quarta-feira, 14 de abril de 2010

O papel da mída nas denúncias de pedofilia


Pouco antes das Celebrações da Semana Santa e Páscoa, teve início uma série de denúncias de pedofilia envolvendo padres e religiosos da Igreja Católica. Os olhares do mundo se voltam para esta triste situação, que em 2002 chamou a atenção nos EUA e neste ano se descobriu que tais crimes eram ou são praticados na Irlanda. O mundo soube da ocorrência dos mesmos através da mídia. Esta tem tido importante papel nas denúncias, tornando explícitas e/ou públicas informações que estavam restritas à Igreja. A mídia tem quebrado o “silêncio sagrado” que há séculos vigora na Igreja. Este silêncio tem se revelado muito prejudicial, pois quando quebrado tem tido péssimas conseqüências. Os recentes escândalos provam isto.

A reação primeira da Igreja diante das denúncias foi de total rejeição, ou seja, a mídia foi acusada de sensacionalista, de está agindo de má fé; falou-se até de campanha difamatória contra o Papa. É preciso que se concorde com uma verdade indiscutível: A mídia não inventou os escândalos de pedofilia, eles, de fato, existiram e existem. Sensibilizado com a situação e tomado pela pressão midiática, o Papa Bento XVI resolveu escrever uma Carta Pastoral à Igreja da Irlanda. Logo após, demonstrou ainda mais sua preocupação publicando algumas medidas a serem tomadas diante de tais casos. Tais medidas podem ser conferidas no site do Vaticano na Internet.

Quem conhece a história contemporânea da Igreja sabe muito bem quem é o Cardeal Joseph Ratzinger, eleito Bento XVI. Trata-se de um homem culto, teólogo exigente e ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, órgão que preserva a ortodoxia da fé cristã professada na Igreja. A sua fama é a de um homem rígido e criterioso, intolerante quando se trata de desvios doutrinais e morais. Ele auxiliou o Papa João Paulo II na condenação de vários teólogos da libertação da América Latina e de outros países. O caso mais conhecido e próximo a nós é o do teólogo Leonardo Boff, ex-franciscano e ex-aluno do então Prof. Joseph Ratzinger na Alemanha. Recentemente também se publicou um documento com a assinatura do Cardeal, tolerando um caso de pedofilia, mas me abstenho de comentar sobre o mesmo porque a pretensão deste artigo é lançar um rápido olhar sobre o papel da mídia nas denúncias.

Não se pode demonizar a mídia só porque a mesma levantou a voz contra crimes cometidos por membros do clero católico. A intenção não é questionar o valor e/ou o sentido do ministério sacerdotal, mas a prática criminosa de alguns membros que exerceram e que exercem tal ministério. É preciso que se tome cuidado com o sensacionalismo midiático, que é um mal inadmissível, pois representa grave falta de ética na transmissão da verdade. Esta precisa ser dita, mas o sensacionalismo a distorce, vitimando a todos e criando um clima pavoroso, que mais confunde que esclarece. Nas atuais denúncias, particularmente, na maioria das coberturas midiáticas não encontro sensacionalismo algum, mas um esforço em denunciar uma situação criminosa e absurda, que deve ser cada vez mais considerada abominável.

Quando o crime de pedofilia é cometido por um cidadão comum da sociedade, a Igreja é uma das primeiras a condenar. Tal condenação é legítima, levando em conta o valor e a dignidade da pessoa humana. Na verdade, o termo condenação é um pouco forte e não deveria ser utilizado pela Igreja, pois a sua missão não é de condenar o mundo, mas de religar o homem a seu Criador, reconduzir a pessoa à intimidade com Deus. A palavra certa seria reprovação. Assim sendo, a Igreja – instrumento de salvação da humanidade -, como bem afirma seu Magistério, deve ter a humildade de admitir que tais crimes andam acontecendo em suas estruturas, pedir perdão e tomar iniciativas que impeçam a continuidade de tais ocorrências. Humildade e coragem, eis duas virtudes necessárias para a Igreja dos dias atuais.

Creio que é perder tempo e fugir do problema argumentar que a pedofilia também faz parte da vida social. Isto é uma verdade que não pode ser usada para minimizar a situação. Torna-se urgentemente necessário enfrentar o problema e mostrar para o mundo que a conversão é possível. Acusar organismos ou grupos, apontar pecados e argumentar falácias não é o caminho da conversão. Colocar-se no caminho de Jesus, eis o que a Igreja precisa fazer. Não que ela não esteja tentando, mas é preciso caminhar com plena convicção, pois a busca da manutenção de uma falsa imagem é a negação da convicção, é estar preocupado somente com a boa aparência e o bom discurso. Jesus não pediu isto a ninguém, mas ensinou que para segui-lo são necessários três passos: primeiro, renunciar a si mesmo; segundo, tomar a cruz; e terceiro, segui-lo (cf. Lc 9, 23). A Igreja, para permanecer em perfeito estado de missão neste mundo, precisa levar todos os seus membros a darem estes passos, a começar pelos membros da hierarquia.

A mídia expôs o clamor das vítimas e de seus familiares. Penso que se tais denúncias não fossem feitas, a Igreja não teria se apressado em falar e admitir publicamente a situação, pois há certa preocupação em manter a imagem da Igreja enquanto sociedade perfeita no meio do mundo. As denúncias dos crimes provam que a Igreja não é uma sociedade perfeita, mas uma realidade permeada pelos mesmos pecados e vícios do mundo. Seus membros devem se conscientizar de que os cristãos estão no mundo e que a missão da Igreja deve se voltar para o mundo. Jesus enviou seus discípulos para o meio do mundo e não para viverem uma vida sobrenatural como muitos espiritualistas pensam e pregam.

Há uma indagação que a Igreja ainda não respondeu à sociedade e aos seus próprios membros: O que fazer dos padres comprovadamente envolvidos com pedofilia? O Papa pediu na Carta Pastoral que os Bispos entregassem os acusados à justiça comum e colaborassem com as devidas investigações. Isto é justo e necessário. Mas diante dos casos comprovados pela justiça, quais as penalidades eclesiásticas? Suspensão do uso de ordem? Redução ao estado laico? Excomunhão do criminoso?... Ou, depois que responder ao processo penal da justiça civil, os mesmos retornarão ao ministério, sendo que em outras realidades pastorais?... As respostas a estas indagações são necessárias para o restabelecimento da confiança entre Igreja institucional e Igreja povo, entre Igreja e sociedade.

Resta-se esperar e torcer para que tais denúncias tenham um fim, do contrário, pergunta-se: Qual o futuro da Igreja Católica no mundo? Se ela não souber lidar com seus problemas, principalmente os de ordem moral, não terá condições de ajudar a sociedade a resolver os seus, pois para continuar corrigindo e até condenando os vícios da sociedade consumista, relativista e capitalista, a Igreja precisa não somente da força do Evangelho de Jesus, mas também do respaldo moral. Neste sentido pode-se empregar o ensinamento de Jesus: “Pode um cego guiar outro cego? Não cairão os dois no buraco?” (Lc 6, 39).


Tiago de França

2 comentários:

Anônimo disse...

interessante suas reflexoes, sao pertinentes, mas jamais podemos esquecer que o ser humano vai alem de nossas teologias e filosofias, primeiro de tudo temos que ver o ser humano, suas falhas e defender a vida, atitude primeira de Jesus, e saber lidar com cuidado situacoes tao "milindrosas" como estas, usar a razao,o coracao e acima de tudo a compaixao. abr...

Tiago disse...

Prezado,
É verdade que precisamos ver o ser humano, mas não pode nos utilizar de tal verdade para tentar justificar, amenizar ou omitir tal situação.
Abraços!