terça-feira, 25 de maio de 2010

O Espírito Santo e a profecia na Igreja


“A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20, 21).

Introdução

Devido à falta de tempo, ocasionada pela vida acadêmica, com certo atraso, faço chegar aos amigos, amigas e comunidades, como faço anualmente, uma breve palavra sobre a Solenidade de Pentecostes. Penso que não deve haver uma data ou época específica para se falar do Espírito de Deus, pois ele é presença amorosa no cotidiano da história desde sempre e para sempre. Não se trata de uma palavra sobre a Solenidade em si, que é uma ação litúrgica da Igreja, mas, à luz da fé que nos instiga para a missão, apresento brevemente algumas palavras sobre a ação do Espírito de Deus na pessoa e no mundo. O momento atual da Igreja e da sociedade exige de cada cristão reflexões e posturas firmes que construam o Reino entre nós. Evitarei citação de livro, capítulos e versículos, para que o texto não fique visivelmente cansativo. Um bom leitor dos evangelhos saberá onde cada referência se encontra.

A promessa

Depois de ter cumprido fielmente a sua missão, Jesus promete o Espírito Santo. Este veio ao mundo por causa da vinda de Jesus. Os discípulos não compreenderam suas palavras e seus gestos, foi necessário que o mesmo enviasse o Espírito. Segundo Jesus, a missão do Espírito é a de recordar aos discípulos tudo o que ele viveu e ensinou. Faltou aos discípulos a profunda experiência do Espírito para tal compreensão, pois os aproximadamente três anos com o Mestre não foram suficientes para compreendê-lo plenamente. Aqui podemos levantar uma interessante questão: Quem pode compreender plenamente a missão salvífica de Jesus de Nazaré?

Somente o Espírito Santo, que conhece as profundezas de Deus, é quem conhece a profundidade do sentido pleno da missão do Messias. Por isso, é necessário que o cristão possa viver a experiência do Espírito para compreender Jesus e sua missão. Surge, então, uma segunda indagação: O que é a experiência do Espírito? Com o advento do pentecostalismo protestante e católico se deu mais ênfase à denominada experiência espiritual, mas o termo e seu sentido não são bem compreendidos.

Fala-se de curas, milagres, línguas estranhas, visões, arrebatamentos, repouso, êxtases e de tantas outras experiências de ordem psicológica, que foram traduzidas pela linguagem religiosa das Igrejas. Experiências explicáveis pelas abordagens provenientes da Psicologia e da Parapsicologia. Pode-se arriscar em dizer que são experiências superficiais que não traduzem a legítima presença do Espírito. A ação deste aponta para outra direção.

O cumprimento da promessa

Antes da vinda do Espírito, os discípulos de Jesus viviam escondidos, com medo das autoridades judaicas. Eles esperavam o cumprimento da promessa. Alguns até desistiram de esperar e voltaram desiludidos para suas casas (discípulos de Emaús). O fato de terem convivido com o Filho de Deus, de terem visto vários prodígios serem realizados no meio do povo e presenciado a morte de cruz, a frustração foi total. Humanamente, é compreensível a situação dos discípulos de Jesus, pois assistiam a tudo e não entendiam nada. Faltava-lhes o Espírito Santo. Este fez Jesus saber, entender e refazer todas as coisas. A experiência espiritual de Jesus é o refazer a criação pela força do Espírito. Jesus entregou-se plenamente à ação do Espírito e, graças a esta entrega conseguiu cumprir a vontade de Deus.

Quando veio o Espírito Santo no dia de Pentecostes, todos perderam um dos maiores inimigos do caminho de Jesus: o medo. O Espírito os fez sair do silêncio oriundo do medo para a experiência do anúncio da Boa Notícia. Eles se tornaram testemunhas da Ressurreição de Jesus e testemunharam até as últimas conseqüências, até o derramamento de sangue, à doação da própria vida, a exemplo do Mestre Jesus. Anunciaram a Boa Nova não somente aos judeus, mas aos gregos, aos pagãos, aos escravos e aos livres, enfim, a todos. O anúncio do Evangelho e a salvação trazida por Jesus são universais. Não são propriedades particulares de nenhuma pessoa, Igreja ou sistema religioso.

O Espírito Santo veio para ficar no mundo e conduzir a História ao seu destino final. Ele veio para libertar o mundo do poder da morte e restituir a vida às pessoas. A vinda do Espírito revela que o Deus da vida não abandonou a sua criação. Deus quis ser conhecido e amado pelas pessoas. Estas foram criadas à sua imagem e semelhança. Como poderia Deus abandonar às mãos da morte a sua própria imagem e semelhança? Sendo Deus o amor por excelência, tal abandono seria pura contradição consigo mesmo. Seu amor pela humanidade supera a rejeição humana. O Espírito revela que Deus está no mundo, trabalhando cotidianamente e amando a todos, indistintamente.

O Espírito, os profetas e as profetisas

Desde antes de Cristo até o momento presente, Deus fez surgir profetas e profetisas na história dos homens e na história das Igrejas. São mulheres e homens, escolhidos para uma missão que desemboca no martírio. O Apóstolo Paulo fala que na comunidade dos seguidores de Jesus, após os apóstolos estão os profetas. Estes são pessoas repletas do Espírito Santo para viverem a experiência do anúncio e da denúncia. A coragem e a verdade são características marcantes da sua missão. São pessoas verdadeiramente livres e entregues à ação do Espírito. São livres porque assumem a missão de colaborar na libertação do mundo, e no processo de libertação a liberdade acontece.

A história revela que os profetas são pessoas livres em relação a qualquer tipo de poder ou instituição. O poder do profeta está na palavra e no gesto, por isso que podem morrer facilmente. A morte do profeta tem sua hora, seu momento e seu lugar. Ele só morre quando cumpre a sua missão e a morte só é profética quando está direta e explicitamente relacionada às grandes causas do Reino de Deus. O profeta não fala de si, nem para si, mas fala da vontade de Deus para a libertação integral do homem e do mundo. Ele não fala em nome de uma instituição, mas em nome de Deus. Por isso, o profeta também denuncia as injustiças cometidas pelas instituições religiosas, mesmo correndo o risco de ser condenado e rejeitado pelas mesmas.

O profeta não se preocupa com a própria vida, mas com o anúncio da verdade do Evangelho. Isso não significa que seja masoquista, pelo contrário, no anúncio da verdade o profeta encontra a verdadeira vida e restitui a vida do mundo. A profecia que defende e promove a vida do homem e do mundo resume a missão profética. O profeta é capaz de dar a vida pela vida do mundo, a exemplo de Jesus de Nazaré, o maior modelo de profeta da história. A verdade anunciada sem medo liberta as consciências das falsas ideologias e das mentiras do sistema neoliberal que domina o mundo. Os profetas estão dentro e fora das instituições religiosas, os últimos são mais livres para exercerem o dom da profecia que os primeiros. As instituições religiosas tendem a silenciar os profetas porque os mesmos incomodam. A palavra profética chama para a conversão de vida, conversão que passa pelo reconhecimento do pecado e pelas mudanças estruturais.

O Espírito na vida da Igreja

Atualmente, a Igreja está passando por uma crise histórica. Escândalos de pedofilia expõem a vida privada de alguns membros do clero. A mídia sensacionalista mostra os detalhes dos acontecimentos criminosos e os católicos se decepcionam. Há casos de revolta, abandono da fé e das práticas religiosas. Crime de pedofilia cometido por membros do clero é sinal de que algo de errado está acontecendo na vida interna e estrutural da Igreja. O Papa admite o pecado e apela para a conversão e para a justiça. Diferentemente de outras épocas, em poucas horas ou minutos o mundo todo ficou sabendo de tudo o que aconteceu.

Muita gente acha que a motivação para tais crimes está no celibato imposto pela Igreja. Para tentar salvar o celibato obrigatório, o Secretário de Estado do Vaticano responde que tal crime está ligado à homossexualidade. O Papa é acusado de acobertamento de casos de pedofilia no passado, quando fora Arcebispo na Alemanha. Muitas conferências episcopais, Bispos e a Cúria Romana entram na defensiva e promovem manifestações em solidariedade para com o Pontífice. Este, a partir de Roma escreve à Igreja irlandesa.

No Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos publica novas resoluções para a admissão dos novos candidatos às ordens sacras e punições severas aos que incorrerem no crime de abuso sexual de qualquer ordem. Resta-se esperar que tais resoluções sejam observadas pela Promoção Vocacional das Dioceses, Congregações, Ordens e Institutos de Vida Apostólica, e também pelos Senhores Arcebispos e Bispos.

O que o Espírito diz às Igrejas nesta hora tão difícil? O Espírito chama para a conversão de vida que constrói o Reino de Deus. É urgente que se coloque a questão do Reino de Deus no centro das preocupações da Igreja, ou seja, recuperar o genuíno anúncio do Evangelho de Jesus. É preciso que se despoje da exacerbada preocupação pela imagem institucional perante o mundo. É preciso, ainda, que se estabeleça de uma vez por todas a comunhão e a participação na vida do mundo, sem medo e sem preconceitos, sem condenações e sem exclusões. Comunhão e participação foram as exigências anunciadas pelo Concílio Vaticano II.

Dialogar com as questões emergentes do mundo pós-moderno é outra necessidade emergente. Diálogo que deve acontecer sem atitudes prepotentes, sem a intenção de converter o mundo inteiro à Igreja. O homem pós-moderno recusa-se a se submeter às imposições e prescrições de ordem doutrinal e/ou religiosa. Quanto mais a Igreja apela para a força do discurso condenatório mais causa revolta entre seus membros e na sociedade. Tal discurso deve ser abandonado e transformado em peça de museu nas exposições sobre a era da cristandade. A Igreja deve chamar a atenção do mundo pelo testemunho vivido na caridade e no diálogo. A linguagem do amor deve prevalecer nas relações, pois somente no amor é que o homem pode se realizar. A linguagem do amor é universal.

Conclusão

O Apóstolo Paulo ensina-nos que o Espírito Santo sempre vem em auxílio da nossa fraqueza, ou seja, não somos abandonados às mãos da morte. Assistidos pelo Espírito Santo somos chamados a dar continuidade à caminhada rumo à plena liberdade. É o mesmo Espírito que abre nossas mentes para compreender e aceitar o novo que surge. As novidades do Espírito nos causam medo porque somos apegados e preocupados com as seguranças que os bens deste mundo nos oferecem. O convite divino está para a plena confiança na Providência divina e esta não é outra coisa senão a presença amorosa do Espírito que nos socorre em nossas fraquezas.

A experiência do amor de Deus oriunda da Providência divina que fielmente nos assiste não é um dom vivido no isolamento ou na solidão, mas na comum-unidade, no encontro com o outro. Neste encontramos a Deus e vivemos a experiência do amor. O Espírito Santo ensina-nos a viver o amor. Por isso, todo aquele que não se deixar conduzir pelo Espírito Santo jamais saberá amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

O Espírito nos recordar que acima da lei e dos interesses pessoais está o bem do outro traduzido na prática do amor está acima de todas as coisas. O nosso interesse deve ser a vida do outro, pois este outro me faz encontrar a Deus. O outro é condição para o encontro com Deus, ou seja, quem pensar que vai encontrar-se com Deus somente pela via da oração e das práticas religiosas engana-se profundamente. Roguemos, pois, ao Espírito que nos ensine e nos ajude a viver o amor.


Tiago de França

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