terça-feira, 22 de setembro de 2009

Três encontros


O ser humano é um ser de encontros. Vivemos nos encontrando na vida. Encontramo-nos com pessoas, com lugares, com momentos e até conosco mesmos. É no encontro que nos encontramos. O encontro sempre é uma oportunidade de autoconhecimento. No encontro encontramos até o sentido da vida, porque este precisa ser encontrado. O sentido parece que nos espera para um diálogo livre. O encontro precisa de tempo e de espaço. Ninguém se encontra a toa, pois costumamos planejar o encontro. O planejamento é uma preparação para o momento do encontro. Este sempre cria em nós expectativas, costumeiramente boas, uma vez que não buscamos nos encontrar com o que não nos edifica.

Há três encontros que nos realizam enquanto seres humanos: o encontro com Deus, consigo mesmo e com os outros. Estes encontros fazem parte de nossas vidas, são como que ontológicos e fazem parte da construção de nosso ser. São momentos inevitáveis, porque constituem o nosso ser social e relacional. No encontro acontece uma relação recíproca, quer positiva quer negativa. O diálogo e a liberdade são valores presentes nestes três encontros. Eles são humanos e humanizadores. Os animais e demais seres se encontram, mas não têm consciência disso, pois não pensam no encontro que estão realizando. Um dos inimigos do encontro é o isolamento, que impede as pessoas de saírem de si mesmas e irem ao encontro do mundo.

O primeiro encontro se dá no plano individual, ou seja, antes de pensar em me encontrar com Deus e com os outros, preciso encontrar-me comigo mesmo. O encontro consigo mesmo é algo revelador. Dificilmente me engano. É um encontro com a minha verdade, com aquilo que eu sou. Não importa se me aceito ou não, este encontro me diz alegre ou dolorosamente quem sou. É um mergulho nas profundezas do ser, lá onde se encontram as mazelas que sempre procuramos esconder das pessoas. Jesus ensina que é do coração do homem que sai todo tipo de mal (cf. Mt 15, 19) e é no mergulhar no mais íntimo de si mesmo, que o homem se encontra com esta capacidade de fazer o mal, capacidade que não é adquirida ou imposta pelos outros, mas que está presente em seu ser. Quem se recusa a encontrar-se consigo mesmo dificilmente conhecerá tal capacidade e mais difícil ainda será obter um controle sobre si mesmo. Por isso, é urgentemente necessário ao bem estar físico e espiritual o encontro consigo mesmo. Encontro que deve se dá na seriedade e na renúncia do medo.

O medo é como que a força que impede os três encontros. Ele consegue imobilizar o ser humano, travando-o em si mesmo sem permitir uma saída para ir ao encontro de si, pois para o encontro consigo mesmo é necessário o sair de si para ir ao encontro de si. Sair do ser exterior, produzido segundo nosso sistema de defesa e sobrevivência e ir ao encontro daquele espaço obscuro que sempre nos negamos encontrar, aprofundar, conhecer. Quem se permite encontrar-se consigo mesmo consegue sobreviver melhor, mesmo conhecendo as mais graves e temíveis situações interiores. Não é bom para o homem desconhecer-se a si mesmo, pois o conhecimento de si mesmo é necessário para uma vivência harmoniosa consigo e com os outros. É importante salientar ainda que o conhecimento de si através do encontro consigo não esgota a complexidade nem o conhecimento de si, que é infinito. Por mais que o homem se conheça a si mesmo, jamais consegue esgotar tal conhecimento, porque o gênero humano é transcendente, criado à imagem e semelhança do infinitamente Outro.

O encontro consigo mesmo nos torna mais capazes de nos encontrarmos com os outros. Quando procuramos compreender a nossa condição pessoal teremos facilidade de compreender a situação do outro. A compreensão nos leva a aceitação de si mesmos. Aceitar a si mesmo não significa confirmar-se com algo que não é bom e que faz parte de nós, antes significa admitirmos o nosso jeito de ser e nossa situação interior para buscarmos, na relação com o outro, nos encontrar. O outro é um lugar de encontro. Posso encontrar-me no outro, porque este sempre me revela alguma coisa. Há no encontro com o outro uma dinamicidade natural, pois nunca nos encontramos igualmente com as várias pessoas de nosso convívio. Com cada pessoa temos nossa especificidade relacional. Não se tratam de várias maneiras de se relacionar, talvez, mas quero dizer que há algo novo e único em cada relação que construímos.

Enquanto sujeitos sociais, o encontro com o outro constrói a sociedade e as relações humanas. Tais relações costumam ser pautadas nos interesses. Sempre estamos interessados em algo ou em alguém. Isto é natural. Há bons e maus interesses. O encontro amigo costuma ser menos interesseiro. Aqueles que não se relacionam na gratuidade, que é uma das qualidades da amizade, não são verdadeiros amigos. Na Bíblia encontramos Jesus com doze amigos, mas um deles lhe foi infiel na amizade vendendo-o às autoridades dos judeus. Judas Iscariotes pode ser o exemplo de amigo frustrado com o outro, disposto a não perder com a amizade. Frustrado porque não conhecendo Jesus, decepciona-se com o mesmo. Uma vez decepcionado, quer ganhar pelo menos vendendo o amigo aos verdadeiros traidores do povo. No encontro com Jesus, Judas Iscariotes descobre-se traidor. O encontro com Jesus revela muitas coisas naquelas pessoas que se dispõem a segui-lo radicalmente.

Depois que descobrimos que o outro faz parte da minha história, então descubro também que nesta relação fraterna há a presença do Outro, que é causa operante da relação de amor que pode ser construída e vivida pelos seres humanos. Não se trata de uma força operante, mas de uma presença vivificante. Os místicos ensinam que esta Presença se impõe na liberdade da relação. Uma imposição livre! Como entender isto? Trata-se de uma presença amorosa que existe e que não pode ser negada. O testemunho de vida daqueles que se dedicaram a perscrutar tal presença é uma prova de que é irresistível não construir uma relação amorosa e livre com este Outro absoluto.

O encontro com Deus é algo indescritível. Sempre ousamos falar sobre, mas se trata de aproximações da realidade. Deus e a relação com Deus são indecifráveis. Somente quem ama é que é capaz de encontrar-se com Deus. Não se trata de um encontro com uma idéia magnífica e criadora, mas um encontro amoroso com o Amor. Trata-se de um encontro simples e humilde que não se dá nas alturas e nos êxtases das experiências espirituais, mas no cotidiano da vida, pois o Altíssimo resolveu, por meio de Jesus, tornar-se o Emanuel, o Homem que está conosco. Desta forma, ninguém precisa se preocupar em encontrar-se com Deus num lugar recolhido e sagrado, Ele também pode estar nestes lugares, mas Jesus revelou que ele gosta das praias, ruas e avenidas, dos povoados e da beira do caminho. O encontro com Deus nos realiza plenamente, porque para aquele que crer no mistério de tal encontro, Deus é o sentido último da existência humana, fora dele nada somos nem podemos ser, porque para Ele convergem todas as coisas. Ele é infinitamente bom e pode também ser encontrado em nós, nos outros e Nele mesmo. Ele nos criou para que pudéssemos viver para Ele e Nele.


Tiago de França

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