sábado, 31 de outubro de 2009

Os bem-aventurados


Neste Domingo a Igreja celebra a Solenidade de Todos os Santos e Santas de Deus. O texto do Evangelho é o de Mt 5, 1 – 12. Inicialmente, podemos afirmar que a pessoa santa é bem-aventurada. No Evangelho, Jesus revela quem são os santos e santas de Deus. Quem não se encontrar na lista dos bem-aventurados não é um santo ou santa. O texto diz que os santos e bem-aventurados são: os pobres em espírito, os aflitos, os mansos, os famintos de pão e justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os promotores da paz, os perseguidos e os insultados. Levanto uma questão que ajuda a enxergar melhor o sentido de cada termo: Na sociedade em que vivemos quem são estes santos e bem-aventurados?

As bem-aventuranças falam do Reino de Deus e sua justiça. Jesus fala que os pobres em espírito são os que possuirão o Reino; os aflitos serão consolados, os mansos possuirão a terra, os famintos de pão e justiça serão saciados, os misericordiosos alcançarão misericórdia, os puros de coração verão a Deus, os que promovem a paz serão chamados filhos de Deus e os perseguidos e insultados serão recompensados. Não precisaríamos acrescentar palavra alguma às de Jesus, pois tudo é muito claro. Mas algumas pessoas mal intencionadas direcionam a reflexão por outro caminho, transgredindo o Evangelho de Jesus. A centralidade do texto é clara: o Reino e sua justiça.

Se observarmos bem, veremos que os bem-aventurados são os pobres de nossa atual sociedade, vítimas das injustiças cometidas pelo sistema neoliberal opressor. Os ricos e os descomprometidos com a justiça do Reino de Deus não estão inseridos na lista das bem-aventuranças, pois não padecem injustiças. Vivemos num mundo ecologicamente em vias de destruição. A culpa é dos pobres? São os pobres os proprietários das grandes multinacionais poluidoras do meio ambiente? São os pobres os detentores do poder político neoliberal? Vivemos numa sociedade altamente violenta. São os pobres os que causam a violência? O capitalismo neoliberal afirma que sim, argumentando que os pobres são incultos e só atrapalham, só servem para consumir.

A justiça do Reino de Deus não interessa aos poderosos deste mundo, pois nela todos são destituídos de seus tronos. O pensamento de Jesus está na contramão, pois se opõe plenamente à lógica neoliberal: “Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos”, nos diz o Deus da vida por meio do profeta (Is 55, 8). Fazer justiça aos oprimidos é a lógica do Reino de Deus. A religião precisa permanecer agindo segundo esta ótica, do contrário, pode-se confirmar o que disse o filósofo alemão Karl Max: “A religião é o ópio do povo”. Quando a religião abandona seu papel libertador, a alienação se apresenta como a desgraça dos crentes.

Os santos e santas na Igreja, em sua grande maioria, foram mulheres e homens que viveram segundo o princípio da justiça do Reino de Deus. A santidade se manifesta na justiça. O santo e a santa é o homem e a mulher que pratica a justiça. As pessoas pensam os santos como pessoas extra-mundanas, que viveram somente para Deus numa total negação deste mundo. Isto não é santidade, mas repressão do ser pessoa. O verdadeiro santo não nega este mundo, porque a santidade está para o mundo e não para as alturas. A santidade não parte da negação de si, nem do mundo, mas da afirmação, da integração do ser, do mergulhar-se na vida do mundo, como fez Jesus ao viver entre os pecadores.

Celebrar a Solenidade de Todos os Santos é fazer a memória da vivência da justiça. O testemunho dos santos edifica a Igreja e fecunda a vida no mundo. Os santos foram testemunhas da Ressurreição de Jesus e ressuscitaram com Cristo, porque foram fiéis até as últimas conseqüências do seguimento. Na Igreja de nossos dias, precisamos de autênticos testemunhos de justiça, pois o mundo está cada vez mais entregue às graves injustiças que ameaçam a vida humana em todos os seus aspectos. A justiça defende e promove a vida, e quem se dispõe a seguir Jesus, também se dispõe a ser santo e este deve ser pela prática da justiça. Somente assim, as falsas idéias e falsas práticas de santidade que imperam nas Igrejas cristãs de nossos dias perderão seu vigor, dado que somente prospera aquilo que provém de Deus e não da invenção do homem. Sejamos santos a exemplo de Jesus, imersos no mundo criado por Deus. Isto é possível, pois temos na atualidade muitas mulheres e homens santos, que seguem Jesus no anonimato, como pede o Evangelho.


Tiago de França

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