domingo, 7 de março de 2010

Os frutos da conversão


Neste 3º Domingo da Quaresma, a Igreja tem no texto evangélico segundo Lucas 13, 1 – 9, uma profunda mensagem para reflexão. Todo o Evangelho de Jesus nos motiva e nos orienta em nosso processo de conversão. É para nos convertermos que refletimos o Evangelho, acreditamos e seguimos Jesus de Nazaré. A conversão é o fruto de nossa fé, pois todo aquele que acredita em Jesus corresponde ao seu chamado de conversão. Quem se recusa à conversão faz um caminho inverso ao de Jesus, ou seja, não está no caminho de Jesus, pois este é o da conversão que confere a verdadeira vida.

O início do texto de hoje revela a situação de opressão do povo do tempo de Jesus. Algumas pessoas informam Jesus “a respeito dos galileus que Pilatos tinha matado, misturando seu sangue com o dos sacrifícios que ofereciam”. Isto revela o estado de violência e opressão por parte do Império romano da época, no qual as pessoas eram brutalmente assassinadas. E a situação era tão horrível que, pelo que descreve o texto, o sangue das vítimas era misturado com o sangue dos sacrifícios que se ofereciam no Templo. A resposta de Jesus aponta para a conversão. Ele deixa bem claro: quem não se converter irá, conseqüentemente, morrer. É o que o apóstolo Paulo de Tarso vai ensinar posteriormente: “O salário do pecado é a morte” (Rm 6, 23).

Mas de que tipo de conversão e de morte está falando Jesus ao afirmar duas vezes: “Mas, se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo”? Antes, Jesus deixa bem claro que os que morreram não eram mais pecadores do que os demais da Galiléia e de Jerusalém. Não sabemos do pecado daquele, nem destes; mas sabemos o pecado de Pilatos, que a serviço do Império romano ceifava a vida de muitos. O pecado cometido por Pilatos era de ordem estrutural, pois matava em nome do Império romano e a serviço do mesmo. O pecado estrutural, diferentemente dos pecados de ordem pessoal, são aqueles que são cometidos pelo sistema opressor vigente e que tem capacidade de ceifar muito mais vidas do que os pecados pessoais. Os pecados estruturais acabam com um povo, os pessoais acabam com pessoas. É verdade também que estes levam aqueles.

Quem não se converte, morre. O que isso significa, se todo ser humano tem a morte como certeza na vida? Quando Jesus fala de morte devido ao pecado, ele não se refere à morte natural. Esta está para todos, nem o próprio Jesus escapou dela. Jesus se refere à morte da vida que dura para a eternidade. Esta se encerra na nossa plena comunhão com Deus. Está unido a Deus, eis a nossa vocação e o nosso fim último, porque nele está a nossa vida. É preciso que enxerguemos a morte nesta perspectiva, ou seja, não precisamos nos preocupar com a morte natural, pois esta é uma ponte para a verdadeira vida ou para a morte definitiva, que consiste na aniquilação total do ser. Por isso, a conversão é um processo que desemboca na comunhão plena com Deus, nós caminhamos todos os dias para a visão plena beatífica.

O Cristo que nos chama para a conversão é o mesmo que nos converte plenamente, porque com nossas próprias forças somos impossibilitados de nos converter ao Deus que pode nos libertar da morte definitiva. Converter-se significa mudar de rumo, reorientar a vida. Há três ferramentas que explicam a conversão cristã: fé, esperança e amor. Estas três virtudes nos convertem. Os mártires da fé cristã também ensinam com a vida que a coragem, que nos liberta do medo e a verdade, que nos liberta da mentira, também nos ajudam em nosso processo diário de conversão. São como que recursos que estão à nossa disposição e que nos refazem diante de Deus, recuperam em nós a imagem e semelhança divinas ameaçadas pelo pecado de Adão e Eva.

Os Pilatos de ontem e de hoje dificilmente se convertem. O poder imperial exercido pelos sistemas elaborados é muito forte e os impede até de pensar na possibilidade de se converter. Estes Pilatos podem ser considerados as cabeças pensantes e os grandes proprietários do poder, que buscam viver na ostentação das riquezas, do prestígio e do poder, em detrimento da vida de milhões de pessoas que padecem diariamente de tantos males e misérias. Alguns Pilatos têm cara de piedosos e costumam fazer doações às vítimas das catástrofes que se abatem sobre os pobres, isto para passar a idéia de que são sensíveis ao sofrimento do próximo. Tais recursos paliativos e/ou ocasionais manifestações de suposta caridade não representam, nem manifestam sinais de conversão, pois não são frutos da partilha, nem de mudanças estruturais de pensamento e de vida.

A conversão da pessoa e do mundo passa pelas mudanças de estruturas, só que estas são quase impossíveis de acontecer entre os seres humanos. O jogo de interesses, a competição, o egoísmo e o individualismo, que caracterizam o sistema econômico que domina o mundo (capitalismo) não permitem conversão estrutural. O apego desordenado é outro mal que está deixando as pessoas cada vez mais vazias e superficiais, pois o valor de tais pessoas é medido por aquilo que ela tem e não por aquilo que ela é. A perda do transcendente no ser humano é algo desastroso, pois a partir daí o homem deixa de olhar para o futuro e passa a investir todos os recursos possíveis e até impossíveis na vivência hedonista do presente. Repensar tais questões é dar andamento ao nosso processo de conversão, que passa pela revisão constante das atitudes que se tomam na vida na perspectiva do Evangelho.

O texto termina com a parábola da figueira. O dono da figueira quer vê-la frutificar. Ele não aceita que a mesma fique sem dar figos. A figueira da parábola não deu frutos e foi pedido que a cortasse de imediato, mas o vinhateiro insistiu na necessidade de se esperar mais um pouco, para que a mesma, no ano seguinte, depois de uma boa adubação, desse figos. O vinhateiro parece acreditar no potencial da figueira. Na vida da Igreja temos muitas pessoas que estão na mesma situação da figueira do texto, pois não estão frutificando. Muitas delas, nem adubando tem jeito! Parece trágico, mas não é. Mas mesmo assim o dono da vinha e o vinhateiro não as cortaram. É verdade que muitas já foram cortadas, depois de muita insistência.

Todo aquele que aceita seguir Jesus e se põe em seu caminho é chamado a frutificar, do contrário somente pensa que está caminho, mas na verdade não está. No caminho de Jesus frutifica-se no amor e para o amor, na liberdade e para a liberdade, na esperança e para a esperança. É um processo lento e difícil. Jesus não tem pressa, é bondoso, compassivo e paciente. Ele nos conhece, nos compreende e nos espera. O mundo precisa urgentemente dos frutos da vida cristã: fé, esperança e amor. Estes frutos geram justiça, compaixão, liberdade e coragem. A colheita de tais frutos humaniza toda a humanidade e a vida se torna possível, do contrário, todos morremos na infelicidade oriunda da privação do amor e da justiça que geram liberdade. Que no encontro com o próximo nosso irmão possamos nos encontrar e neste encontro possamos também encontrar a Deus, que é a nossa Vida.


Tiago de França

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