quarta-feira, 24 de junho de 2009

Natividade de São João Batista


João foi o profeta que preparou o povo para acolher Jesus e o batizou no rio Jordão. João nasceu de um ventre idoso e inicialmente estéril. Seu pai era sacerdote zeloso do templo. A respeito deste e de Isabel, a mãe de João, diz Lucas 1, 6: “Ambos eram justos diante de Deus e, de modo irrepreensível, seguiam todos os mandamentos e estatutos do Senhor”. A fidelidade do casal idoso, Zacarias e Isabel, agradava a Deus que os fez férteis como um casal de esposos jovens. O dia de nascimento de João Batista foi motivo de medo e de admiração para toda a comunidade. Primeiro, porque devido o pai ter duvidado da palavra do anjo, ficou mudo até o nascimento do menino. Segundo, porque o nome do menino não tinha ligação alguma com a parentela do casal. E todos se perguntavam: “O que virá a ser este menino?” (Lc 1, 66). No mesmo versículo o médico Lucas declara: “De fato, a mão do Senhor estava com ele”. O profeta João foi um homem enviado por Deus com a missão de preceder Jesus no anúncio do advento do Reino de Deus.

João era um profeta e dos mais importantes que existiu até então. Quem é João? Jesus responde abertamente às multidões: “Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Mas que fostes ver? Um homem vestido com vestes finas? Ora, os que usam vestes suntuosas e vivem em delícias estão nos palácios reais. Então, que fostes ver? Um profeta? Eu vos afirmo que sim, e mais que um profeta. É dele que está escrito: ‘Eis que eu envio meu mensageiro à tua frente, ele preparará o teu caminho diante de ti’ (Ml 3, 1). Digo-vos que dentre os nascidos de mulher não há maior do que João; mas o menor no Reino de Deus é maior do que ele” (Lc 7, 24 – 28). Interessante como Jesus dá ênfase à pobreza material do profeta João, que era um testemunho vivo de denúncia contra as suntuosidades dos palácios dos reis.

O profeta é um homem da palavra e do gesto. João tinha as duas coisas. A mão de Deus está com o profeta. Este não tem medo de nada. Como disse Leonardo Boff a respeito de Dom Hélder Câmara: “Um profeta não pode ter amor a seu pescoço”, ou seja, é um homem preparado para o martírio, dar a vida pela verdade do Evangelho. Todo profeta é um homem livre. A liberdade é característica imprescindível de um profeta. Quando ele fala, anuncia a Boa Nova e denuncia as injustiças. Se for um homem da instituição, como o foi Dom Hélder Câmara e tantos outros Bispos, Padres, religiosos e religiosas, profetas e profetisas, denunciam primeiro as injustiças cometidas pela instituição. Mesmo a instituição os condenando e julgando-os nos tribunais, eles permanecem firmes na profecia até o fim, porque a profecia é dom do Espírito de Deus e não emana da instituição nem do poder humano. Na intimidade espiritual, o profeta sabe que não consegue calar-se diante das injustiças, porque o Espírito o inquieta e o faz falar ao mundo. Não há poder no mundo que possa calar a voz de um profeta no exercício da profecia.

João não tinha consigo os males que denunciava nos ricos e poderosos de seu tempo. Era um homem santo, como atesta Mc 6, 20: “... pois Herodes tinha medo de João, e sabendo que era um homem justo e santo, o protegia. E quando o ouvia, ficava muito confuso e o escutava com prazer”. João era o homem do deserto. O deserto é o lugar do silêncio, da solidão, da escuta, da meditação e da tentação. O homem do deserto é um homem maduro, equilibrado, sensato, experimentado e sábio. Os profetas costumam ser místicos. O que é um místico? Antes de qualquer coisa, o místico é um homem humano. Muitos pensam que os místicos são homens mergulhados em Deus, que já não vivem neste mundo. Este não é um místico, mas um homem que vive fugindo do mundo. O místico é um homem humilde e simples. Alguém dotado de uma inteligência e espiritualidade fora do comum, mas que vive comumente entre os homens. É uma pessoa mergulhada no mistério divino e que revela Deus a este mundo. A mansidão, a paciência, o diálogo, a alegria, a fé inabalável, o amor, o silêncio e a sabedoria são características de um místico.

No deserto, João vivia mergulhado em Deus. A oração é um dos meios mais eficazes de comunhão com Deus. O cotidiano da vida também é lugar da vivência mística. Na história da Igreja posso colocar São Vicente de Paulo, homem de Deus e da caridade para com os pobres, como exemplo de homem místico. Em suas conferências, São Vicente de Paulo era escutado por padres, bispos, doutores e por figuras ilustres da sociedade parisiense, pois a sua sabedoria não era oriunda dos tratados teológicos nem das cátedras de Filosofia e Teologia, mas do Espírito que revelava-lhe a vontade divina no cotidiano da vida dos pobres. São Vicente de Paulo não tinha êxtases, visões, sonhos, bilocações etc., mas na simplicidade da vida estava em Deus comungando-O no próximo. Tudo isto é um mistério insondável de amor. A experiência mística de um cristão é muito difícil de ser dita com palavras, pois estas não conseguem esgotar o mistério vivencial de tal experiência. Lendo os escritos de São Vicente de Paulo, sinto no espírito a doçura e a profundidade de suas palavras. Feliz de quem encontrar e saborear a Palavra de Deus saindo da boca de um cristão místico, pois se trata de uma experiência ímpar na vida.

O místico é um homem que sabe escutar a voz do Espírito. Ele sabe o que o Espírito diz às Igrejas (cf. Ap 2, 29), que está muito a frente do tempo presente. Creio que todo místico é um profeta, pois o Espírito é que faz os profetas. Outra característica essencial dos místicos é o estar oculto aos elogios e ao prestígio, ou seja, que não admite ser exaltado diante dos homens. Ele pode até permitir, porque impedir é impossível, mas ele não se vangloria com discursos nem elogios. O místico luta cotidianamente contra todo tipo de vaidade, pois precisa conservar em si a humildade e simplicidade de espírito e vida. Assim fala a sabedoria de um Padre do deserto: “A humildade não é um dos pratos do banquete, mas o tempero que dá sabor a todos os pratos”.

A Igreja de nosso século e dos séculos vindouros precisa de profetas e profetisas, homens e mulheres atentos aos apelos do Espírito, dotados de humildade, simplicidade e fé, que mostrem ao homem o caminho de Deus: amor, justiça e misericórdia. Não fiquemos aflitos diante dos escândalos na Igreja e na sociedade, pois os profetas místicos estão por aí, na clandestinidade, alguns visíveis, outros invisíveis, que no cotidiano da vida, vivem o ministério desafiador da profecia sem medo de serem felizes no amor de Deus.


Tiago de França

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