sexta-feira, 10 de julho de 2009

Arriscar-se em nome da fé


Estive pensando na vivência cristã em nossos dias e cheguei à conclusão de que está se tornando cada vez mais arriscado ter fé. Tendo a fé como adesão a Jesus e ao seu testamento de amor, realmente é muito arriscado corresponder à vida de Jesus. Jesus foi fiel a Deus na sua missão neste mundo e morreu crucificado. Os seguidores imediatos de Jesus, que se tornaram apóstolos, todos foram mortos por causa do nome de Jesus. Todos se submeteram ao risco do seguimento. A verdade de Jesus continua a incomodar até os dias de hoje, e com certeza, continuará incomodando. A mentira, que vai contra a verdade, continua a dominar muitas das relações humanas.

Falar a verdade é estar com Jesus, porque ele é a Verdade. Fugir da verdade é fugir do próprio Jesus. É verdade que todo ser humano mente alguma vez na vida, mas a mentira a que me refiro não é aquela mentira insignificante, que muitas vezes nos utilizamos para escapar de algo ou para nos desculparmos de alguma coisa. Refiro-me a mentira institucionalizada, aquela mentira alienante que impede o homem de encontrar-se com a liberdade. Há uma mentira global que aliena o homem conduzindo-o à negação de si mesmo e à negação de sua fé. Esta mentira, muitas vezes, trabalha inconscientemente nos indivíduos levando-os à estagnação, porque o convence de que tudo está perdido, o mundo e o homem não têm jeito, que o mal supera todas as forças do bem. Assim convencido, o homem abandona logo a fé, porque sente que a fé não funciona nem resolve nada.

Por outro lado, apesar da força com que esta mentira se apresenta, há uma Verdade que veio ao encontro do homem para reafirmá-lo na sua semelhança com Deus. Quem adere à Verdade, aos poucos, vai se tornando livre e ajudando as pessoas a se libertarem da mentira alienante. Crendo que Jesus é a Verdade, a pessoa que está na verdade e procura manter-se nela, termina por assimilar e incorporar o Cristo em sua vida. O mistério eucarístico é justamente isto, ou seja, ao receber a Eucaristia, presença real da Verdade, a pessoa está incorporada à Verdade, porque esta passou a estar na pessoa e esta na Verdade. E a Verdade vai trabalhando a natureza humana corrompida pelo pecado, conduzindo-a a perfeição.

A verdade santifica a pessoa e a conduz a comunhão com Deus. É na comunhão com Deus que a pessoa se santifica. Esta comunhão exige um compromisso de amor para com o Amor, ou seja, amando a Deus se estar em comunhão com Ele e nesta comunhão, a pessoa se compromete, apesar de seu ser limitado, a doar-se por amor e pelo amor. O risco está justamente aqui. O risco está na doação de si mesmo. Esta doação é simples, não tem nada de fora do comum. Trata-se de viver humanamente o amor de Deus, ou seja, o amor de Deus é vivido no amor humano, porque Deus está no homem e este está em Deus. Esta comunhão da pessoa com a Pessoa Trina leva a pessoa a não conseguir fazer outra coisa a não ser amar, e neste amor não há medo.

Para ilustrar, estive pensando no caso da Ir. Dorothy Stang. Como esta frágil missionária, já idosa, encontrou coragem para dar a sua vida pela vida da floresta amazônica e pela vida do povo de Deus? Ela foi uma mulher que não teve medo da morte nem dos agentes da morte. Sua comunhão com o Deus da vida a fez transcender o medo da morte. E na simplicidade de uma vida de luta, sem fenômenos extraordinários, ela encontrou o sentido de sua vida: a doação da própria vida. Lendo as expressões dos mártires dos primeiros séculos, sinto a ternura, a doçura, a paz de pessoas que se entregando sem reservas, numa total confiança no Amor, derramaram com alegria seu sangue pela causa do Reino de Deus. Trata-se de uma experiência divina vivida por pessoas comuns que mergulharam no mistério divino e viveram em Deus na vida comum, ou seja, assim como o casal de namorados, de tanto se amar não consegue enxergar os defeitos um do outro, os mártires enamorados de Deus não conseguiram sentir o medo que poderia torná-los imóveis diante das injustiças.

Realmente, a fidelidade ao mandato de Cristo, “Ide e evangelizai”, continua sendo o risco possível. O mundo de hoje clama por autênticos missionários que com coragem gritem ao mundo a Palavra que liberta integralmente o homem. Relendo as palavras e os gestos de Dom Hélder Câmara, profeta da justiça e da paz, me vem um forte sentimento de alegria e uma certeza de que nós precisamos, urgentemente, gritar a verdade ao mundo. É preciso uma forte comunhão com o Deus que nos chama a este grito. É Deus e não nós, pois somos medrosos e pusilânimes, que nos encoraja com seu Espírito na árdua missão do anúncio da Verdade. Este anúncio acarreta incômodos, perseguições, incompreensões, calúnias, julgamentos, prisões, martírio. Roguemos a Deus que nos liberte da mentira alienante e nos encoraje na missão profética do Reino, pois somos continuadores da missão assumida por Jesus, o Nazareno.


Tiago de França

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