quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O cristão e a violência


Quando assistimos aos jornais, as notícias falam de violência. Ao abrirmos os jornais e revistas impressos, a violência permeia quase todas as páginas. Na consulta à Internet, as notícias de violência nos perseguem. A violência está se tornando coisa normal em nossa sociedade. Recentemente, tem nos assustado a situação calamitosa da cidade do Rio de Janeiro. Diante de tal situação, três fatores são importantes para nossa reflexão.

O primeiro refere-se ao lugar da violência, onde ela predomina mais. As favelas do RJ são verdadeiros conjuntos de cortiços, onde as pessoas buscam sobreviver. As favelas não deveriam existir, pois as condições de sobrevivência são péssimas. Quem nasce e vive nas favelas são vítimas do preconceito social, pois impera a falsa idéia de que os favelados são pessoas “perigosas”, propensas à desordem e ao crime. Isto é uma mentira que a mídia e a ideologia dominante pregam para nós. Os habitantes das favelas são os desfavorecidos da sociedade, pois nelas o Governo não investe nos direitos necessários à vida urbana: educação, saúde, saneamento básico, segurança etc. Quando os órgãos de segurança vão às favelas, ao regressar deixam um saldo de violência pior do que o encontrado anteriormente. Nas favelas, a presença da polícia é sinônimo de ameaça, porque vai entrar em conflito com as gangues e neste conflito, as maiores vítimas são as pessoas e as famílias que não têm ligação com o crime organizado, como foi o caso de um senhor de oitenta e seis anos de idade, vítima de uma bala perdida quando, inocentemente, ia comprar o pão para tomar seu café da manhã durante a troca de tiros entre a polícia e os “bandidos” numa das favelas do RJ. Assim sendo, se não há segurança pública nas favelas, o crime organizado se enraíza e domina a vida do povo.

O segundo fator refere-se à situação dos jovens favelados: muitos não estudam, nem trabalham; são negros e a maioria é analfabeta; não têm acesso ao lazer, nem a cultura. A cultura que conhecem é a da violência. Como exigir dos jovens favelados integridade moral se seus direitos são vetados ou desrespeitados? Sem condições mínimas de vida, os jovens ficam sem alternativas e entregam-se à prostituição, às drogas e à violência. Isto é quase que inevitável. O mercado de trabalho do centro da cidade não ver com bons olhos e não acolhe os jovens oriundos de favelas, porque o preconceito e a falta de profissão não permitem. Os jovens favelados não correspondem às exigências do mercado neoliberal, que exige deles boa aparência e preparo técnico-profissional. Por isso, fico perplexo com a ignorância daqueles que assistem à violência pela TV e afirmam: “A polícia tem que matar mesmo. Esses jovens não querem nada com a vida”. Quem assim se expressa engana a si mesmo ao pensar que não é violento. Como posso afirmar que sou contra a violência se desejo a morte daqueles que são vítimas da violência?... Se não há políticas públicas de defesa e promoção da juventude, as favelas continuarão sendo verdadeiras produtoras de marginais para a sociedade.

O terceiro fator refere-se aos investimentos do Governo Federal em políticas de segurança. Apesar de se discutir tanto sobre o problema da violência, o Governo ainda pensa que o problema está na falta de policiamento e de ações repressivas por parte dos órgãos de segurança. A compra de armamentos eficientes, a construção de presídios, os investimentos na qualificação dos policiais, a aquisição de novas viaturas, o aumento dos salários das polícias etc., certamente são ações urgentes e necessárias, mas não resolvem o problema da violência. Tais ações não intimidam o crime organizado, antes o estimula a ser mais estratégico e eficiente. A solução está na promoção da dignidade humana, que passa pela educação, saúde, moradia digna, trabalho, boa alimentação, lazer, saneamento básico, segurança etc. Quando o cidadão não tem esses direitos assegurados, termina por enveredar para o crime, porque pensa encontrar nele a solução para seus problemas. O jovem desempregado quer dinheiro para prover suas necessidades básicas. Se o trabalho, que é um direito, lhe é negado, como conseguirá suprir suas necessidades? Então, os que não conseguem resistir às tentações do tráfico, terminam por comercializar as drogas para sobreviver.

Precisamos falar do papel do cristão diante desta realidade. A Igreja, por meio das pastorais carcerária, da criança e do menor abandonado, assim como através de outras pastorais voltadas para uma intervenção efetiva na situação dos excluídos, tem trabalhado em favor dos pobres. É verdade que o trabalho ainda é pequeno, visto que são poucos os que têm coragem de integrar tais pastorais. A maioria dos agentes de pastorais da Igreja prefere trabalhar na sede paroquial, onde não se oferecem riscos para a atuação pastoral. É preciso reconhecer ainda a presença de nossos irmãos separados (também chamados de evangélicos, terminologia mal utilizada, tendo em vista que evangélico é aquele que é radicalmente fiel ao Evangelho), que estão presentes nas favelas realizando seu trabalho de evangelização.

O testemunho de Jesus de Nazaré contigo no seu Evangelho mostra claramente que ele, quando esteve neste mundo, optou em nascer, viver e morrer no meio dos pobres, os favelados de seu tempo. Ele não falou sobre os pobres, nem se colocou como líder revolucionário, mas foi pobre e se colocou ao lado dos pobres. O evangelista Lucas fala que Jesus, depois de ter voltado do deserto, encontrando-se na sinagoga de Nazaré, onde se havia criado, cumpre a profecia de Isaías dizendo: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres” (Lc 4, 18). Este texto legitima a ação missionária daqueles que se colocam ao lado dos pobres na luta contra a violência, pois são os pobres suas maiores vítimas.

Jesus não veio ao mundo sanar as necessidades materiais dos pobres, pois quando foi crucificado e ressuscitado, os pobres continuaram sua marcha na história, desta vez, contando com sua presença. Assim sendo, o cristão é chamado a estar presente onde Jesus esteve e está até hoje: entre os pobres. Certamente é um desafio muito grande, pois onde os pobres estão é sempre perigoso. Por isso, no conceito de missão, colocar-se ao lado dos pobres é participar da sorte deles e isto acarreta sérias conseqüências. O missionário não é chamado a sanar as necessidades materiais dos pobres, pois isto é papel do Governo. É verdade que se pode ajudar materialmente, via caridade fraterna, mas o papel do missionário e da Igreja não é resolver as necessidades materiais das pessoas, apesar de suas necessidades. Ajudar os pobres a se libertarem de suas opressões, isto sim, é papel da Igreja. E esta ajuda passa pelo anúncio da Boa Nova, pela prática da caridade e pela denúncia das injustiças.

Para concluir esta reflexão, cito o testemunho do grande missionário dos pobres, Pe. Alfredinho, sacerdote suíço nascido em 1920 e falecido em 2000, que viveu na zona de prostituição de Crateús, CE, de 1968 a 1983, migrando posteriormente para Santo André, SP, onde viveu na favela Lamartine, junto aos pobres. Padre Alfredinho era um homem de oração, contemplativo e um místico. Ele fazia parte do Instituto dos Filhos da Caridade. Assim disse Da Silva (Convergência, 2000) sobre o Pe. Alfredinho: “A grande contribuição de Alfredinho não é outra senão chamar nossa atenção para os pobres, os sofredores, mostrar que o lugar deles é o coração mesmo do Evangelho, que o seguimento de Jesus é inseparável do serviço aos Pobres, e que só a partir dos últimos da sociedade é que se pode incluir e amar a todos” (p.636). A maior violência que podemos cometer contra os pobres é esquecê-los ou nos aproveitarmos deles.


Tiago de França

Nenhum comentário: