quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Festa da Vida: Identificar, contemplar e celebrar


A sociedade capitalista de nossos dias é mercada pelos inúmeros sinais de morte que nos causam medo e angústia. O medo e a angústia imobilizam o ser humano na defesa e promoção da vida. Há duas violências que maltratam impiedosamente a humanidade hoje: a violência urbana e a violência ambiental. Para combatermos tais violências é preciso diagnosticá-las. VER a realidade crua e nua, JULGAR a partir da fé e do testemunho cristão e AGIR conforme o Evangelho de Jesus.

As estatísticas mostram que a violência está presente em todos os setores e realidades da vida humana. O homem, com o passar do tempo, está cada vez mais violento. Será isto fruto do acaso? De jeito nenhum! Todo e qualquer tipo de violência têm causas, personagens e lugares de atuação. Por isso, o cristão precisa se conscientizar da necessidade de ver bem tais realidades, a fim de que não possa se deixar alienar e pensar que é coisa do acaso ou do destino. Não há acaso, nem destino, quando se trata de violência; o que há é uma sociedade doente, internada na “UTI do descaso” e mergulhada nas injustiças sociais.

As injustiças de ordem política, econômica, cultural, religiosa e social causam a morte do homem na Terra. Governantes descomprometidos com verdadeiras políticas públicas de educação, saúde, segurança, moradia etc.; o racismo e o preconceito contra as minorias negras, analfabetas e pobres; a disputa ingênua e desrespeitosa entre as Igrejas e denominações e as profundas desigualdades sociais desumanizam a pessoa, tirando-lhe a vida. Todos querem viver, mas as condições básicas para a manutenção da vida é escassa e a falta de respeito para com o homem e o planeta é vergonhosa.

Diante de tantas injustiças, o cristão e o cidadão precisam mergulhar na luta por libertação. As reclamações, as denúncias, as insatisfações, as revoltas, as críticas e o número acentuado de desesperados são muitos, mas a sociedade carece de iniciativas radicais e revolucionárias para a transformação da realidade. É urgente que os poderes estabelecidos e reconhecidos se sensibilizem com as verdadeiras causas dos que padecem as injustiças. Os poderes públicos são responsáveis, segundo a Constituição do país, de defender e promover a vida e os direitos de todos os brasileiros. Se isto não ocorre, é necessário que a população tome conhecimento de seus direitos e reivindique pelo diálogo e pelo voto o cumprimento dos direitos já reconhecidos.

A participação na vida pública é deve do cidadão consciente que almeja um país melhor. A vida é publica e não particular. Todos merecem viver dignamente. Isto é um direito. Se o direito à vida está sendo violado é porque os sujeitos agredidos não movem suas forças na luta por libertação. A sociedade brasileira precisa acordar do “sono alienante” a que está submetida. Os direitos humanos precisam ser respeitados e revigorados, mas para que isto aconteça é necessário que todo cidadão mergulhe sem medo na discussão pública dos direitos e exija participar das decisões e dos rumos traçados para o país. Precisa-se urgentemente de uma democracia participativa, pois sem a participação do povo nos atos governamentais é impossível a construção da cidadania. Os governantes se mostram cada vez mais insensíveis e corruptos graças à falta de consciência política do povo brasileiro, que não sabe eleger mulheres e homens dignos da vocação política.

A sociedade civil organizada é motivo de ameaça para governantes descomprometidos com a trágica situação social, pois a organização dos membros da sociedade gera consciência e mobilização em favor da justiça e da verdadeira ordem social. Os poderosos da nação, proprietários do capital especulativo e opressor buscam sempre anular e incriminar a luta dos pobres por libertação. Um exemplo disso é o que está acontecendo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, que está sendo incriminado por segmentos políticos e latifundiários, insatisfeitos com as conquistas dos pobres em matéria de Reforma Agrária. O brasileiro precisa fazer uma leitura crítica da ação mentirosa e danosa dos detentores corruptos do poder, pois usam a lei e o discurso moralista para inviabilizar a luta dos oprimidos por libertação.

Diante desta calamitosa situação, o que a Igreja e demais Igrejas podem fazer para ajudar os pobres a ter mais vida e vida em abundância, como aponta-nos o Evangelho de Jesus? O Concílio Ecumênico Vaticano II afirmou enfaticamente: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para comunicá-la a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história” (Gaudium et Spes, n. 1).

O discípulo é toda pessoa que, pelo batismo e pela fé, aderiu ao projeto salvador de Jesus de Nazaré. O seguidor de Jesus deve permanecer unido ao clamor dos injustiçados, pois foi para os oprimidos que Jesus veio a este mundo. Ele veio para que todos possam ter vida e vida em abundância (cf. Jo 10, 10), e preferencialmente os pobres (cf. Lc 4, 18). E a Igreja, que busca ter uma fidelidade constante a Jesus, deve também fazer a opção de Jesus. O texto evangélico prova claramente que Jesus optou pelos pobres, pois nasceu, viveu e morreu pobre entre os pobres. Quando nasceu, não tinha onde nascer; quando viveu, não tinha onde reclinar a cabeça e quando morreu, não tinha onde ser sepultado. Desta forma, é inegável que, pelo desígnio do Pai, Jesus abraçou com alegria a condição dos pobres.

Nos documentos conferenciais do CELAM - Conselho Episcopal Latino-americano e do Caribe, desde Medellín até Aparecida, a Igreja resolveu, a exemplo de Jesus, fazer a opção preferencial pelos pobres. Assim diz o Documento de Aparecida, n. 397: “Nesta época costuma acontecer de defendermos de forma demasiada nossos espaços de privacidade e lazer, e nos deixemos contagiar facilmente pelo consumismo individualista. Por isso, nossa opção pelos pobres corre o risco de ficar em um plano teórico ou meramente emotivo, sem verdadeira incidência em nossos comportamentos e em nossas decisões. É necessária uma atitude permanente que se manifeste em opções e gestos concretos228, e evite toda atitude paternalista. É solicitado que dediquemos tempo aos pobres, prestar a eles uma amável atenção, escutá-los com interesse, acompanhá-los nos momentos difíceis, escolhê-los para compartilhar horas, semanas ou anos de nossas vidas e, procurando, a partir deles, a transformação de sua situação. Não podemos esquecer que o próprio Jesus propôs isso com seu modo de agir e com suas palavras: “Quando deres um banquete, convida os pobres, os inválidos, os coxos e os cegos” (Lc 14,13).

Ao mesmo tempo em que a Igreja reconhece a necessidade de se fazer a opção preferencial pelos pobres, também reconhece que tal opção ainda não foi feita plenamente. A opção preferencial pelos pobres é muito importante na defesa e promoção da vida, pois os pobres são, desde sempre, as maiores vítimas das injustiças sociais. É a vida dos pobres que está ameaçada. Optar pelos pobres não é somente assisti-los em suas necessidades materiais e espirituais, por meio da caridade evangélica, mas aderir às suas lutas por libertação. Neste sentido, a Igreja no Brasil tem feito um trabalho exemplar nas várias pastorais e organismos que compõem a ação laica da Igreja, mas diante da terrível situação a que assistimos a ação da Igreja é como que uma gota d’água no oceano. É preciso valorizar o que já se tem feito e intensificar cada vez mais a ações em favor da vida.

É verdade que não cabe somente à Igreja resolver os problemas sociais, pois temos governantes e Estados de Direitos constituídos, cuja responsabilidade na promoção humana é total. Na sociedade democrática e na vivência eclesial da fé todos somos responsáveis pelo respeito e promoção à dignidade da pessoa humana. Enquanto cristãos, Jesus se apresenta como o modelo de homem justo, pois seu testemunho foi pautado na prática da justiça. E como somos chamados a segui-lo, faz-se urgentemente necessário que a justiça faça parte do cotidiano de nossas vidas. É impossível seguir Jesus fora do caminho da justiça, conseqüentemente, é impossível construirmos uma sociedade nova sem o contributo da justiça. O Deus de Jesus e nosso Deus é o Deus da justiça, da verdade e da vida, para crermos nele precisamos viver a justiça e a verdade, pois só assim teremos vida.

É acreditando que a vida está acima de todas as coisas, que a Arquidiocese de Fortaleza, depois de ter celebrado a Campanha da Fraternidade de 2008, que teve como tema: “Escolhe, pois, a vida”, resolveu promover uma grande Festa pela Vida, que ocorrerá no dia 12 de dezembro do corrente ano, no CEU – Condomínio Espiritual Uirapuru, com o objetivo de identificar, contemplar e celebrar o sentido e o valor da vida, os sinais e a ações em favor da vida presentes nas comunidades eclesiais. Roguemos ao Deus da liberdade e da vida que torne os nossos corações sensíveis à dor e ao sofrimento de nossos irmãos e irmãs que padecem a violência das injustiças e que o Espírito que habita em nós nos impulsione à ação.

Tiago de França

Obs.: O presente artigo foi escrito a pedido do Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Fortaleza, Dom José Luiz, por ocasião da Festa da Vida.

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