sábado, 13 de fevereiro de 2010

Os bem-aventurados do Reino de Deus


A presente reflexão tem como referência o texto evangélico da liturgia deste 6º Domingo do Tempo Comum: Lc 6, 17. 20 – 26. Jesus cita os bem-aventurados e os mal-aventurados. Os primeiros são felizes, os últimos não. Os bem-aventurados são os pobres, os que têm fome, os que agora choram e os que são vítimas do ódio, da expulsão, dos insultos e da maldição. Os mal-aventurados são os ricos, os que têm fartura, os que agora riem e os que são elogiados. Esta é a letra do texto. Como entendê-lo para os dias de hoje?

“Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus!” O oposto desta bem-aventurança se refere aos ricos, logo não podemos afirmar que Lucas se refere aos pobres, espiritualmente, mas aos pobres, materialmente. Desde que o homem inventou a propriedade privada, apoderando-se das riquezas do mundo, particularizando-as, os pobres começaram a existir. Existem pobres porque há ricos. Estes o são por causa daqueles. Se eu sou pobre e tu és rico é porque tu tens aquilo que me falta. A recusa à partilha gera exclusão e miséria. Esta é diferente da pobreza.

Ser pobre não é um mal, este está no fato de não ter o necessário para a manutenção da vida. Sociologicamente, fala-se de categorias de pobres e do surgimento de novos tipos de pobreza, mas de maneira geral podemos dizer que os pobres que podem viver dignamente e há os miseráveis, que nada têm para viver. O combate à miséria é uma urgente necessidade que se manifesta em todas as épocas da sociedade humana, pois sempre foi uma realidade que agrediu e continua a agredir a dignidade da pessoa humana, dotada de direitos e deveres. Há o direito de se viver bem e há o dever de se assegurar este viver.

Os demais bem-aventurados do texto também se referem aos pobres, pois estes passam fome, choram, são odiados, expulsos, insultados e amaldiçoados. Diante das catástrofes naturais e sociais que assistimos na realidade atual, os pobres sempre são as maiores vítimas. Se olharmos as vítimas do recente terremoto do Haiti, veremos que são pessoas pobres; se visitarmos os grandes presídios deste país, veremos que os presos são pobres; se olharmos os jovens, vítimas das drogas, da violência e da prostituição, veremos que a grande maioria é pobre. Diante da crise financeira que se abateu sobre o mundo, os pobres foram os que mais sofreram. Se buscarmos saber quem são os desassistidos pelo serviço público de saúde, educação, moradia, saneamento básico, segurança, justiça etc. veremos que a maioria é pobre. Enfim, os pobres são os sofredores deste mundo. Eles não existem por causa do destino ou por causa da vontade de Deus, mas são resultado da ganância, do individualismo e dos sistemas econômicos criados pelos homens.

Eclesialmente, depois do despertar conciliar do Vaticano II, a Igreja viu que precisava urgentemente optar pelos pobres, pois antes ela não fazia tal opção. Infelizmente, a Igreja sempre foi conivente com a escravidão e a exploração do homem pelo homem, salvo algumas exceções de mulheres e homens de Igreja que souberam amar Cristo e seus irmãos. A História da Igreja sabe muito bem falar sobre isso e a história secular mais ainda. Ninguém pode ir contra a história verídica, pois esta desmente quem busca esconder a verdade dos fatos. A verdade fala por si mesma, quer que admitamos ou não. Ela está aí, todos podem ler.

As Conferências Episcopais das Igrejas Particulares da América Latina, graças ao entusiasmo de muitos Bispos profetas e do testemunho exigente de muitas pessoas inseridas na pobreza, resolveram refletir seriamente as conclusões conciliares e até hoje buscam construir um modelo de Igreja que se aproxime cada vez mais do Evangelho de Jesus. O Espírito do Senhor tem sido misericordiosamente providente para com a Igreja Latino-americana fazendo surgir mulheres e homens que não se cansam de amar a Deus na luta pela libertação integral do ser humano. De fato, a Igreja reaprendeu a ler o Evangelho de Jesus e por toda parte temos o testemunho dos mártires da caminhada, que com seu sangue não deixam a profecia morrer. A Igreja tem demonstrado muitos sinais de conversão.

“Mas, ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação”. Este “ai de vós” é uma séria advertência para os ricos. Em outras ocasiões Jesus os adverte sobre o perigo de suas riquezas. Estas prendem seus corações e os afastam de Deus, porque são conseguidas, na maioria das vezes, com meios ilícitos. Os ricos precisam passar pela experiência de Zaqueu, chefe dos cobradores de impostos, que tendo recebido Jesus em sua casa resolve mudar de vida partilhando sua riqueza e devolvendo quatro vezes mais às pessoas às quais tinha roubado (cf. Lc 19, 1 – 11). Os ricos de nossos dias estão cada vez mais ambiciosos e sofisticados, roubam descaradamente aos pobres. Destacamos os políticos corruptos, que descomprometidos com a justiça social e com a moralidade política desviam os recursos públicos, deixando a população desassistidas em seus direitos.

O sistema capitalista oportuniza o surgimento de ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. Os primeiros, geralmente, costumam ser insensíveis ao sofrimento dos pobres aproveitando-se dos mesmos para a própria promoção. Costumam, ainda, ser oportunistas, exploradores, espertos, calculistas, etc. Cada vez mais se aperfeiçoam na vergonhosa arte de enganar e subornar a consciência das pessoas. São pessoas demasiadamente fartas, que vivem rindo à toa, sem saber onde colocar tanto dinheiro; são elogiadas e bem vistas na sociedade, amigas do discurso e da aparência no jeito de ser e de se comportar.

Por isso, Jesus exige, radicalmente, que todos os ricos reorientem suas vidas através das práticas da partilha e da solidariedade. Os ricos são chamados a viver a justiça do Reino de Deus, que os igualam a todas as pessoas deste mundo. A Campanha da Fraternidade deste ano é um convite para os ricos deixarem de servir ao dinheiro e se tornarem discípulos e missionários de Jesus na justiça e no amor. O que Jesus propõe é a renúncia ao supérfluo e o ingresso no caminho da justiça, do contrário não há salvação para aqueles que vivem toda a vida servindo ao dinheiro. Infeliz do homem que põe a sua confiança no dinheiro, pois somente Deus é a nossa confiança, em quem podemos viver seguramente tranqüilos e em paz (cf. Jr 17, 5 – 8).


Tiago de França

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