sábado, 26 de abril de 2008

A fé e o sentido da vida

O ser humano sempre buscou dar sentido às coisas e à vida e tem encontrado muitas respostas às suas inquietações e dúvidas. A vida doada por Deus é um mistério de amor. Na sua essência, Deus é vida e amor. Ele nos comunicou a vida segundo seu querer benevolente para sermos semelhantes a ele e sermos felizes. A vida é um mistério complexo e gratificante. Complexo porque abrange um todo no universo. Em todo lugar há vida e onde há vida aí está Deus. Todo sinal de vida é a manifestação da presença de Deus no mundo. E cada pessoa, enquanto vida no mundo, precisa cuidar de si e dos outros, perpetuando assim o dom da vida. Ao dar vida ao homem e aos seres na terra, Deus estava transmitindo e partilhando aquilo que ele é em si. Por isso, se temos vida, temos Deus e se temos Deus somos sagrados, porque Deus é sagrado. Nesta visão, toda pessoa é sagrada e não importa sua condição de vida, sua crença ou seu pensamento a respeito de Deus. Não importa quem a pessoa é, ela é sagrada porque é imagem e semelhança de Deus. O ser humano nasceu com a capacidade de amar e é esta capacidade que o faz cuidar da vida que recebeu de Deus. Quem ama cuida. O cuidado é um dom precioso para nos mantermos vivos. A pessoa que não se cuida dificilmente vive bem. E quem não se cuida dificilmente poderá cuidar dos outros. Na atual reflexão teológica sobre a vida fala-se numa teologia do cuidado, que é a reflexão voltada para o cuidado com a vida da pessoa e do planeta terra. Ultimamente, o frade Leonardo Boff é um dos que têm mais pensado nesta questão. Em nossos dias torna-se urgente chamar a atenção da população mundial a respeito da promoção e da preservação da vida, pois se não cuidarmos de nossa casa comum morreremos fatalmente, pois há um limite de exploração dos recursos que sustentam a vida humana. A ação humana parece nos convencer que a natureza é inesgotável e que podemos usufruir do jeito que quisermos, quando e quanto quisermos, mas as manifestações catastróficas de nossos dias estão provando o contrário. O grande pecado social da humanidade é agressão que vem fazendo à nossa mãe natureza, pois esta nos sustenta e nos governa.
Crer na força da vida é promover e defender a vida. A destruição da vida em nossos tempos, muito mais que em outras épocas, trata-se de uma ação autodestrutiva consciente, ou seja, o homem está consciente de suas más ações e pecados, ele está agindo de má fé de forma propositada. Não há nenhum inocente no processo atual de destruição da terra. O dado curioso é que quanto mais se debate e se discute os perigos das ações antrópicas sobre a natureza, parece que mais nocivo a si mesmo o homem se torna... Como explicar isso? A ambição do ter e do poder deve ser uma boa explicação para essa situação desumana. O poder, o prestígio e a riqueza cegam o homem diante de realidade. O que está por trás da tecnologia e o conforto que esta pode oferecer é o ter e o poder. O homem acha que pode ser como Deus: pode todas as coisas (auto-suficiência exacerbada). A tecnologia só aceita em termos de fé quando ela promove e defende a vida do homem, pois do contrário torna-se a desgraça da humana, porque gera exclusão e morte. A tecnologia é um mal porque é acessível a poucos e também porque se tornou um grande meio de exploração da pessoa. Quantas pessoas em nossa sociedade que estão desumanizadas e se desumanizando por causa da tecnologia. Esta tem reproduzido pessoas e relações superficiais e aí a falsidade tem sido a regra de muitas relações.
Onde a fé entra nessa história e nesse processo? A fé é a capacidade dada por Deus de amar a vida. Amar a vida e viver amando é o grande exercício de nossa fé cristã, pois toda mensagem cristã ensinada por Jesus encerra-se no amor a Deus e ao próximo com a si mesmo. A Escritura Sagrada diz: “...escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e teus descendentes, amando ao Senhor teu Deus, obedecendo à sua voz e apegando-te a ele, pois ele é a tua vida...” (Dt 30, 19 – 20). Segundo esta citação o primeiro passo é escolher a vida. Diante de seus olhos a pessoa tem a vida e a morte. Depois, o texto pede que amemos o Senhor nosso Deus. Ter Deus acima de qualquer coisa, acima de todas as coisas, amá-lo sem medidas. O terceiro pedido da citação é obedecer a voz de Deus. Escutar a voz de Deus é tornar-se disponível ao serviço fraterno. E por último, apegar-se a Deus. Viver junto dele, apesar dos pesares da vida. Isso é ter fé. Quando agimos conforme pede a citação bíblica com certeza encontraremos o sentido da vida, porque a nossa vida é Deus e está em Deus. Diante desta reflexão questiono: por que o pai e madastra da pequenina Isabella Nardoni agiram daquela forma? Por que os latifundiários do Estado do Pará querem matar os Bispos que promovem e defendem a vida?... Aprendamos com a vida, pois ela é nossa mestra. E nunca esqueçamos: segundo Jesus, a lei que rege a vida do cristão é o amor.


Tiago de França da Silva,
Seminarista Lazarista

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Teologia da Libertação: viva ou morta?

O que é Teologia? A palavra em si quer dizer “estudo de Deus”. A Teologia é uma forma sistemática de explicar a fé a partir da razão e da realidade. A razão é a capacidade humana de refletir sobre a realidade e as coisas. É uma busca incessante da verdade. O que seria então uma reflexão teológica? Em seu livro Teologia da Libertação, o teólogo Gustavo Gutiérrez afirma: “A reflexão teológica seria então, necessariamente, uma crítica da sociedade e da Igreja enquanto convocadas e interpeladas pela Palavra de Deus; teoria crítica, à luz da Palavra aceita na fé, animada por intenção prática, portanto indissoluvelmente unida à práxis histórica”. Este conceito aponta-nos uma afirmação importantíssima para o fazer teológico: teoria crítica à luz da Palavra. Assim sendo, a reflexão teológica leva a pessoa a refletir sobre a vida e sobre o mundo em sua totalidade. A verdadeira Teologia leva a pessoa à uma ação livre e consciente na sociedade em que vive, atuando na transformação necessária dos padrões de vida que oprimem o gênero humano, do contrário não temos Teologia, mas positivismo dogmático.

O positivismo dogmático é o fazer teológico sem compromisso com a vida do mundo. Trata-se de uma reflexão teológica desvinculada da realidade. Podemos caracterizar e afirmar que o positivismo dogmático leva ao orgulho dogmático ou sistemático e à legitimação da instituição eclesiástica. No positivismo dogmático a Teologia existe em função da instituição. O grande mal do positivismo dogmático é a cegueira ocasionada por ele. Quem se submete a este tipo de reflexão teológica torna-se “cego” diante da realidade, negando-a e desligando-se dela, ou seja, pensa a fé a partir dos dogmas e de verdades sem fundamentação na realidade. A ausência da Filosofia na Teologia causa o positivismo dogmático. Uma afirmação simples que explica tudo: “eu tenho fé, mas não sei como ela é; creio, mas não entendo”, ou seja, é como se fosse uma fé sem razão em si mesma.

Onde nasceu a Teologia da Libertação (TdL)? O professor e coordenador do Centro de Estudos Anglicanos, Carlos Eduardo B. Calvini, afirma: “A Teologia da Libertação não nasceu nos gabinetes das grandes faculdades teológicas européias ou norte-americanas, mas na experiência de luta pela sobrevivência na América Latina”. Após o Concílio Vaticano II toda a Igreja, e principalmente a Igreja Latino-americana optou radicalmente pela transformação da sociedade buscando instituir uma nova maneira de ser Igreja no mundo. Isso custou o sangue a vida de muitos... A Igreja pensou em mudanças, mas não teve a coragem de colocá-las em prática. As mudanças ocorreram em alguns aspectos e lugares, mas em outros tudo ou quase tudo permaneceu do mesmo jeito. A TdL nasceu a partir da experiência de luta. Nasceu e permaneceu como realidade desburocratizada, sem protocolos nem dogmatismos. Assim como Jesus não veio abolir a lei, a TdL não veio abolir as preocupações dogmáticas ou sistemáticas. A TdL nasceu com preocupações éticas e pastorais. O grande lema da TdL é a opção preferencial pelos pobres. O pobre é o lugar teológico, ou seja, se faz Teologia da Libertação a partir do processo de libertação integral do ser humano. A reflexão sobre a pobreza na TdL não se reduz unicamente ao aspecto econômico, pois sabemos que a opressão tem várias faces. Após vinte anos de reflexão teológica a TdL chegou a conclusão de que era preciso uma pastoral libertadora da classe média, pois se chegou à consciência de que a libertação deve alcançar a todos, não apenas aos oprimidos, mas também aos opressores ou aos que se beneficiam da opressão.

Com a eleição de João Paulo II ao papado da TdL começou a ser vigiada e seus representantes, perseguidos. A Congregação para a Doutrina da Fé foi assumida pelo teólogo alemão Joseph Ratzinger, hoje, Bento XVI. Surpreendentemente, oriundo da teologia lema – famosa em seus aspectos protestantes-, o alemão foi intransigente, e em meados doa anos oitenta, obrigou o frade menor Leonardo Boff a sentar-se na cadeira daqueles que são vistos e julgados como “subversivos”, condenado-o ao silencio obsequioso por causa do livro “Igreja, Carisma e Poder”, uma avaliação critica sobre a estrutura da Igreja. João Paulo II também não tolerou as Comunidades Eclesiais de Base reorganizando os seminários e as dioceses. A nomeação dos novos Bispos também começou a ser mais cauteloso, evitando assim novos Bispos como Hélder Câmara, Oscar Romero, Pedro Casaldáliga, Luciano Mendes de Almeida, entre outros. Diante disso, o Papa começou a dar abertura e aprovação pontifícia a movimentos mais conservadores e poucos críticos, destinados a atrair pessoas de volta à Igreja, tais como a Renovação Carismática Católica, Focolares e Comunidades de Vida Apostólica voltadas para a classe média. Na formação seminarística, boa parte dos atuais seminaristas e futuros padres da Igreja pouco conhecem dos fundamentos teóricos e metodológicos da TdL. A Teologia Tradicional da formação presbiteral é pouco aberta às relações ecumênicas (e isso explica a dificuldade no ecumenismo com outras Igrejas e credos), centrada no fortalecimento da instituição eclesiástica, de forte ênfase convensionista, recheada por uma densa camada de pietismo.

A TdL não foi totalmente condenada. A Igreja, na pessoa do Papa João Paulo II reconheceu alguns aspectos importantes. Alguns Bispos, entre os quais estão os citados acima, foram grandes defensores e protagonistas da TdL junto à Cúria Romana e ao povo de Deus, através do exercício pastoral no episcopado. O clero se dividiu e em algumas dioceses, a maioria optou pela TdL. Optar pela TdL não significa renunciar ao sacerdócio ministerial desligando-se da instituição ou mesmo quebrar o voto de obediência, mas colocar em prática a opção de Jesus. A TdL nasceu para dizer à Igreja e ao mundo que os pobres existem e que precisam de libertação. A TdL existe para afirmar que o capitalismo mata e que a promoção da vida na terra é uma questão de urgência. A TdL nasceu para lembrar à Igreja que Jesus está na pessoa dos oprimidos e sofredores deste mundo. A TdL é acusada de fazer político junto aos pobres, e há ainda os que afirmam ser ela um movimento político que fez um mal à Igreja desvirtualizando-a. Quem assim afirma é porque não conhece a verdadeira intenção da TdL, ou seja, criticam o que não conhece, logo se trata de uma crítica inválida, porque não tem fundamentação. A TdL entende que a fé e vida são inseparáveis e que a salvação do ser humano é a comunhão do homens com Deus e entre si, que orienta, transforma e leva a história à sua plenitude. E o pecado não é outra coisa senão essa quebra de comunhão do homem entre si e Deus.

A Teologia da Libertação não morreu. Ela está viva na Igreja e por meio da Igreja. Há um hino que diz: “Igreja é povo que se organiza, gente oprimida buscando libertação”. Enquanto esta Igreja estiver presente no mundo, a TdL também estará presente. Enquanto houver os pobres entre nós a Teologia da Libertação estará refletindo sobre eles e a partir deles, pois se acredita que Jesus está presente neles e converte a Igreja a partir deles. O teólogo Jon Sobrino ensinou que o Ressuscitado é o Crucificado, com essa afirmação ele quis dizer que a Igreja tem a missão de promover a dignidade humana das pessoas, especialmente os pobres. Se ela foge dessa missão, nega sua essência e sua razão de ser Igreja. Finalizo a presente reflexão com um outro conceito de salvação na TdL segundo Gustavo Gutiérrez: “Salvar-se é alcançar ao plenitude do amor, é entrar no circuito de caridade que une as pessoas trinitárias; é amar como Deus ama. O caminho que leva a essa não pode ser outro que o do próprio amor, o da participação nessa caridade, o de aceitar, explícita e implicitamente, dizer com o Espírito: ‘Abbá, Pai’” (Gál 4, 6). Queria perguntar aos ultraconservadores: onde estão os aspectos heréticos que contradizem a fé cristã na Teologia da libertação?...



Tiago de França da Silva

Seminarista Lazarita

domingo, 6 de abril de 2008

III Domingo da Páscoa (breve reflexão)

O texto do Evangelho de hoje (Lucas 24, 13 - 35)nos trás duas informações importantes, a saber:
- Jesus caminha com os discípulos de Emaús e
- Os discípulos reconhecem Jesus no partir do pão.
Se fizermos uma leitura atenta do texto veremos que Jesus, propositadamente, caminha com os discípulos para ver se eles o reconhecem. Isso não ocorre. Depois, Jesus pergunta sobre o que eles estavam conversando. Eles param e respondem olhando para Jesus, mas ainda não o reconhecem. Jesus parte para outra "estratégia": explica para eles as passagens das Escrituras Sagradas que falavam a seu respeito, mas os discípulos ainda não o reconhecem. Lucas vai dizer que eles estavam como que cegos. Os discípulos esperavam que Jesus fosse libertar Israel na condição de chefe político. Mas Jesus decepcionou a todos neste sentido. Jesus foi um profeta e como Filho de Deus nada fundou neste mundo: nem reino, nem religião, nem sinagogas... Não construiu nada, a não ser o grupo dos doze que formou para a missão de anunciar a Boa Nova que é Ele mesmo. A cegueira dos discípulos era a falta de entendimento quanto a missão de Jesus, ou seja, eles não entendiam o projeto de Jesus, apesar de tudo quanto viram e ouviram. Mesmo Jesus dizendo que iria ressuscitar, mas não acreditaram... Mesmo as mulheres testemunhando a Ressurreição, mas não acfeditaram... Isso prova a dificuldade que as pessoas têm de crer em Deus. Jesus coloca-se na condição de mestre (aquele que ensina) justamente para facilitar a compreensão e a conversão dos discípulos, mas os corações humanos dos mesmos estava fechado pela tristeza e desolação do momento. Jesus se faz presente na tristeza e desulusão de seus discípulos, porque sabia e sabe muito bem de que o ser humano é feito... A figura de Tomé em outro texto mostra muito bem a dificuldade de se crer naquilo que a rezão não sabe explicar. A doutrina de Jesus não é racional. Trata-se de uma experiência de vida muito simples de ser entendida, porque se dá na simplicidade e humildade.
Os discípulos só reconhecem Jesus na partilha do pão. Quando Jesus senta à mesa com eles, então passam a saber que o homem é Jesus. Creio que o gesto da partilha do pão era muito frequente entre eles. Depois de ser reconhecido Jesus desaparece do meio deles, e eles se perguntam: "Não estavam os nossos corações ardendo quando ele nos explicava as Escrituras?" A Palavra de Jesus aquece o coração de quem o segue. A Palavra de Jesus nos liberta do medo e da alienação, que são duas coisas que nos impedem de ser verdadeiros missionários. Sabemos e cremos que Jesus continua caminhando conosco e com seu povo. Precisamos evangelizar as pessoas fazendo com que entendam e creiam que Jesus nunca abanodonou e nem vai abandonar seu povo. Em Cristo, Deus se fez, se faz e sempre se fará presente no meio de seu povo. Precisamos nos curar de nossa cegueira, que nos impede de ver e reconher Jesus. Fica estas perguntas para a meditação da semana:
- Estamos convictos de que Jesus caminha conosco todos os dias e momentos de nossa vida?
- Onde Jesus se faz presente nos dias de hoje?
- Estou reconhecendo Jesus na partilha do pão na comunidade?

Boa semana e muita paz!