terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Os destinatários do Reino de Deus


“Em verdade vos digo que os publicanos e as prostitutas
vos precedem no reino de Deus”
(Mt 21, 31).

Algumas palavras que compõem o pensamento ou a verdade de Jesus nos causam surpresa e até espanto. Para algumas pessoas, tais palavras são causa de escândalo e até confusão. O versículo acima é uma verdade que não é aceita por muita gente, apesar de serem palavras de Jesus. Muitas pessoas as aceitam superficialmente, porque na prática cotidiana das relações interpessoais julgam ou condenam os publicanos e as prostitutas de hoje. Tais palavras traduzem a verdade que se contrapõe ao tradicional pensamento puritano de muitas pessoas que pensam estar seguindo Jesus.

Na Igreja temos muitas pessoas que odeiam e se distanciam daquelas que são consideradas impuras pela sociedade: prostitutas, homossexuais, ladrões, beberrões etc. Na maioria dos casos são católicos praticantes daquilo que denominamos pietismo. Quem são as pessoas pietistas? São aquelas que aderem às práticas religiosas de forma alienada. Os pietistas são amigos da “lei da pureza” que prega o puro e o impuro, ou seja, que ditam para as demais as regras de conduta moral que não podem ser quebradas e as que se desviam são excluídas da convivência religiosa.

Os pietistas costumam dizer com a boca que odeiam o pecado. Quase tudo no mundo é pecado! Para eles, Deus é o Juiz severo que não dorme, nem cochila; é o guarda que não perde a oportunidade para corrigir ou punir com severidade aqueles que se desviam de sua lei. Tais pietistas costumam se confessar muito com os presbíteros, pois possuem uma noção negativa do pecado, ou seja, pensam que pecam gravemente contra Deus a todo o momento. Professam e anunciam que este mundo está perdido e só perde as pessoas, e que o seguimento de Jesus se reduz à vida ascética de penitência e oração. A participação constante na Missa, na Eucaristia e no Sacramento da Reconciliação é algo fundamental para a vida ascética dos pietistas.

“Tiago, ele não foi a Missa na semana passada e agora quer ir e comungar. Como pode isto? Antes, precisa se confessar, pois faltar a Missa é um pecado grave!”, me dizia uma senhora que confessa assistir à formação do professor Felipe Aquino toda semana pela TV Canção Nova. Os pietistas costumam se julgar melhor do que os outros. Nas Igrejas denominadas “evangélicas” costumam anunciar que já estão salvos no nome de Jesus. Para elas o compromisso com a justiça do Reino de Deus não existe, pois a ação do cristão resume-se à adesão das práticas religiosas (penitências, orações, sacramentos etc.), a fim de serem arrebatadas para o céu. O pietista só pensa no céu. Por isso, precisa se “purificar” constantemente, preparando-se para a parusia do Senhor.

No tempo de Jesus estes alienados já existiam. Aliás, eles existem desde que o homem inventou a religião. Levando em consideração a Boa Nova anunciada por Jesus, tal alienação religiosa é muito prejudicial. Podemos elencar alguns males do estado pietista de muitos “cristãos”: Não conseguem viver a comum-unidade, pois não conseguem ter vida comum com os demais pecadores, nem viver unidos com eles; não constroem o Reino de Deus, pois só pensam na salvação da própria alma; não visam a transformação da sociedade, pois pensam ser responsabilidade somente do Governo sem a contribuição da religião; promovem a desunião, pois costumam formar “guetos” (grupos seletos, farisaicos) dentro da Igreja etc.

O Concílio Vaticano II, que pensou a Igreja enquanto Povo de Deus tentou desmistificar o pietismo, pois antes do Concílio a Igreja estava voltada totalmente para si mesma e separada do mundo dos homens, ou seja, não se compreendia a Igreja dentro do mundo, mas fora dele. O culto era um momento celeste na terra. As leis e os rituais eram rígidos. Para aproximar-se do recinto sagrado, o fiel precisava se purificar. A linguagem do pecado estava constantemente presente na pregação dos presbíteros. Estes eram considerados seres especiais e separados, pois eram destacados externamente e não podiam se misturar, tidos como servos conhecedores e detentores dos mistérios de Deus.

Com a progressiva queda de tal espiritualidade, que mais oprimia do que libertava, a Igreja aos poucos se volta para o mundo e para a acolhidos dos pecadores. Trata-se de um voltar-se com misericórdia, pois se descobriu que a linguagem ameaçadora do pecado não funciona mais, dado o avanço da consciência cristã dos que aderem à fé. Expressar a verdade evangélica de forma misericordiosa significa acolher as pessoas e levá-las ao seguimento de Jesus. Não se trata de enquadrá-las nas leis e exigências canônicas, mas de conscientizá-las da necessidade da construção do Reino de Deus no seguimento de Jesus. Tudo isto é um caminho de liberdade.

É perceptível a resistência de muitos ordenados, consagrados e leigos às mudanças apontadas pelo evento Vaticano II. Infelizmente, há uma “cultura do retorno” ao modelo de Igreja construído pelo Concílio de Trento. Tal retorno não é possível porque a grande maioria do povo não aceita. O povo não fala com discursos, pois não entendem a linguagem eclesiástica, mas fala com posturas e atitudes. Antigamente, a hierarquia falava e o povo obedecia. Hoje, a hierarquia fala e o povo vai pensar se aceita. Por isso, a Igreja precisa repensar sua pregação, pois por mais que pensemos que as pessoas balançam positivamente a cabeça diante de nossa pregação, elas estão analisando se tal pregação tem sentido para a vida concreta delas.

As prostitutas e os publicanos precisam ser acolhidos. Estas pessoas formam uma grande parcela de nossa sociedade. Esta exclui e condena tais pessoas, mas evangélica e misericordiosamente a Igreja precisa acolhê-las. É isto que Jesus nos pede. Enquanto membros do caminho de Jesus precisamos acolher aquelas pessoas para as quais Jesus veio, os pobres e os pecadores públicos. Os santos são aquelas pessoas que acolhem como Jesus acolheu. É verdade que não é tarefa fácil, mas é nossa missão. É preciso tomar cuidado para não nos excluirmos a nós mesmos do Reino de Deus excluindo de nossa convivência e de nossa amizade as prostitutas e os publicanos de nossos dias. O Reino de Deus pertence aos excluídos e marginalizados. Que o Deus da vida nos liberte dos pecados da omissão e da exclusão.


Tiago de França

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