quarta-feira, 7 de abril de 2010

Partilha fraterna da Semana Santa e Páscoa 2010


“Povo resgatado por Deus, proclamai suas maravilhas:
Ele vos chamou das trevas à sua luz admirável, aleluia”
(1 Pd 2, 9).

Como de costume, venho mais uma vez partilhar mais um ano em que celebro, no meio do povo, a Páscoa de Jesus. Neste ano, tive a graça de celebrar a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus junto a uma pequena parcela do Povo de Deus que está no Curato Nossa Senhora das Graças, nas proximidades do Santuário de Nossa Senhora Mãe dos Homens, Caraça, Minas Gerais. O famoso Santuário do Caraça é de propriedade da Província Brasileira da Congregação da Missão (Padres Lazaristas) desde 1820, onde implantaram a formação humana e religiosa de centenas de crianças, adolescentes e jovens, que se tornaram Padres da Missão e outras grandes figuras da sociedade. Estivemos no citado Curato, que está sob os cuidados pastorais do Pe. Marcus Alexandre, CM, do dia 27 de março ao dia 4 de abril.

O Diác. Luís Carlos, CM, ecônomo de nosso Seminário em Belo Horizonte nos levou no sábado até o Santuário do Caraça, onde fomos bem acolhidos e hospedados até a chegada do Pe. Marcus, que estava na Missa da Unidade na sede episcopal de Mariana, MG. Foram designados para o Curato os seminaristas Divino Abel (goiano), Daniel de Carvalho (baiano), Adalberto Silva (mineiro) e eu (alagoano). Logo após o almoço, com a chegada do Pe. Marcus, fomos ao Brumal, uma das Comunidades do Curato, a mais organizada, estruturada e tradicional de todas. Nesta Comunidade, ficamos hospedados numa “Casa Paroquial”, vizinha à Capela e ao cemitério locais.

Fomos bem acolhidos por uma das coordenadoras da Comunidade, Dona Lia. Às 19h participamos, no Brumal, da Celebração da Luz. No Domingo de Ramos, todas as Comunidades do Curato tiveram Procissão e Missa de Ramos e os seminaristas se fizeram presentes em todas elas, com exceção de Santana do Morro. Logo após as Missas do Brumal e Barra Feliz, que ocorreram às 8h e 8h30, respectivamente, todos fomos passar o resto do dia no Santuário do Caraça. Na Comunidade do Sumidouro houve Missa de Ramos às 17h30. Dormimos no Caraça.

Na segunda-feira, 29 de março, às 16h tivemos Missa na Comunidade do Sumidouro, antes, fizemos algumas visitas orientadas pelo Senhor Geraldo, um santo vicentino que faz parte da coordenação da Comunidade. Às 18h30 tivemos Missa e Procissão do Senhor dos Passos na Comunidade do Brumal. Dormimos nesta Comunidade após o cumprimento das atividades. Na terça-feira, 30, no Sumidouro tivemos Via-sacra às 19h30 e no Brumal às 18h30 tivemos as Procissões de N. Sra. das Dores e do Senhor dos Passos. Não houve o encontro dos dois Santos porque choveu bastante e somente a Senhora das Dores chegou à Capela. Neste mesmo dia, às 15h também tivemos Missa da Saúde em Barra Feliz.

Na quarta-feira, às 19h tivemos a Celebração das Dores de Nossa Senhora no Sumidouro e em Barra Feliz. No Brumal, às 16h, a Missa da Saúde e às 20h, nesta mesma Comunidade, houve a Encenação com o Grupo de Arte Sacra. Na Quinta-feira Santa, às 9h houve no Brumal o Encontro dos Crismandos do Curato, nesta também houve, às 20h a Celebração da Ceia do Senhor. Em Barra Feliz e Santana do Morro, tal Celebração se deu às 19h. Neste mesmo dia tivemos dois encontros com as crianças, um no Sumidouro e outro no Brumal, ambos às 15h. Na Sexta-feira da Paixão do Senhor tivemos no Sumidouro, às 7h a Via-sacra, esta no Brumal aconteceu às 8h e em Barra Feliz às 6h. Em todas as Comunidades, às 15h tivemos a Celebração da Adoração da Cruz.

Passamos todo o dia do Sábado Santo no Santuário do Caraça, descansando um pouco, e às 19h tivemos a Solene Vigília Pascal em Santana do Morro, às 20h no Sumidouro e Barra Feliz e às 21 no Brumal. Dormimos no Brumal. No Domingo da Ressurreição do Senhor celebramos a Páscoa às 9h em Brumal e em Barra Feliz. No Sumidouro a Celebração foi às 18h, mas não participamos, pois regressamos a Belo Horizonte logo após o almoço, que nos foi oferecido no Caraça. Esta foi a programação de Semana Santa e Páscoa do Curato Nossa Senhora das Graças neste ano.

Agora vou acentuar alguns aspectos ou momentos que me chamaram a atenção durante esta profunda e feliz experiência de Páscoa. Através da visitas às famílias e aos enfermos das comunidades percebi que o povo é bastante sofrido. O uso de drogas já faz parte da vida de adolescentes e jovens e isto faz muita gente sofrer, principalmente as mães. Estas se mostraram preocupadas e aflitas com a situação e nalgumas visitas nos foi exigido que fizéssemos alguma coisa. No encontro com os crismandos, no qual não teve, infelizmente, a participação daqueles que realmente precisavam e precisam de orientação, falamos sobre o risco que as drogas acarretam na vida humana. Os que estavam presentes prestaram bastante atenção na mensagem. Alguns me agradeceram pessoalmente pelas palavras de orientação, pois não sabiam que o “mundo das drogas” seria tão perigoso.

Outro aspecto que me chamou a atenção foi o testemunho de fé das pessoas, principalmente dos mais velhos: mulheres e homens constituídos de uma fé viva e pura, humilde e verdadeira. A expressão “Graças a Deus” é constante na boca dos pobres, que esperam e confiam somente na bondade divina que se revela no seu cotidiano sofrido. O sofrimento vivido é motivação para uma total confiança em Deus. Interessante como as pessoas sabem unir o sofrimento pessoal ao sofrimento de Jesus. A maneira humilde de se viver a fé revela a espiritualidade de um povo que vive em sintonia com Deus. Aos olhos da fé, tudo isto é de uma riqueza inigualável e de uma caridade insuperável. Aqueles que conseguem enxergar tais realidades com os olhos da fé, saem fortalecidos, enriquecidos e evangelizados de tais experiências.

Diante da simplicidade de vida do povo pobre é preciso uma reflexão sobre a santidade dos missionários, portadores da Boa Nova de Jesus. O testemunho de humildade, simplicidade e despojamento vivido pelo povo nos revela a verdade do Evangelho de Jesus. Logo, precisamos tirar da cabeça a falsa idéia de que levamos Jesus para as pessoas. Isto é uma grande ilusão! Jesus está presente na vida do povo, caminha cotidianamente com o povo e o faz perseverante na luta constante pela vida e pela liberdade. Apesar de todo sofrimento percebi que as pessoas têm um gosto especial pela vida, querem viver dignamente. Elas expressam isto quando reclamam de seu estado de vida, no qual, muitas vezes, são esquecidas pelos responsáveis pela promoção de uma vida digna.

Aprendi que, para ser missionário do Evangelho de Jesus, precisamos escutar atentamente a voz de Deus que se revela no cotidiano da vida dos pobres. Estes nos ensinam o caminho da salvação. Sabiamente, São Vicente de Paulo, Pai da Caridade, ensinava às Filhas da Caridade no séc. XVII: “Servindo aos pobres, serve-se a Jesus Cristo. Ó minhas filhas, como isso é verdade! Vós servis a Jesus Cristo na pessoa dos pobres. E isso é tão verdadeiro, como o fato de estarmos aqui. Uma Irmã irá, dez vezes por dia, ver os doentes e, dez vezes por dia, encontrará Deus neles (...)” (SV XI, 251).

São Vicente de Paulo aprendeu com Jesus de Nazaré a ser dócil e atento às necessidades dos pobres. A espiritualidade cristã está pautada no serviço, sem este não existe fé cristã. É urgente que se reflita sobre isto com aqueles que aspiram à consagração definitiva na Igreja, quer na condição de leigo, quer na de ministro ordenado. Não se aprende a servir com os estudos filosóficos e teológicos, mas com a amizade para com os pobres. Filosofia e Teologia conferem conhecimentos, que sem dúvida alguma são importantes, mas aprende-se a ser discípulo de Jesus no cotidiano da vida sofrida do povo. Por isso, para aqueles que se encontram em formação nos Conventos e Seminários, é extremamente necessário a amizade e a fraternidade com os pobres. Para isto, é preciso que se cultive uma sensibilidade evangélica que é adquirida na vivência com os pobres.

De fato, aproximar-se dos pobres e viver com eles é um desafio, pois o sistema econômico e as ideologias dominantes marginalizam cada vez mais os pobres e os demonizam. O religioso é tentado constantemente a fazer amizade com os poderosos e manter uma relação assistencialista com os pobres. Quando isto acontece, temos religiosos insensíveis, luxuosos, ricos, prepotentes e elitizados; homens dados à aparência que engana e ao discurso que aliena. Daí também deriva uma vivência religiosa superficial e conseqüentemente falsa, longe do Evangelho de Jesus. É neste tipo de vivência religiosa que surge todo tipo de escândalo e depravação, e o Cristianismo se torna uma vergonha para o mundo. Somente a caridade para com os pobres nos liberta de todo tipo de pecado e alienação.

A vida sofrida de uma jovem mulher chamada Margarete também me sensibilizou. Mulher negra de 33 anos, solteira, desempregada, discriminada e excluída pela sociedade e, infelizmente, pela Igreja, no contexto de sua comunidade paroquial. Fui convidado com certa urgência para fazer-lhe uma visita na Sexta-feira Santa. Residente na cidade de Santa Bárbara, a jovem mulher estava profundamente depressiva, decidida a continuar sem comer até a morte. Revoltada por não ter condições financeiras de pagar as passagens da mãe para uma viagem a Aparecida do Norte, SP. Seu sonho era levar a mãe em romaria para Aparecida. Durante, aproximadamente, duas horas escutei atentamente a situação daquela pobre mulher, decepcionada com tudo e com todos. Contemplei com docilidade a Paixão de Jesus sendo vivida por aquela mulher e avancei no meu processo de conversão.

Sem muitas palavras, falei do valor e do sentido da vida. Coloquei Jesus no centro da breve reflexão que fiz e juntamente com outra pessoa, que estava à distância, mas que me respondeu prontamente resolvemos o problema financeiro da viagem. Quando saí, ao meio dia, ela se despediu com a seguinte expressão: “O que tenho a lhe oferecer é somente a minha amizade sincera. Vou rezar para que você se torne um bom padre”. Estas palavras me encheram e me enchem de verdadeira alegria! Mantendo contato com ela, soube da Ressurreição de Jesus em sua vida, que a fez suspender os medicamentos e retomar a alimentação, e mais que isto, a fez acreditar na vida novamente. Fazia tempo que não me encontrava com o Cristo tão pobre e sofrido, tão manso e tão misericordioso.

Estamos no Tempo Pascal que vai perdurar, liturgicamente, até a Festa de Pentecostes. Eis um tempo de vida e de liberdade. Nossa vida é uma constante Passagem para a eternidade. A Passagem de Jesus nos recorda que devemos buscar ser livres, pois a nossa vocação está na liberdade dos filhos e filhas de Deus. Busquemos nos libertar de tudo, principalmente de nós mesmos. Penso que depois da graça divina, a liberdade é nossa maior riqueza. Lembremo-nos de que somos livres e aprendemos a nos libertar no exercício da caridade evangélica. Esta é o amor que nos une e nos faz irmãos. O mundo precisa saber disto, por isso, não nos cansemos de anunciar que fora do amor não existe salvação.

Com meus renovados votos de uma Santa e Feliz Páscoa,


Tiago de França da Silva
Seminarista lazarista

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