sexta-feira, 19 de junho de 2009

A missão do presbítero na pós-modernidade


Com esta breve reflexão pretendo refletir um pouco sobre a missão do presbítero no mundo atual. Quero partir de uma simples análise da figura do presbítero na Igreja e da realidade de nossos dias. O que me motiva a escrever sobre tal temática é a convocação do Ano Sacerdotal (19/06/2009 a 19/06/2010), pelo Papa Bento XVI, por ocasião do 150º aniversário de morte de São João Maria Vianney, o Cura de Ars, que será proclamado padroeiro de todos os sacerdotes do mundo.

“Com efeito, o sacerdócio ministerial, pelo seu poder sagrado, forma e conduz o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo e oferece-o a Deus em nome de todo o povo; os fiéis, por sua parte, concorrem para a oblação da Eucaristia em virtude do seu sacerdócio real, que eles exercem na recepção dos sacramentos, na oração e ação de graças, no testemunho da santidade de vida, na abnegação e na caridade operosa” (Lumen Gentium, n. 10). As palavras deste importante documento conciliar mostram a relação que deve haver entre o sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum, onde o primeiro está a serviço do segundo. O presbítero é chamado a “fazer as vezes de Cristo”, ou seja, imitá-lo. O n. 209 do Documento de Aparecida, confirmando o que disse Lumen Gentium n. 31, afirma: “Os fiéis leigos são ‘os cristãos que estão incorporados ao Cristo pelo batismo, que formam o povo de Deus e participam das funções de Cristo: sacerdote, profeta e rei. Realizam segundo sua condição, a missão de todo o povo cristão na Igreja e no mundo’”.

Citei o sacerdócio comum dos fiéis no parágrafo anterior porque sem este não se entende o sacerdócio ministerial, isto porque o presbítero não existe para si mesmo nem em função da hierarquia da Igreja, mas em função do serviço ao povo de Deus e ao mundo. Isto significa que nenhum presbítero pode pensar ou querer ser superior ao povo de Deus, porque o seu ministério está para o serviço e não para a autoridade. É preciso lembrar o que disse Jesus no Evangelho: “Sabeis que os governadores das nações as dominam e os grandes as tiranizam. Entre vós não deverá ser assim. Ao contrário, aquele que quiser tornar-se grande entre vós, seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o vosso servo” (Mt 20, 24 – 27). Com este ensinamento, Jesus quer nos dizer que a autoridade do apóstolo está no serviço, da mesma forma, a autoridade do presbítero está no serviço que o mesmo deve prestar ao povo de Deus. O pai de Dom Hélder Câmara, antes deste ingressar na formação do Seminário da Prainha, disse-lhe: “Meu filho, ser padre é coisa muito séria; padre e egoísmo não se unem”. O pai de Dom Hélder, no momento em que pronunciou este sábio ensinamento era maçon e não era um praticante da religião. O egoísmo não pode fazer parte da vida do presbítero.

O mundo atual está em crise. As notícias nos mostram a situação do mundo. O sistema capitalista neoliberal tem levado o homem à morte. Os sinais de morte são muito fortes. A destruição da natureza tem provocado catástrofes horríveis e virão muitas outras no futuro próximo. A pessoa humana está perdendo cada vez mais sua dignidade, pois está valendo muito pouco. As ideologias são muitas e estamos num tempo de confusão. Os valores éticos e morais estão se tornando relativos e o homem proclama cada vez mais sua independência em relação a Deus. As injustiças sociais se acentuam e os direitos humanos e a cidadania estão sendo esquecidos. Pode parecer uma visão pessimista ou antimodernista da realidade, mas não é, pois é isto que assistimos em nossos dias. Não podemos fechar os olhos diante de tanta fome, violência, desemprego, doenças, etc. O desespero leva muitas pessoas a perderem a esperança num mundo possível, mais humano e fraterno. O ex-frade e teólogo Leonardo Boff, que ultimamente tem se voltado para a Ecoteologia, tem dito que a pior das crises a que estamos submetidos refere-se à crise de humanidade. O homem está perdendo a sensibilidade diante da vida e está agonizando no “salve-se quem puder”. Diante desta situação, pergunto: Qual a missão do presbítero?

A Igreja deve está a serviço do mundo, pois está inserida no mundo e sua missão é no mundo. O presbítero precisa ter a plena consciência de que não foi ordenado para viver uma realidade metafísica, ou seja, longe ou fora da realidade do mundo. A espiritualidade cristã não está voltada para as nuvens, mas para a vivência do amor neste mundo criado por Deus. Há presbíteros que vivem fugindo do mundo e das pessoas. Como pode exercer sua missão fugindo da realidade? Abraçar o ministério ordenado não é renunciar ao mundo, como muitos pensam, mas guiado pelo Espírito de Deus, que sonda todas as coisas e encoraja-o, o presbítero é convidado a dar testemunho do Evangelho vivendo a vida comum, inserido no mundo, a exemplo de Jesus Cristo, que deixando a morada do Pai nas alturas, encarnou-se no mundo e neste remiu-nos, salvou-nos e inaugurou para nós, o Reino de Deus.

Há três conselhos evangélicos que todo presbítero, seja religioso, seja diocesano, precisa observar: a obediência, a pobreza e a castidade no seguimento de Jesus Cristo. Num mundo onde reina a revolta, à intolerância, o desrespeito, o presbítero é chamado a dar testemunho de obediência à vontade de Deus. Na Igreja, o presbítero é convidado a obedecer aos seus superiores, porque estes devem levar o mesmo ao pleno cumprimento da missão nas funções a ele confiadas. Todo presbítero promete obediência, os superiores devem lembrá-lo sempre desta promessa nos momentos em que ela correr o risco de ser quebrada. A obediência não tem a finalidade de diminuir ou humilhar o presbítero no exercício de seu ministério, mas ajudar-lhe no seu amadurecimento pessoal. Ela deve levar o presbítero a realizar em sua vida a vontade de Deus. A obediência não está para atender aos caprichos dos superiores, que detêm a autoridade.

Diante de um mundo onde o prestígio, o poder e a riqueza regem as relações e constroem uma sociedade individualista, corrupta e hipócrita; o presbítero é convidado a ser um homem pobre. Jesus e os doze apóstolos eram homens pobres. O presbítero ser um homem pobre sempre foi um desafio na vida da Igreja. O presbítero, pela Sagrada Escritura, deve ser um operário da vinha do Senhor. E um operário trabalha. O trabalho deve fazer parte da vida do presbítero. É verdade que o presbítero deve ter os meios necessários para o exercício da missão, mas aquilo que é supérfluo é desnecessário. Um presbítero não pode ser rico porque ele vive para o serviço do povo de Deus e para servir não precisa ser rico. A riqueza atrapalha porque ocupa e preocupa o presbítero na manutenção da mesma. Todo homem rico procura manter sua riqueza, porque não aceita ficar pobre e também porque a sociedade prega que pobreza é sinal de maldição. Precisamos discernir entre pobreza e miséria. Jesus privilegia os pobres no anúncio no Evangelho. Isso não quer dizer que a miséria é vontade ou criação divina, afinal de contas, Deus não criou o mundo sem a natureza, fonte de toda riqueza. Um presbítero pobre é aquele que tem onde dormir, o que comer e o que vestir. Basta ao presbítero ser como os pobres, estes irão escutá-lo e acolhê-lo com seriedade e alegria. Uma vida humilde é necessária.

Diante de um mundo erotizado, dado à depravação, em que a pessoa torna-se objeto de desejo sexual e o aliciamento é presença forte no cotidiano da sociedade, o presbítero é chamado a ser casto. Na Igreja, o celibato aparece como um dos meios de se viver a castidade. A castidade deve está ligada à pobreza. O presbítero celibatário e rico é uma aberração! É impossível não dizer que um presbítero rico não seja egoísta, pois adquire e mantêm só para si os bens que possui. Uma vez orientado para aceitar e viver o celibato, o presbítero precisa unir a sua vida à de Cristo e vivê-la na maturidade, alegria e dedicação. O celibato só é possível quando por meio dele o presbítero procura ser santo e na santidade de vida, procura servir ao povo de Deus com toda humildade, simplicidade e despojamento; do contrário, é impossível agradar a Deus em tal condição.

É preciso que a Igreja repense o perfil e o ministério do presbítero para o nosso mundo atual. E aqueles que se sentem chamados a tal ofício devem saber que o serviço, que se vive no amor gratuito, é a centralidade da vida presbiteral, assim como o foi na vida de Jesus (cf. Mt 20, 28).


Tiago de França da Silva, seminarista lazarista.

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