirma seguramente que a fé salva o homem. Se cremos somos salvos. Mas este crer precisa ser concreto, responsável, consciente. O convite que fica é que independentemente de nossa crença, religião ou Igreja, somos convidados a crer na transformação do mundo não somente pela fé, mas pela prática da fé. A fé leva-nos a prática do amor fraterno. Um amor que transforma nossa vida e o mundo no qual vivemos. Se todas as pessoas que têm fé realmente vivessem o mandamento do amor, com certeza o mundo seria diferente. É importante que a transformação do mundo comece a partir de nós, cada um está convidado a agir conforme a lei do amor. Se cada um fizer sua parte o mundo em breve será diferente. Isso é possível, só depende de nós!


Tiago França Silva
Seminarista Lazarista
missionariotiago@hotmail.com

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