quarta-feira, 28 de abril de 2010

Ler é filosofar


Diante de um livro, de um jornal, de uma revista, de um encarte ou anúncio, o homem aprende, lendo, que a vida fala de si mesma. Quando leio, de repente viajo sem, fisicamente, sair do lugar. A leitura me informa, me questiona e me diz sobre o ser da coisa. Por meio dela, tudo se torna dito e o dito fala o desconhecido, que se revela ao leitor.

Como é bom ler! É uma arte inteligente, atividade de poucos. São poucos, os inteligentes? É preciso continuar lendo para saber. O ato de ler me diz que quem ler:
- sabe mais,
- enxerga melhor,
- pensa mais,
- se expressa bem porque tem vocabulário,
- se posiciona diante da vida com argumentações lógicas oriundas da reflexão.

A leitura é ferramenta necessária no processo de evolução do ser humano. Ela ajuda até na saúde mental, pois ler é uma atitude que exige concentração e intelecção, ou seja, entendimento do que se ler. E o mais curioso da leitura é que, quando lemos, comprometemo-nos direta ou indiretamente com aquilo que lemos. É uma forma segura de fica sabendo. O saber é a certeza e/ou conseqüência do ato de ler. A melhor leitura é aquela que nos instiga a continuar lendo.

A leitura, finalmente, leva-nos a pensar na vida, pois todo conteúdo aponta-nos uma realidade e toda realidade instiga-nos à compreensão. O humano é um ser que gosta de entender as coisas, que necessita compreender. É uma questão de necessidade existencial.

Lendo o que se diz dos brasileiros, é de se lamentar o fato vergonhoso de que o povo brasileiro não ser habituado à leitura. Um povo que não ler a própria história é um povo sem memória e, consequentemente, fácil de ser manipulado. Uma das atividades mais detestadas por nossas crianças e jovens é a leitura. Infelizmente, estas mesmas crianças e jovens serão os adultos de amanhã. Se competência e honestidade dependem de conteúdo, pode-se afirmar que o futuro do Brasil deve ser motivo de preocupação. Os profissionais de hoje foram os estudantes de ontem e os profissionais de amanhã são os estudantes de hoje. E estes, gostam de ler?

A realidade brasileira em matéria de educação e leitura clama por políticas públicas e projetos de incentivo à leitura. Baratear o valor do livro também seria uma maneira eficiente de se incentivar.


Tiago de França

sábado, 24 de abril de 2010

Testemunhas da Ressurreição


“As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem” (Jo 10, 27).

Neste 4º Domingo da Páscoa a liturgia nos oferece a figura de Jesus, o bom Pastor. O texto evangélico é curto (cf. Jo 10, 27 – 30) e de um significado profundo para a vida cristã. Na pessoa de Jesus encontramos o sentido e o valor da vida cristã. Jesus é a referência por excelência para se compreender a mística e a espiritualidade cristãs, sem abordar seu testemunho de vida, toda reflexão não passa de falácia e/ou ilusão. Por que, de início, é preciso enfatizar tal questão? Porque, atualmente, Jesus e seu Evangelho estão sendo marginalizados na reflexão e na prática da fé, enquanto outros valores e/ou interesses estão sendo proclamados e vivenciados. Fala-se da pessoa de um Cristo que nunca existiu, pois falam de um Cristo sem projeto. Falar de Jesus sem referência ao Reino que ele inaugurou é falar de um Jesus falso, sem rosto, sem história.

Nestes dias, minha turma de Seminário está realizando um passeio comunitário na cidade do Rio de Janeiro. Na chegada, tivemos muita dificuldade, pois o trânsito estava caótico. Motivo: o dia D da Igreja Universal do Reino de Deus. O famoso Dia da Decisão. Neste dia, segundo o que a mesma Igreja ensina, Deus é invocado e atende prontamente às preces dos fiéis. Segundo a Polícia Militar do Rio compareceu 1 milhão de pessoas ao evento e 8 milhões em todo o país. Abstenho-me em fazer um juízo de valor sobre o evento em si, pois é matéria para outro artigo, mas a partir do título da presente reflexão, podemos indagar o seguinte: Qual o testemunho de fé que procede de tal evento?

Peço ao leitor que não me julgue mal, interpretando que esteja querendo difamar a Igreja Universal e exaltar a Igreja Católica. Não perco meu tempo com isto, afinal de contas, ambas se encontram numa histórica e triste situação. Os escândalos falam por si mesmos. Teologicamente, o que preocupa é que não se fala da construção do Reino de Deus. Falar de tal construção é o primeiro passo. É necessário que tal temática esteja no centro das discussões e seja o projeto fundamental da Igreja e/ou do Cristianismo (conjunto das Igrejas cristãs). Falar da construção é comprometer-se. Quem anuncia Jesus deve se comprometer com ele, pois é o próprio Jesus o Reino de Deus entre nós. O fato é que assisti a ida de pessoas indo ao encontro de pastores que prometem curas e milagres para uma multidão insaciável e cheia de problemas para resolver, principalmente problemas de ordem financeira. Multidão que procura somente milagres porque é induzida somente para isto.

A Igreja Universal do Reino de Deus tem interesse especial por pessoas com problemas financeiros, pois a Teologia da Prosperidade está no centro daquilo que chamam de anúncio da Boa Nova. Esta se resume no seguinte slogan: “Entrega a tua vida e teus bens ao Senhor Jesus e ele resolverá todos os teus problemas”. O nome da Igreja é até bonito, pois faz referência ao Reino de Deus, mas a prática marginaliza plenamente tal Reino. É revoltante a lavagem cerebral que se faz na cabeça da pobre gente ignorante. Gente que desconhece o conteúdo autêntico da Palavra que integralmente liberta. A Palavra é usada como instrumento de manipulação e alienação da consciência. Trata-se de um pecado que fere o princípio da misericórdia divina, um pecado contra o Espírito de Deus. Trata-se do pecado e do deplorável veneno dos fariseus, que precisam ser condenados e denunciados com a maior veemência possível.

A espiritualidade do Bom Pastor nos ensina que os verdadeiros pastores precisam dar a vida por suas ovelhas. O pastor que se aproveita da inocência e ingenuidade de suas ovelhas é mercenário. Recentemente, estamos assistindo às denúncias dos crimes de pedofilia cometidos por alguns membros do clero, que envergonham a Igreja Católica. Criminosos de batina que se aproveitaram da inocência de crianças e adolescentes ao longo de décadas. Misericordiosamente, é preciso que clamemos pela justiça dos homens e pela divina, a fim de que tais atos não sejam mais tolerados por Bispos descomprometidos com a saúde pública e com a moral cristã, que, comprovadamente, se deixaram corromper e/ou que acobertaram tais crimes.

A espiritualidade do Bom Pastor nos ensina também que a Igreja precisa de ovelhas dóceis à voz do Espírito, que trabalhem eficazmente na construção do Reino. A Igreja não precisa de ovelhas alienadas e passivamente obedientes à hierarquia, mas de cristãos adultos e comprometidos na justiça e no amor. Tais exigências apontam para uma responsabilidade maior por parte dos que podem oferecer uma formação sólida às lideranças do Povo de Deus nas Comunidades. É preciso que se recupere o sentido de comum-unidade, a fim de que a Igreja se torne verdadeiramente Povo de Deus, do contrário, assistiremos gradativamente a falência de uma Igreja que insiste remar contra as novidades que o Espírito faz surgir no mundo. É preciso que se tenha a coragem de se aplicar verdadeira e eficazmente o espírito de comunhão e participação que transforma e converte a Igreja.

Somente pela Comunhão e Participação de todos na Igreja é que podemos dar testemunho da Ressurreição de Jesus. Como é possível dar testemunho se somos desunidos? Como podemos dar testemunho se temos medo de avançar para as águas mais profundas? Se a desunião e o medo tomam conta de nosso ser Igreja, como construir o Reino? Já passou da hora de pensar seriamente sobre isto. Pensar seriamente é pensar tendo em vista o compromisso. Na Igreja temos muita coisa bem elaborada, penso que seja a hora de efetuarmos algumas questões, pois o tempo passa e a sociedade evolui, a Idade Média com sua cristandade não existem mais, a não ser na cabeça de alguns saudosistas e/ou revoltados.

O Espírito do Ressuscitado é a força que reanimou os discípulos de Emaús, que na partilha do pão os fez reconhecer Jesus. Este mesmo Espírito nos revela por meio de sinais claros que a Igreja precisa se converter. Ela sabe dos seus pecados e conhece as próprias feridas. Não se podem buscar paliativos, remédios que não curem. É urgente que se busque auxílio antes que certas doenças se tornem um câncer, que poderá ser incurável. Para o Espírito do Senhor tudo pode ser transformado, mas tal transformação deve partir de cada pessoa que forma a Igreja, pois o Espírito não faz mágica, mas com e a partir da humanidade dos homens faz a transformação acontecer. É este o Espírito que guia e ilumina a Igreja, o mundo e os homens. Ele é livre e libertador. Quem se deixa conduzir por ele torna-se verdadeiramente livre. É ele quem nos faz testemunhas da Ressurreição no cotidiano da vida.


Tiago de França

sábado, 17 de abril de 2010

O amor e o seguimento de Jesus


“Segue-me” (Jo 21, 19).

No texto evangélico deste 3º Domingo da Páscoa (cf. Jo 21, 1 – 19) encontramos a narrativa da terceira aparição de Jesus ressuscitado a seus discípulos. Primeiro temos a pesca: depois de uma noite sem pescar nada, eles atendem ao pedido do Mestre e pescam abundantemente. Segundo, depois da refeição temos a profissão do apóstolo Pedro, respondendo afirmativamente por três vezes que amava Jesus. Por último, encontramos o grande convite: “Segue-me”.

Com a pesca aprendemos que somente sob a orientação de Jesus é que a missão é possível, pois ele é sua centralidade. A missão consiste justamente no anúncio da pessoa de Jesus. Hoje, como Jesus nos orienta? Primeiro, por meio de sua palavra. Ele mesmo é a Palavra de Deus, é Verbo encarnado, que dando a vida pelo resgate de muitos não foi esquecido na região dos mortos, mas ressuscitou. Portanto, o anúncio do Ressuscitado consiste a missão a Igreja. “Ele é a vossa palavra viva, pela qual tudo criastes”, ensina-nos a segunda Oração Eucarística. Não se trata de uma palavra morta, sem vida, infrutífera, mas a Palavra de Deus encarnada na vida do mundo e ressuscitada para a vida do mundo.

Segundo, por meio do Espírito de Deus que sonda todas as realidades visíveis e invisíveis. Logo mais, na liturgia da Igreja, celebraremos o Pentecostes, que vai nos recordar que o Espírito é a alma da Igreja. Sem o Espírito não há missão. Esta está intimamente ligada aquele. É este mesmo Espírito que fecundou a vida dos discípulos de Jesus, libertando-os do medo, a fim de que anunciassem ao mundo a Boa Notícia do Reino, que é a própria pessoa de Jesus. A missão acontece conforme a inspiração do Espírito, pois é ele quem nos ensina o que dizer e o que fazer, na hora certa e no lugar certo. É a presença amorosa e encorajadora do Deus presente na história do mundo e dos homens. A escuta atenta à voz do Espírito nos faz missionário de Jesus.

Terceiro, os dilemas da vida presente são, na linguagem teológica, sinais que nos revelam a vontade de Deus. Tais dilemas têm seus lugares e personagens. O texto diz que os discípulos jogaram as redes à direita da barca e a pesca foi exitosa. Não bastam ter redes para a pesca, é necessário saber onde pescar. O pescador prudente não pode passar a noite sem nada pescar, mas precisa saber qual o lugar onde se podem encontrar bons peixes. No anúncio do Cristo que salva, o missionário precisa saber anunciar. O mundo exige que sejamos não somente missionários, mas bons missionários. Como ensinou São Vicente de Paulo numa de suas orações vocacionais: “Não importa que sejam poucos, mas que sejam bons”.

A Igreja latino-americana descobriu na sua reflexão teológica que o Pobre é o lugar do encontro com Jesus. Antes de tal reflexão, São Vicente de Paulo ensinou que “os pobres são nossos mestres e senhores”. Assim sendo, este lugar de encontro também é o lugar da pesca. É lá que o discípulo se encontra com o Mestre e aprende a ser missionário. A Igreja precisa mais do que em outras épocas redescobrir este verdadeiro lugar de encontro com Jesus, pois como disse o Papa João Paulo II: “Fiel ao espírito das bem-aventuranças, a Igreja é chamada à partilha com os pobres e oprimidos de qualquer gênero. Assim, exorto os discípulos de Cristo e as comunidades cristãs, desde as famílias às dioceses, das paróquias aos institutos religiosos, a fazerem uma sincera revisão da própria vida, na perspectiva da solidariedade com os pobres” (Carta Encíclica Redemptoris missio, n. 60).

Redescobrir tal lugar de encontro é buscar rever certas posturas que são contratestemunhos na vida eclesial. Assim sendo, é necessário que a Igreja esteja atenta às transformações sociais e tenha a coragem de lançar as redes no lugar certo, lançar as redes “nas águas mais profundas”, como nos ensina Jesus em outra ocasião. O momento atual desafia a Igreja a uma revisão de vida na perspectiva dos pobres. Tal revisão torna-se cada vez mais urgente, do contrário, as redes vão ficando vazias e as saídas para a pesca, frustrantes. Temos mares, redes e todos os instrumentos possíveis, resta-se imitar os discípulos de Jesus: perder o medo e jogar as redes.

A profissão de Pedro nos ensina o valor do amor que gera fidelidade à missão recebida. Somente o amor nos conduz à missão e nos torna verdadeiramente bons missionários na messe do Senhor. É o amor que nos mostra com a devida certeza o lugar da boa pesca. O amor é como o querosene no candeeiro, sem querosene não existe luz. Aquele que não ama a missão recebida, nem as pessoas com as quais se encontra não é missionário, mas aparência de missionário. O amor sustenta e dá sentido à missão. Esta deve ser vivida no amor, por amor e para o amor. Isto porque aquele que nos envia é o amor por excelência.

Por fim, temos o convite de Jesus: “Segue-me”. Para segui-lo é preciso pescar com amor. Seguir Jesus é estar com ele onde ele está. Jesus tem o seu lugar no mundo, não está à toa. No Evangelho o encontramos no meio dos excluídos. Ele se recusa em viver na corte imperial, mas na beira do caminho e nos pequenos povoados, no meio dos pecadores e da multidão empobrecida. Jesus é o missionário do Pai que não visita o povo, mas é povo vivendo no meio do povo, o Irmão entre os irmãos. Com isto, o discípulo missionário de Jesus já sabe onde deve permanecer enquanto a sua missão perdurar neste mundo. Trata-se de um ensinamento fácil de aprender, mas difícil de viver. O Pobre enquanto lugar teológico é a escola onde se aprende a seguir Jesus. Quem não estiver disposto a ingressar na fileira dos servidores dos excluídos, não terá o privilégio de viver com Jesus e em Jesus.

Concluo esta reflexão com o testemunho de Francisco de Assis, que tendo renunciado à vida abastarda descobriu o Cristo Jesus na pessoa dos pobres mendicantes, tornando-se um deles. A Igreja precisa resgatar tal testemunho na sua atual presença no mundo, a fim de que todos vejam e creiam que Jesus está vivo em nosso meio, não por meio do discurso teológico bem elaborado, nem da doutrina sistematicamente defendida e ensinada; mas por meio de mulheres e homens livres e felizes na missão. Mulheres e homens dotados do Espírito que confere vida e liberdade ao mundo, destemidos na missão, profetas da justiça e da misericórdia do Reino de Deus. Somente assim, não precisaremos temer a qualquer tipo de acusações, porque o anúncio da verdade será a nossa meta e esta mesma verdade libertará o mundo e nos libertará.


Tiago de França

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O papel da mída nas denúncias de pedofilia


Pouco antes das Celebrações da Semana Santa e Páscoa, teve início uma série de denúncias de pedofilia envolvendo padres e religiosos da Igreja Católica. Os olhares do mundo se voltam para esta triste situação, que em 2002 chamou a atenção nos EUA e neste ano se descobriu que tais crimes eram ou são praticados na Irlanda. O mundo soube da ocorrência dos mesmos através da mídia. Esta tem tido importante papel nas denúncias, tornando explícitas e/ou públicas informações que estavam restritas à Igreja. A mídia tem quebrado o “silêncio sagrado” que há séculos vigora na Igreja. Este silêncio tem se revelado muito prejudicial, pois quando quebrado tem tido péssimas conseqüências. Os recentes escândalos provam isto.

A reação primeira da Igreja diante das denúncias foi de total rejeição, ou seja, a mídia foi acusada de sensacionalista, de está agindo de má fé; falou-se até de campanha difamatória contra o Papa. É preciso que se concorde com uma verdade indiscutível: A mídia não inventou os escândalos de pedofilia, eles, de fato, existiram e existem. Sensibilizado com a situação e tomado pela pressão midiática, o Papa Bento XVI resolveu escrever uma Carta Pastoral à Igreja da Irlanda. Logo após, demonstrou ainda mais sua preocupação publicando algumas medidas a serem tomadas diante de tais casos. Tais medidas podem ser conferidas no site do Vaticano na Internet.

Quem conhece a história contemporânea da Igreja sabe muito bem quem é o Cardeal Joseph Ratzinger, eleito Bento XVI. Trata-se de um homem culto, teólogo exigente e ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, órgão que preserva a ortodoxia da fé cristã professada na Igreja. A sua fama é a de um homem rígido e criterioso, intolerante quando se trata de desvios doutrinais e morais. Ele auxiliou o Papa João Paulo II na condenação de vários teólogos da libertação da América Latina e de outros países. O caso mais conhecido e próximo a nós é o do teólogo Leonardo Boff, ex-franciscano e ex-aluno do então Prof. Joseph Ratzinger na Alemanha. Recentemente também se publicou um documento com a assinatura do Cardeal, tolerando um caso de pedofilia, mas me abstenho de comentar sobre o mesmo porque a pretensão deste artigo é lançar um rápido olhar sobre o papel da mídia nas denúncias.

Não se pode demonizar a mídia só porque a mesma levantou a voz contra crimes cometidos por membros do clero católico. A intenção não é questionar o valor e/ou o sentido do ministério sacerdotal, mas a prática criminosa de alguns membros que exerceram e que exercem tal ministério. É preciso que se tome cuidado com o sensacionalismo midiático, que é um mal inadmissível, pois representa grave falta de ética na transmissão da verdade. Esta precisa ser dita, mas o sensacionalismo a distorce, vitimando a todos e criando um clima pavoroso, que mais confunde que esclarece. Nas atuais denúncias, particularmente, na maioria das coberturas midiáticas não encontro sensacionalismo algum, mas um esforço em denunciar uma situação criminosa e absurda, que deve ser cada vez mais considerada abominável.

Quando o crime de pedofilia é cometido por um cidadão comum da sociedade, a Igreja é uma das primeiras a condenar. Tal condenação é legítima, levando em conta o valor e a dignidade da pessoa humana. Na verdade, o termo condenação é um pouco forte e não deveria ser utilizado pela Igreja, pois a sua missão não é de condenar o mundo, mas de religar o homem a seu Criador, reconduzir a pessoa à intimidade com Deus. A palavra certa seria reprovação. Assim sendo, a Igreja – instrumento de salvação da humanidade -, como bem afirma seu Magistério, deve ter a humildade de admitir que tais crimes andam acontecendo em suas estruturas, pedir perdão e tomar iniciativas que impeçam a continuidade de tais ocorrências. Humildade e coragem, eis duas virtudes necessárias para a Igreja dos dias atuais.

Creio que é perder tempo e fugir do problema argumentar que a pedofilia também faz parte da vida social. Isto é uma verdade que não pode ser usada para minimizar a situação. Torna-se urgentemente necessário enfrentar o problema e mostrar para o mundo que a conversão é possível. Acusar organismos ou grupos, apontar pecados e argumentar falácias não é o caminho da conversão. Colocar-se no caminho de Jesus, eis o que a Igreja precisa fazer. Não que ela não esteja tentando, mas é preciso caminhar com plena convicção, pois a busca da manutenção de uma falsa imagem é a negação da convicção, é estar preocupado somente com a boa aparência e o bom discurso. Jesus não pediu isto a ninguém, mas ensinou que para segui-lo são necessários três passos: primeiro, renunciar a si mesmo; segundo, tomar a cruz; e terceiro, segui-lo (cf. Lc 9, 23). A Igreja, para permanecer em perfeito estado de missão neste mundo, precisa levar todos os seus membros a darem estes passos, a começar pelos membros da hierarquia.

A mídia expôs o clamor das vítimas e de seus familiares. Penso que se tais denúncias não fossem feitas, a Igreja não teria se apressado em falar e admitir publicamente a situação, pois há certa preocupação em manter a imagem da Igreja enquanto sociedade perfeita no meio do mundo. As denúncias dos crimes provam que a Igreja não é uma sociedade perfeita, mas uma realidade permeada pelos mesmos pecados e vícios do mundo. Seus membros devem se conscientizar de que os cristãos estão no mundo e que a missão da Igreja deve se voltar para o mundo. Jesus enviou seus discípulos para o meio do mundo e não para viverem uma vida sobrenatural como muitos espiritualistas pensam e pregam.

Há uma indagação que a Igreja ainda não respondeu à sociedade e aos seus próprios membros: O que fazer dos padres comprovadamente envolvidos com pedofilia? O Papa pediu na Carta Pastoral que os Bispos entregassem os acusados à justiça comum e colaborassem com as devidas investigações. Isto é justo e necessário. Mas diante dos casos comprovados pela justiça, quais as penalidades eclesiásticas? Suspensão do uso de ordem? Redução ao estado laico? Excomunhão do criminoso?... Ou, depois que responder ao processo penal da justiça civil, os mesmos retornarão ao ministério, sendo que em outras realidades pastorais?... As respostas a estas indagações são necessárias para o restabelecimento da confiança entre Igreja institucional e Igreja povo, entre Igreja e sociedade.

Resta-se esperar e torcer para que tais denúncias tenham um fim, do contrário, pergunta-se: Qual o futuro da Igreja Católica no mundo? Se ela não souber lidar com seus problemas, principalmente os de ordem moral, não terá condições de ajudar a sociedade a resolver os seus, pois para continuar corrigindo e até condenando os vícios da sociedade consumista, relativista e capitalista, a Igreja precisa não somente da força do Evangelho de Jesus, mas também do respaldo moral. Neste sentido pode-se empregar o ensinamento de Jesus: “Pode um cego guiar outro cego? Não cairão os dois no buraco?” (Lc 6, 39).


Tiago de França

domingo, 11 de abril de 2010

O Ressuscitado e a misericórdia


“A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20, 21).

Este segundo Domingo do Tempo Pascal é chamado de Domingo da Misericórdia. Esta revela o ser de Deus, ou seja, Deus é Misericórdia porque se compadeceu de nossa humanidade corrompida pelo pecado e se fez homem no meio do mundo para a salvação da humanidade. Aprendemos com o próprio Deus a sermos misericordiosos com o próximo. Aprende-se a ser misericordioso no pleno exercício da misericórdia. Esta é melhor entendida quando vivida na relação com o outro. É na relação com o outro que experimentamos a misericórdia divina, pois Deus se faz presente no outro e nos interpela. É verdade que precisamos, antes de tudo, ser misericordiosos conosco mesmos, para depois o sermos com o outro.

A Ressurreição de Jesus é a maior manifestação da misericórdia divina, pois vencendo a morte, o Cristo nos libertou para uma vida nova no amor. Fomos libertos para amar. A morte é justamente a falta do amor, pois quem não ama, definitivamente, morre. Como qualquer ser humano, Jesus viveu a experiência da morte corporal, mas porque amou como o Pai o enviou para amar, venceu a morte com o poder do amor. É o poder do amor que nos ressuscita, pois quem ama se liberta do ódio, da vingança, do desamor, da solidão, enfim, de toda manifestação do poder da morte. A experiência do Ressuscitado é a experiência do amor vivido até as últimas conseqüências. Quem não viver a exemplo de Jesus, amando durante toda a vida, até as últimas conseqüências, infelizmente, não vai participar das alegrias pascais, das alegrias da Ressurreição.

A experiência da fé cristã remete-nos à experiência de Jesus, pois esta é a base daquela. Não se pode perder Jesus de vista, pois ele deve ser o referencial fundamental. Quando Jesus deixa de ser o centro da vida e da espiritualidade cristãs, estas perdem seu horizonte e se tornam superficiais. A realidade de nossos dias é uma prova da superficialidade da vida e da espiritualidade cristãs. Quando relemos a experiência da Igreja primitiva logo descobrimos o quanto estamos distantes das exigências do mandato missionário de Jesus. Tal mandato remete-nos à inserção no mundo até as últimas conseqüências, como nos ensina o testemunho de vida dos mártires e dos santos.

No texto evangélico de hoje (Jo 20, 19 – 31), no versículo acima mencionado, Jesus deseja a paz a seus discípulos e os envia em missão. Depois de terem visto o Messias morto na Cruz, eles precisavam da paz do Ressuscitado para recuperarem o ânimo. Deve ter sido muito difícil para eles terem visto o Mestre, o missionário do Pai, depois de muitas andanças e realizações no meio do povo, crucificado num madeiro, madeiro que era tido como sinal de vergonha, humilhação e maldição. Imagino o semblante frustrado de todos eles, mas a alegria da presença do Ressuscitado os reanimou e os confirmou no seguimento. Os discípulos foram chamados a ser missionários e o testemunho profético de cada um revela que todos aceitaram a missão.

Este Domingo da Misericórdia nos chama a sermos missionários da misericórdia de Deus. Isto pressupõe que vivamos a misericórdia em nossas atitudes cotidianas, diante da fraqueza de nosso próximo, pois somente assim é que revelamos a face de Deus. Ele se revela no exercício da misericórdia. Esta nos leva à acolhida de nosso próximo a partir de sua condição. O mundo atual carece da espiritualidade da acolhida do próximo, espiritualidade ameaçada pelo individualismo que leva as pessoas ao isolamento em si mesmas e ao egoísmo. Somente na prática da misericórdia é que podemos quebrar as barreiras do individualismo e do egoísmo.

As diversas formas de violência presentes na vida social também revelam a falta de misericórdia nas relações entre as pessoas. A intolerância e a impaciência afetam gravemente a vida em sociedade e entre as Igrejas. Quando conseguimos ser misericordiosos com nosso semelhante e com o mundo em que vivemos, aprendemos também a sermos tolerantes e pacientes com as pessoas e com a natureza, do contrário, só assistiremos ódio e vingança que geram a destruição de todos, do homem e do mundo. Além do sentimento de compaixão em relação ao sofrimento e à realidade do outro e do mundo, o diálogo é outro instrumento necessário para a boa convivência. Sem diálogo não existe entendimento, consequentemente, não existe convivência. Esta exige comunhão e participação na vida do outro e sem o diálogo isto se torna impossível.

Enfim, podemos afirmar que a misericórdia é filha do amor e quem ama pratica obras de misericórdia e se torna misericordioso. A misericórdia nos sensibiliza para irmos ao encontro das necessidades de nossos irmãos. Não podemos nos entregar à insensibilidade de nossos dias. “Cada um por si e Deus por todos” é uma mentira que precisa ser desmascarada, principalmente os cristãos. Somos chamados a viver em comum-unidade e não deve existir a falsa ideologia do “cada um por si e salve-se quem puder”. São Vicente de Paulo ensinou que “o segredo mais íntimo de Deus é a sua misericórdia” (SVP. Coste XI, 341). Assim sendo, se quisermos participar da intimidade divina precisamos aprender a sermos misericordiosos. Peçamos, pois, a Deus esta graça e seremos salvos.


Tiago de França

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Partilha fraterna da Semana Santa e Páscoa 2010


“Povo resgatado por Deus, proclamai suas maravilhas:
Ele vos chamou das trevas à sua luz admirável, aleluia”
(1 Pd 2, 9).

Como de costume, venho mais uma vez partilhar mais um ano em que celebro, no meio do povo, a Páscoa de Jesus. Neste ano, tive a graça de celebrar a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus junto a uma pequena parcela do Povo de Deus que está no Curato Nossa Senhora das Graças, nas proximidades do Santuário de Nossa Senhora Mãe dos Homens, Caraça, Minas Gerais. O famoso Santuário do Caraça é de propriedade da Província Brasileira da Congregação da Missão (Padres Lazaristas) desde 1820, onde implantaram a formação humana e religiosa de centenas de crianças, adolescentes e jovens, que se tornaram Padres da Missão e outras grandes figuras da sociedade. Estivemos no citado Curato, que está sob os cuidados pastorais do Pe. Marcus Alexandre, CM, do dia 27 de março ao dia 4 de abril.

O Diác. Luís Carlos, CM, ecônomo de nosso Seminário em Belo Horizonte nos levou no sábado até o Santuário do Caraça, onde fomos bem acolhidos e hospedados até a chegada do Pe. Marcus, que estava na Missa da Unidade na sede episcopal de Mariana, MG. Foram designados para o Curato os seminaristas Divino Abel (goiano), Daniel de Carvalho (baiano), Adalberto Silva (mineiro) e eu (alagoano). Logo após o almoço, com a chegada do Pe. Marcus, fomos ao Brumal, uma das Comunidades do Curato, a mais organizada, estruturada e tradicional de todas. Nesta Comunidade, ficamos hospedados numa “Casa Paroquial”, vizinha à Capela e ao cemitério locais.

Fomos bem acolhidos por uma das coordenadoras da Comunidade, Dona Lia. Às 19h participamos, no Brumal, da Celebração da Luz. No Domingo de Ramos, todas as Comunidades do Curato tiveram Procissão e Missa de Ramos e os seminaristas se fizeram presentes em todas elas, com exceção de Santana do Morro. Logo após as Missas do Brumal e Barra Feliz, que ocorreram às 8h e 8h30, respectivamente, todos fomos passar o resto do dia no Santuário do Caraça. Na Comunidade do Sumidouro houve Missa de Ramos às 17h30. Dormimos no Caraça.

Na segunda-feira, 29 de março, às 16h tivemos Missa na Comunidade do Sumidouro, antes, fizemos algumas visitas orientadas pelo Senhor Geraldo, um santo vicentino que faz parte da coordenação da Comunidade. Às 18h30 tivemos Missa e Procissão do Senhor dos Passos na Comunidade do Brumal. Dormimos nesta Comunidade após o cumprimento das atividades. Na terça-feira, 30, no Sumidouro tivemos Via-sacra às 19h30 e no Brumal às 18h30 tivemos as Procissões de N. Sra. das Dores e do Senhor dos Passos. Não houve o encontro dos dois Santos porque choveu bastante e somente a Senhora das Dores chegou à Capela. Neste mesmo dia, às 15h também tivemos Missa da Saúde em Barra Feliz.

Na quarta-feira, às 19h tivemos a Celebração das Dores de Nossa Senhora no Sumidouro e em Barra Feliz. No Brumal, às 16h, a Missa da Saúde e às 20h, nesta mesma Comunidade, houve a Encenação com o Grupo de Arte Sacra. Na Quinta-feira Santa, às 9h houve no Brumal o Encontro dos Crismandos do Curato, nesta também houve, às 20h a Celebração da Ceia do Senhor. Em Barra Feliz e Santana do Morro, tal Celebração se deu às 19h. Neste mesmo dia tivemos dois encontros com as crianças, um no Sumidouro e outro no Brumal, ambos às 15h. Na Sexta-feira da Paixão do Senhor tivemos no Sumidouro, às 7h a Via-sacra, esta no Brumal aconteceu às 8h e em Barra Feliz às 6h. Em todas as Comunidades, às 15h tivemos a Celebração da Adoração da Cruz.

Passamos todo o dia do Sábado Santo no Santuário do Caraça, descansando um pouco, e às 19h tivemos a Solene Vigília Pascal em Santana do Morro, às 20h no Sumidouro e Barra Feliz e às 21 no Brumal. Dormimos no Brumal. No Domingo da Ressurreição do Senhor celebramos a Páscoa às 9h em Brumal e em Barra Feliz. No Sumidouro a Celebração foi às 18h, mas não participamos, pois regressamos a Belo Horizonte logo após o almoço, que nos foi oferecido no Caraça. Esta foi a programação de Semana Santa e Páscoa do Curato Nossa Senhora das Graças neste ano.

Agora vou acentuar alguns aspectos ou momentos que me chamaram a atenção durante esta profunda e feliz experiência de Páscoa. Através da visitas às famílias e aos enfermos das comunidades percebi que o povo é bastante sofrido. O uso de drogas já faz parte da vida de adolescentes e jovens e isto faz muita gente sofrer, principalmente as mães. Estas se mostraram preocupadas e aflitas com a situação e nalgumas visitas nos foi exigido que fizéssemos alguma coisa. No encontro com os crismandos, no qual não teve, infelizmente, a participação daqueles que realmente precisavam e precisam de orientação, falamos sobre o risco que as drogas acarretam na vida humana. Os que estavam presentes prestaram bastante atenção na mensagem. Alguns me agradeceram pessoalmente pelas palavras de orientação, pois não sabiam que o “mundo das drogas” seria tão perigoso.

Outro aspecto que me chamou a atenção foi o testemunho de fé das pessoas, principalmente dos mais velhos: mulheres e homens constituídos de uma fé viva e pura, humilde e verdadeira. A expressão “Graças a Deus” é constante na boca dos pobres, que esperam e confiam somente na bondade divina que se revela no seu cotidiano sofrido. O sofrimento vivido é motivação para uma total confiança em Deus. Interessante como as pessoas sabem unir o sofrimento pessoal ao sofrimento de Jesus. A maneira humilde de se viver a fé revela a espiritualidade de um povo que vive em sintonia com Deus. Aos olhos da fé, tudo isto é de uma riqueza inigualável e de uma caridade insuperável. Aqueles que conseguem enxergar tais realidades com os olhos da fé, saem fortalecidos, enriquecidos e evangelizados de tais experiências.

Diante da simplicidade de vida do povo pobre é preciso uma reflexão sobre a santidade dos missionários, portadores da Boa Nova de Jesus. O testemunho de humildade, simplicidade e despojamento vivido pelo povo nos revela a verdade do Evangelho de Jesus. Logo, precisamos tirar da cabeça a falsa idéia de que levamos Jesus para as pessoas. Isto é uma grande ilusão! Jesus está presente na vida do povo, caminha cotidianamente com o povo e o faz perseverante na luta constante pela vida e pela liberdade. Apesar de todo sofrimento percebi que as pessoas têm um gosto especial pela vida, querem viver dignamente. Elas expressam isto quando reclamam de seu estado de vida, no qual, muitas vezes, são esquecidas pelos responsáveis pela promoção de uma vida digna.

Aprendi que, para ser missionário do Evangelho de Jesus, precisamos escutar atentamente a voz de Deus que se revela no cotidiano da vida dos pobres. Estes nos ensinam o caminho da salvação. Sabiamente, São Vicente de Paulo, Pai da Caridade, ensinava às Filhas da Caridade no séc. XVII: “Servindo aos pobres, serve-se a Jesus Cristo. Ó minhas filhas, como isso é verdade! Vós servis a Jesus Cristo na pessoa dos pobres. E isso é tão verdadeiro, como o fato de estarmos aqui. Uma Irmã irá, dez vezes por dia, ver os doentes e, dez vezes por dia, encontrará Deus neles (...)” (SV XI, 251).

São Vicente de Paulo aprendeu com Jesus de Nazaré a ser dócil e atento às necessidades dos pobres. A espiritualidade cristã está pautada no serviço, sem este não existe fé cristã. É urgente que se reflita sobre isto com aqueles que aspiram à consagração definitiva na Igreja, quer na condição de leigo, quer na de ministro ordenado. Não se aprende a servir com os estudos filosóficos e teológicos, mas com a amizade para com os pobres. Filosofia e Teologia conferem conhecimentos, que sem dúvida alguma são importantes, mas aprende-se a ser discípulo de Jesus no cotidiano da vida sofrida do povo. Por isso, para aqueles que se encontram em formação nos Conventos e Seminários, é extremamente necessário a amizade e a fraternidade com os pobres. Para isto, é preciso que se cultive uma sensibilidade evangélica que é adquirida na vivência com os pobres.

De fato, aproximar-se dos pobres e viver com eles é um desafio, pois o sistema econômico e as ideologias dominantes marginalizam cada vez mais os pobres e os demonizam. O religioso é tentado constantemente a fazer amizade com os poderosos e manter uma relação assistencialista com os pobres. Quando isto acontece, temos religiosos insensíveis, luxuosos, ricos, prepotentes e elitizados; homens dados à aparência que engana e ao discurso que aliena. Daí também deriva uma vivência religiosa superficial e conseqüentemente falsa, longe do Evangelho de Jesus. É neste tipo de vivência religiosa que surge todo tipo de escândalo e depravação, e o Cristianismo se torna uma vergonha para o mundo. Somente a caridade para com os pobres nos liberta de todo tipo de pecado e alienação.

A vida sofrida de uma jovem mulher chamada Margarete também me sensibilizou. Mulher negra de 33 anos, solteira, desempregada, discriminada e excluída pela sociedade e, infelizmente, pela Igreja, no contexto de sua comunidade paroquial. Fui convidado com certa urgência para fazer-lhe uma visita na Sexta-feira Santa. Residente na cidade de Santa Bárbara, a jovem mulher estava profundamente depressiva, decidida a continuar sem comer até a morte. Revoltada por não ter condições financeiras de pagar as passagens da mãe para uma viagem a Aparecida do Norte, SP. Seu sonho era levar a mãe em romaria para Aparecida. Durante, aproximadamente, duas horas escutei atentamente a situação daquela pobre mulher, decepcionada com tudo e com todos. Contemplei com docilidade a Paixão de Jesus sendo vivida por aquela mulher e avancei no meu processo de conversão.

Sem muitas palavras, falei do valor e do sentido da vida. Coloquei Jesus no centro da breve reflexão que fiz e juntamente com outra pessoa, que estava à distância, mas que me respondeu prontamente resolvemos o problema financeiro da viagem. Quando saí, ao meio dia, ela se despediu com a seguinte expressão: “O que tenho a lhe oferecer é somente a minha amizade sincera. Vou rezar para que você se torne um bom padre”. Estas palavras me encheram e me enchem de verdadeira alegria! Mantendo contato com ela, soube da Ressurreição de Jesus em sua vida, que a fez suspender os medicamentos e retomar a alimentação, e mais que isto, a fez acreditar na vida novamente. Fazia tempo que não me encontrava com o Cristo tão pobre e sofrido, tão manso e tão misericordioso.

Estamos no Tempo Pascal que vai perdurar, liturgicamente, até a Festa de Pentecostes. Eis um tempo de vida e de liberdade. Nossa vida é uma constante Passagem para a eternidade. A Passagem de Jesus nos recorda que devemos buscar ser livres, pois a nossa vocação está na liberdade dos filhos e filhas de Deus. Busquemos nos libertar de tudo, principalmente de nós mesmos. Penso que depois da graça divina, a liberdade é nossa maior riqueza. Lembremo-nos de que somos livres e aprendemos a nos libertar no exercício da caridade evangélica. Esta é o amor que nos une e nos faz irmãos. O mundo precisa saber disto, por isso, não nos cansemos de anunciar que fora do amor não existe salvação.

Com meus renovados votos de uma Santa e Feliz Páscoa,


Tiago de França da Silva
Seminarista lazarista

sábado, 3 de abril de 2010

Jesus ressuscitou!


“Ele não está aqui. Ressuscitou!" (Lc 24, 6).

A Páscoa é a festa da passagem da morte para a vida, da escravidão para a liberdade. Jesus está vivo, pois venceu a morte com amor. Com sua ressurreição, inaugura um novo tempo, tempo de vida e liberdade. Assim como Jesus não foi abandonado nas trevas da morte, também nós somos resgatados pelo Espírito de Deus e reconduzidos ao seio da intimidade com Deus. Esta é a nossa alegria, de sabermos que somos ressuscitados para uma vida nova em Cristo.

Estamos num tempo de perseguições e tribulações, os sinais de morte são visíveis e ameaçadores, as diversas formas de violência e a resposta violenta da natureza causam medo e pavor. Os católicos, mais que os demais cristãos e não cristãos estão perplexos diante das denúncias de abusos sexuais praticados por membros do clero da Igreja há décadas. Os escândalos se multiplicam e revelam a face desumana e pecadora da Igreja. Até o intitulado Pontífice é acusado de acobertar tais abusos! O que está acontecendo com o mundo e com a Igreja? Como falar de ressurreição diante de tantos males?...

É preciso ter o devido cuidado para não nos tornarmos profetas da morte, pois estes anunciam desgraças e destroem a esperança do povo. Anúncios apocalípticos e exageros levam ao desespero. Diante das calamidades da vida penso que três atitudes são necessárias: 1. Reconhecer a realidade a partir do olhar de Deus, ou seja, olhar o mundo com misericórdia e lucidez; 2. Admitir e pedir perdão pelos erros cometidos a partir da humildade ensinada e vivida por Jesus e 3. Manter viva a esperança semeada e despertada por Jesus, esperança que nos motiva na construção do Reino.

Mesmo diante das manifestações do poder da morte que hoje impera no mundo, os sinais de vida do Reino de Deus são presentes e se manifestam humilde e simplesmente. As lutas dos povos pela liberdade e pela superação das crises, a ousadia profética dos pobres e o clamor que denuncia a mentira dos poderosos e do sistema opressor são sinais da atuação divina no meio do mundo. Ninguém tem o direito de acusar a Deus de omissão diante da situação do mundo, penso que tal acusação deve voltar-se para os próprios homens e mulheres, que procuram cada vez mais os próprios interesses em detrimento do projeto de vida e de liberdade proposto por Jesus.

Enquanto o projeto de Jesus não for assumido pelos cristãos, o Cristianismo continuará tendo sérios problemas. Tal projeto precisa ser colocado no centro de nossas preocupações. A Igreja precisa anunciar a Boa Nova de Jesus, pois foi para isto que foi chamada, e renunciar o poder temporal que a corrompe. As ambições, o sucesso, as riquezas e o poder corrompem os homens do mundo e também os homens da Igreja. Os sinais dos tempos nos revelam a importância e a necessidade de recuperarmos o rosto da Igreja primitiva. Um dos piores males do mundo e da Igreja é a ambição pelo poder. Enquanto este mal não for erradicado, infelizmente, a situação se agravará.

Entre os cristãos, que professam a fé em Jesus de Nazaré, evangelicamente, é inadmissível que se brigue pelo poder, pois Jesus renunciou a toda forma de poder e se apresentou como servidor das pessoas. É preciso que lutemos, a fim de que a Igreja se torne serva fiel da vinha do Senhor. Na entrega sem reservas ao amor incondicional de Jesus teremos uma Igreja mais santa. Esta deve ser a nossa Páscoa: passagem de uma Igreja apegada ao poder e às riquezas para uma Igreja servidora da humanidade. Somente uma Igreja servidora e humilde pode perder a exacerbada preocupação pela reputação perante o mundo, pois quem ama através do serviço fiel e destemido ao Deus que está no próximo não vive preocupado com acusações e/ou difamações.

A Igreja servidora da humanidade é formada de mulheres e homens convertidos ao Evangelho, discípulos e missionários, que na prática constante do amor são fiéis peregrinos no caminho do Ressuscitado. O amor-doação é a rocha firme e a edificação certa daquele que se coloca na fileira do discipulado. A ressurreição de Jesus é a prova definitiva do amor de Deus pelo mundo e pela humanidade. Que Ele nos ressuscite para uma vida nova, para sermos construtores de um mundo novo.

FELIZ PÁSCOA!


Tiago de França