quinta-feira, 11 de junho de 2009

Eucaristia, banquete da vida


“Tomai, isto é meu corpo. Isto é o meu sangue,
o sangue da aliança, que é derramada em favor de muitos” (Mc 14, 22.24).

Desde o século XIII, na quinta-feira após a Solenidade da Santíssima Trindade, a Igreja celebra a Solenidade de Corpus Christi. É a celebração da paixão, morte e ressurreição de Jesus, com ênfase na sua presença real na Eucaristia. Jesus se faz presente nas espécies do pão e do vinho e dar-se como alimento que fortalece a caminhada do povo de Deus. Esta presença eucarística de Jesus faz cumprir aquilo que ele mesmo disse no seu Evangelho: “Eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!” (Mt 28, 20). Com isto, temos a plena certeza que não somos órfãos, não estamos abandonados, mas o Pai em Jesus e no Espírito permanece conosco. Deus comunga de nossa vida e nós comungamos da vida de Deus.

A nossa participação na Eucaristia levanta alguns questionamentos que nos levam a compreender melhor o mistério que celebramos em cada Missa, a saber: Por que comungar? Como comungar? Quem pode comungar? Pensemos a resposta a tais indagações a partir do Evangelho de Jesus, justo e misericordioso. Disse Jesus: “Os sãos não tem necessidade de médico e sim os doentes; não vim chamar justos, mas sim os pecadores, ao arrependimento” (Lc 5, 31 – 32). Falar de justo e pecador é levar o doença para o nível espiritual da vida humana. Os nossos pecados nos deixam doentes diante de Deus. O pecado é uma doença do espírito. Jesus não veio para os justos, afinal de contas, quem é justo diante de Deus?... Essa justificação não pode ser sinônimo de isenção de pecado, pois quem está isento do pecado?... Somos pecadores, esta é a nossa condição. O pecado age como que imperativamente em nossa vida, como nos ensina o apóstolo Paulo de Tarso: “Realmente não consigo entender o que faço; pois não pratico o que quero, mas faço o que detesto” (Rm 7, 15). Jesus veio para os injustos e são estes que são chamados para participar da Ceia do Senhor.

Por que comungar? Esta pergunta nos leva a pensar nas verdadeiras motivações que nos levam a comungar. Seria muito bom se todos que comungam procurassem saber das motivações para a participação eucarística, pois quando não nos perguntamos, nossa participação no Sacramento torna-se mecânica. A mecanicidade da participação não invalida o sacramento, pois Jesus está presente, mas invalida a nossa vida de fé. Quem participa por participar não alimenta um compromisso com a Eucaristia. Esta falta de compromisso não gera conversão. A pessoa comunga, mas não muda nem progride na vida espiritual. No campo das motivações há dois equívocos gravíssimos a seres revistos: o primeiro refere-se às pessoas que comungam em função dos próprios pecados, ou seja, há pessoas que comungam somente para se libertarem de seus pecados, como se a finalidade da Eucaristia fosse somente para o perdão dos pecados. Quando se tem o pecado como motivação maior, pode-se até ficar sem comungar, pois a pessoa se sente indigna de participar do Corpo e Sangue de Cristo. Se olharmos bem a realidade de nossas Missas veremos que muitas pessoas se recusam a receber a Eucaristia porque se sentem pecadoras e indignas do Corpo do Senhor. Infelizmente, temos ministros e presbíteros que reforçam tais sentimentos quando avisam com voz forte nas igrejas: “Venham comungar os que estiverem preparados”. Este viso é contraditório diante da oração que pronunciamos antes de comungar: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo”. Quem é digno de receber o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo? Ninguém! Comungamos porque Deus é bom e misericordioso e porque nos amou primeiro.

Como comungar? Esta questão nos remete à Celebração do mistério eucarístico. Analisando bem nossas Missas, estas estão se tornando cada vez mais espetáculos e isto não é bom. Não vale brincar de celebrar a Eucaristia nem fazer teatro na Missa, pois isto irrita e impacienta a assembléia orante. Há presbíteros, que infelizmente, buscam dramatizar o Evangelho, tornando a Celebração num verdadeiro espetáculo de fé. Em outros casos, em um show da fé como vive e ensina o missionário protestante R.R. Soares. Isto é muito triste, porque encobre o verdadeiro sentido da Celebração Eucarística. A humildade e a simplicidade não devem fazer parte somente da conduta cristã das pessoas, mas também de nossos atos litúrgicos. A Celebração Eucarística não pode se tornar num momento insuportável na vida das pessoas, como já acontece com alguns cristãos praticantes. É triste saber de fiéis que buscam participar das Missas de outras comunidades, porque não suportam mais as Missas, ora barulhentas, ora extensas demais, em sua comunidade. Alguns excessos precisam ser cortados, porque andam afastando muita gente deste momento sagrado na vida de fé. Não são os cantos emotivos e os paramentos litúrgicos que apresentam o sentido da Celebração, mas a simplicidade e a humildade na celebração da Palavra e da Eucaristia, que constituem a Missa. Cantos com letras que estejam em plena sintonia e paramentos que prezam pela simplicidade da beleza tornam a Celebração mais alegre e agradável. Tudo deve transparecer a glória de Deus e não nossas aparências chamativas.

Quem pode comungar? Disse Jesus: “Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10). Jesus não veio a este mundo remir algumas pessoas ou para um grupo de pessoas em particular. A salvação oferecida por Jesus é universal. Ele veio para todos. Agora, se nem todos serão salvos, aí é outra questão. Se nem todos acolhem Jesus em suas vidas, o problema não é de Jesus. Ninguém é proprietário de Jesus, ele é universal. Todos podem ter acesso a Jesus e por meio dele podem ter acesso a Deus. Jesus deu-nos vida com sua vida. A Eucaristia é o próprio Jesus dando-se a nós como alimento. Toda pessoa precisa se alimentar para viver. Todos precisam receber Jesus para ter a vida eterna, pois assim ele disse: “Quem come a minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6, 54). Todos são convidados para participar da vida divina no Sacramento da Eucaristia. Ninguém pode impedir a pessoa de comungar, pois ninguém pode impedir a pessoa de se aproximar de Jesus, pois o mesmo Cristo diz: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba” (Jo 7, 37). Toda pessoa que segue Jesus precisa recebê-lo na Eucaristia. Ninguém pode ser excluída da mesa eucarística, do altar do Corpo do Senhor.

Jesus é nosso alimento. Para darmos continuidade à construção do Reino, este santo e sublime alimento deve fazer parte de nossa vida. Jesus está em nós e nós em Jesus quando o recebemos na Eucaristia. Nossa participação na Eucaristia nos mantém unidos a Jesus. Assumirmos o compromisso com os valores do Reino de Deus: amor, justiça, solidariedade, perdão, acolhida, hospitalidade, partilha, amizade, compaixão, respeito, paz etc. é comungar da vida divina na Eucaristia. Quando nos recusamos a nos comprometer com a justiça do Reino de Deus, então nos tornamos indignos do Corpo do Senhor e a nossa participação na Eucaristia torna-se mecânica. Não podemos separar participação eucarística e compromisso com o Reino de Deus, pois é para construirmos o Reino que precisamos comungar. Esta é a nossa vocação e missão. Que Jesus eucarístico nos converta e nos ponha em seu caminho, caminho de justiça e de paz para todo gênero humano criado à imagem e semelhança de Deus. Que nossa participação na Eucaristia fortaleça em nós nossa capacidade de amarmos a Deus e ao próximo como a nós mesmos.


Tiago de França da Silva

2 comentários:

César Colera Bernal disse...

Excelente texto, Tiago - claro, bem estruturado, didático e profundo. O li com muito prazer e, espero, proveito. As suas são teses alinhadas com o Evangelho, em sintonia com boa parte dos bispos e doutores da Igreja universal, mas, infelizmente, em pugna ainda com a disciplina eclesiástica, especialmente no que se refere ao "quem pode comungar". A instituição eclesiástica tem se manifestado excessivamente severa nesta questão, ficando a dever ao espírito de perdão e acolhimento incondicionais que deve presidir suas decisões. Confio em que sua geração, naturalmente mais aberta, saiba nisto reconduzir a Igreja à caridade, não negando o alimento aos que precisam dele. Afinal, se o problema todo é o "escândalo" que o pecador comungante causa na assembléia que o vê, deveríamos nos perguntar: o que constitui maior escândalo, o que provoca aquele cujo pecado o separou da comunidade e, mesmo assim, aproxima-se à comunhão, ou o que a comunidade provoca ao fechar as portas aos que buscam as forças, no alimento do espírito, para a reconciliação?

César

Tiago de França disse...

Caro Prof. César,
obrigado pela leitura e por ter se identificado com as idéias expressas. Confio e peço a Deus que a nova geração de presbíteros tenha em mente a misericórdia e o acolhimento numa Igreja em crise perante o mundo.

Abraços!