domingo, 21 de fevereiro de 2010

As tentações e a nossa conversão


“Retirem-se as tentações e ninguém será salvo”
(Pai Evágrio, monge do deserto).

A liturgia deste 1º Domingo da Quaresma oferece-nos o texto de Lucas 4, 1 – 13, que fala daquilo que podemos chamar de retiro quaresmal de Jesus. Ele inicia a sua missão com este retiro. Na experiência do deserto aparecem três tentações: fome, poder e providencialismo. Jesus as enfrenta e as vence, mostrando que não se deixou vencer pelas propostas contrárias ao projeto de Deus. As tentações são formas de afastamento ou traição do projeto divino, ou seja, por meio delas podemos renunciar à vontade de Deus e abandonarmos o seu projeto.

A citação do Pai Evágrio, monge do deserto nos faz pensar sobre a importância das tentações na vida do cristão, seguidor de Jesus Cristo. Pode-se encontrar algum valor nas tentações? Sim, certamente. Algumas afirmações precisam ser frisadas antes de avaliarmos mais profundamente sobre o valor das tentações, a saber:

- Deus não nos livra da tentação, logo perde seu tempo quem pedir a Deus para viver neste mundo livre das tentações. O citado texto evangélico revela que nem Jesus, o Messias de Deus, foi poupado das tentações.

- Deus não tenta a ninguém e nem permite que sejamos tentados acima de nossas forças, como nos revela o apóstolo Paulo (cf. 1 Cor 10, 13). Isso nos revela, ainda, que não causa alegria e satisfação a Deus o fato de sermos tentados e cairmos na tentação, pois a oração do Pai nosso nos ensina que Deus pode nos ajudar a não cairmos nas tentações.

- Não seremos abandonados por Deus se cairmos em tentação, pois Ele conhece a nossa fraqueza e nos ama do jeito que somos. Ele não exige perfeição de nossa parte, pois sabe que somos fracos por natureza, que sem a sua graça não somos nada e nada podemos fazer. Quando afirmo que Deus não nos exige perfeição não estou negando o convite de Jesus: “Sede perfeitos, como o vosso Pai do céu é perfeito” (Mt 5, 48), mas estou afirmando que, humanamente, não temos condições de corresponder plenamente a tal convite, uma vez que somos concupiscentes, ou seja, tendemos ao pecado.

As tentações são necessárias à nossa salvação, pois através delas podemos alcançar a misericórdia de Deus. A mesma coisa podemos dizer do pecado, pois é por meio deste que somos assistidos pela graça de Deus. Claro que não podemos afirmar que a graça de Deus age em nós somente pela via do pecado, ou seja, somente quando pecamos, mas costumamos clamar a misericórdia de Deus quando nos conscientizamos de nossos pecados, pois eles nos afastam de Deus.

Diante das variadas formas de pecado que podemos cometer contra a vontade divina, devemos nos preocupar com o pecado maior, aquele que pode nos privar definitivamente da salvação, esta entendida como participação no Reino de Deus. Este pecado maior pode ser chamado de desamor. Fechar-se à experiência do amor de Deus que se revela no amor ao próximo. Não podemos nos preocupar com o fato de cairmos na tentação de cometer pequenas faltas, que em nada modificam o sentido de nossa vida, nem interferem no seguimento de Jesus, mas devemos nos preocupar com a falta do amor, pois tal falta tira o sentido de nossa vida.

A partir das tentações que nos vão aparecendo, temos a oportunidade de vivenciarmos a experiência da misericórdia divina que não nos abandona. Deus é justo e fiel, pois nos assiste com sua graça e não deixa de nos amar por causa de nossos pecados. O Senhor não leva em conta os nossos pecados, porque sabe que não subsistiríamos a seu juízo (cf. Sl 129). Não podemos cultivar em nós a falsa imagem de um Deus vingativo e vigilante, que fica a espreita esperando nossa queda para nos castigar. Isso contradiz o princípio da misericórdia divina. Deus é infinitamente bom e amável e jamais se cansa de nos amar, apesar de nossas iniqüidades.

Assim sendo, a batalha espiritual do cristão não está em pecar ou não pecar, mas em está ou não no caminho de Jesus por meio da vivência do seu amor. Eis o que deve nos preocupar: se estamos ou não unidos a Deus por meio da unidade para com o nosso próximo, por meio do amor. É uma batalha porque somos tentados a nos fechar em nós mesmos (individualismo) e nos esquecermos que somos filhos de um mesmo Pai. Jesus foi tentado três vezes, segundo o texto, a trair ou desistir do caminho da Cruz, caminho de vida e ressurreição. A mesma tentação se manifesta nos dias de hoje e com mais intensidade, pois a ilusão do consumismo, do poder e das riquezas nos desafia todos os dias.

Estar no caminho de Jesus pressupõe coragem e ousadia profética, pois não se trata de um caminho qualquer, mas de uma experiência desafiadora que se revela no amor-doação, no grito contra as injustiças, na luta pela libertação integral da pessoa humana, na renúncia às forças do anti-Reino, na coragem de ser sal e luz do mundo. É um caminho perigoso, mas que vale a pena ser trilhado. Como dizia o profeta Dom Hélder Câmara: “O caminho de Jesus é uma experiência linda de viver!”. Na história do Cristianismo encontramos várias mulheres e homens que se deixaram conduzir no caminho de Jesus e, apesar do sofrimento causado por tal adesão, são felizes eternamente porque se tornaram membros do Reino de Deus em construção. Eis a verdadeira felicidade: se tornar membro do Reino de Deus.

O convite deste início de Quaresma é para que possamos nos deixar conduzir pelo Espírito de Deus. Deixar conduzir pelo Espírito é uma aventura gratificante, que nos leva a caminhos nunca vistos ou pensados. Somente o Espírito nos faz sentir na vida cotidiana a presença amorosa de Deus que revela na ternura e na intimidade que se pode viver nas relações humanas. Se vivemos num século perturbado, numa Igreja que não sabe bem para onde vai (em alguns momentos isto se revela, pelo menos nas ações de alguns personagens), é porque nos recusamos a viver segundo o Espírito, como nos ensina São Paulo (cf. Rm 8, 1 – 17). O caminho da conversão está em viver segundo o Espírito, porque este nos revela o amor, nos faz viver o amor e nos converte no amor.


Tiago de França

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