terça-feira, 8 de setembro de 2009

Um olhar sobre o Grito dos Excluídos


O Grito dos Excluídos é “um alerta e uma denúncia do modelo econômico excludente (neoliberal) e o anúncio da justiça, da solidariedade e de um compromisso ético, como valores indispensáveis para o estabelecimento do Brasil que queremos” (Bassegio, Setor Pastoral Social, Grito dos Excluídos, 1996, p. 13). Não se trata de um grito de revoltados, nem de pessoas que perderam a esperança, mas do grito de mulheres e homens sedentos de justiça e paz. O grito não é a manifestação de um “bando de gente” descomprometida, arruaceira e alienada como muitos pensam, mas de pessoas que lutam pela promoção e dignidade humanas.

Neste ano tive a oportunidade de participar do Grito dos Excluídos em Belo Horizonte – MG, onde me encontro, e que teve como tema: “A força da transformação está na organização popular”. Três pontos me chamaram a atenção e aqui partilho brevemente, depois de ter apresentado acima o significado e a motivação geral do Grito dos Excluídos. Um olhar crítico sobre o Grito é necessário para que não se repitam alguns equívocos e/ou contradições.

O primeiro fato é o encontro breve que tive com uma senhora negra, empregada doméstica, que me disse o seguinte: “Eu não participo disso. Isso é coisa de petista vagabundo! Gente arruaceira que não tem o que fazer. Prefiro assistir ao desfile a fazer barulho no meio da rua. Isso não resolve nada!” Apesar de ser empregada doméstica e estar exercendo uma profissão reconhecida, mas não valorizado o suficiente, considerei aquela senhora uma excluída da sociedade. É verdade que os verdadeiros excluídos não têm emprego e vivem numa situação crítica. Quando cheguei ao local da concentração do Grito (em frente à Assembléia Legislativa), recordei-me logo da expressão da doméstica. De fato, os verdadeiros excluídos não apareceram no Grito, salvo algumas exceções. Isso deve ser motivo de reflexão para todos, principalmente para aqueles que preparam o Grito e acreditam na sua proposta.

Diante da ausência dos pobres no Grito, perguntei-me: “É válido estarmos aqui gritando pelos excluídos?” Quem participa do Grito é chamado a gritar com os excluídos e não pelos excluídos. Se os excluídos da sociedade neoliberal não querem gritar nem se manifestar contra as explorações a que estão submetidos, de que vale o grito de padres, freiras, seminaristas e coordenadores de ONGs?... Não pretendo invalidar o Grito, mas tal indagação precisa ser pensada. O tema foi muito oportuno, pois chamou a atenção para a organização popular. O Grito é manifestação do povo que sofre, mas os sofredores não estavam lá. Como bem apontou a doméstica, muitos preferiram assistir ao desfile do Dia da Pátria.

O segundo ponto que quero destacar refere-se à participação dos seminaristas. Eram muitos os que estavam presentes, principalmente os de congregações religiosas. Pelas expressões faciais e verbais de boa parte deles, a insatisfação era rapidamente percebível. Antes mesmo de terminar o evento, alguns foram embora porque descobriram que os respectivos superiores já tinham ido. Apesar da crítica ao evento, o Grito permanece como estratégia importante para chamar a atenção das autoridades públicas para a resolução dos graves problemas sociais, e se aqueles que se preparam para o ministério ordenado se recusam a estarem presentes nestes momentos, algo pode ser questionado.

Não quero dizer que somente tem vocação os seminaristas que participam do Grito dos Excluídos. O Grito representa o clamor dos pobres por justiça social. Creio que é importante a participação dos futuros pastores das comunidades se fazerem presentes neste clamor, afinal de contas, o sacerdócio ministerial só tem sentido se estiver unido ao clamor dos pobres, pois os pobres são os prediletos de Jesus. Agora, é questionável sim, aqueles que se sentem chamados por Deus a tal ministério, mas apresentam certa aversão à presença dos pobres e suas lutas por libertação. Isto é sinal claro do que chamo de “vocação aburguesada”, ou seja, homens que buscam no sacerdócio ministerial a pura realização pessoal em detrimento da participação na missão de Jesus Cristo. Sendo mais claro, de acordo com os ensinamentos recentes da Igreja, levando em consideração que sacerdócio é serviço ao próximo, assistimos ao surgimento de muitas “vocações” que se recusam a aderir à espiritualidade do serviço gratuito e fraterno, recusando-se desta forma ao projeto de Jesus. Aqui aparece a importância do papel dos formadores dos Seminários no acompanhamento de tais casos e circunstâncias.

O terceiro e último ponto a ser considerado foi uma observação de um seminarista que caminhava ao meu lado, depois que percebeu a ausência do clero no evento: “Depois que se ordenam, se esquecem dessas coisas”. Conheço um padre que trabalha em Fortaleza – CE, que quando era seminarista tinha um pensamento crítico sobre a realidade e era considerado um dos melhores da Casa de Formação na ação pastoral junto ao povo. Depois que o mesmo foi ordenado, assumiu uma personalidade que até então era desconhecida, pois se tornou um padre ultraconservador e clericalista, inimigo da luta e da esperança dos pobres. Como explicar isso?

Há duas constatações. A primeira, é que muitos formandos assumem certos pensamentos e atitudes tidas como libertadoras, porque a Congregação ou a linha de pensamento da formação educa para o serviço aos pobres, principalmente na Igreja pós-Aparecida, em que a opção preferencial pelos pobres foi destacada até pelo Papa Bento XVI. Então, para serem bem vistos e aprovados pelos formadores, certos formandos se comportam como tal, apesar de que no mais profundo de si, não gostam daquilo que fazem. Depois de ordenado, este tipo de formando logo se revela. Uma segunda constatação refere-se ao poder que a Ordem confere ao homem ordenado. Quando o poder “sobe à cabeça” do presbítero, o mesmo fica alienado diante da vida e da missão e só pensa em ter e não em ser. O ser discípulo missionário de Jesus Cristo é esquecido.

Quem está apegado ao poder não aceita aproximar-se dos pobres, porque estes questionam o poder estabelecido. Por isso que Jesus e seus discípulos eram destituídos de poder humano, porque somente assim eram livres para a missão. Os teólogos da libertação ensinam que os pobres convertem constantemente a Igreja, porque eles não aceitam nem se identificam com a união entre o sagrado e o poder humano. Por isso que os Bispos que se dispuseram a construir a chamada “Igreja dos Pobres” descobriram que os pobres não aceitam uma Igreja voltada para o poder e para as relações de poder, mas para o serviço e a promoção do gênero humano. Quanto mais humilde e despojada for a Igreja, mais os pobres haverão de se aproximar dela.


Tiago de França

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