domingo, 27 de junho de 2010

O chamado e o seguimento de Jesus


“As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça” (Lc 9, 58).

O seguimento de Jesus de Nazaré é um tema muito discuto no interior da Igreja após a redescoberta da espiritualidade missionária. A Igreja se deu conta de que é essencialmente missionária e sua missão se dá no seguimento de Jesus de Nazaré. Sua missão é levar as mulheres e homens deste mundo ao seguimento do Filho de Deus. “Portanto, vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos” (Mt 28, 19), eis o mandato missionário de Jesus. Realizar tal mandato num mundo plural, secularizado, materialista e relativista é um imenso desafio.

Quando escrevo sobre o seguimento de Jesus, insisto na idéia de que a Igreja precisa cultivar três valores, a fim de que o mandato missionário de Jesus se concretize na história: abertura, diálogo e compromisso para com os empobrecidos. As reflexões dos teólogos da América Latina, após o Concílio Vaticano II apontam para esta direção. Todos eles refletem a respeito destes valores. Se estes não forem levados em conta, a Igreja continuará perdendo seu tempo na insistência intolerável de evangelizar o mundo a partir de si mesma, impondo-se diante de tudo e de todos. O tempo das imposições passou, hoje já não funcionam mais.

A abertura em relação ao mundo confere à Igreja a possibilidade do diálogo. Não há diálogo sem abertura. O fechamento em si mesma, no dogmatismo e nas verdades doutrinais que se julgam absolutas impossibilita o diálogo. Como posso dialogar com alguém se este já se apresenta com o certo e absoluto? Diálogo é troca de experiências, comunhão de idéias e escuta atenta do outro. Se este não pode me dizer nada, para que escutá-lo? É nisto que consiste a dificuldade de diálogo entre os homens, as nações, as Igrejas e as religiões. O diálogo visa a harmonia e a reconciliação no respeito e na manutenção das diferenças, em vista da convivência e da paz entre as pessoas.

O compromisso para com os empobrecidos é parte integrante da missão libertadora de Jesus e deve ser também da missão da Igreja. Esta é diaconisa da humanidade, ou seja, nasceu para servir às mulheres e homens deste mundo. Tal serviço se dá na construção do Reino de Deus. Este se revela na luta pela libertação integral do ser humano. Responder o chamado de Jesus “[...] exige entrar na dinâmica do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 29 – 37), que nos dá o imperativo de nos fazer próximos, especialmente com quem sofre, e gerar uma sociedade sem excluídos, seguindo a prática de Jesus [...]” (Documento de Aparecida, 135).

O Evangelho mostra que o chamado implica o seguimento e este se mostra exigente. A resposta ao chamado deve ser madura e responsável: “Quem põe a mão no arado e olha para trás não está apto para o Reino de Deus” (Lc 9, 62). A construção do Reino de Deus exige pessoas decididas. A indecisão não pode ser algo permanente na vida de quem deseja seguir Jesus. Ao se colocar no caminho de Jesus, a indecisão já não faz parte da vida do seguidor de Jesus. O seguimento em si mesmo liberta a pessoa de toda e qualquer indecisão, pois somente quem já fez a opção é que pode ser chamado de discípulo de Jesus.

Em seus recentes escritos teológicos, o teólogo belga José Comblin tem insistido sobre o papel do poder vivido no interior da Igreja como obstáculo ao seguimento de Jesus de Nazaré. O poder que não é sinônimo de serviço tem levado a Igreja à rejeição. Uma Igreja que serve é acolhida, principalmente pelos empobrecidos. Somente assumindo a atitude de servidora (diaconisa) da humanidade é que a Igreja verdadeiramente cresce no meio do mundo. Seguramente, podemos afirmar que a atual crise da Igreja é uma crise de serviço. O que significa esta crise de serviço?

Jesus veio a este mundo para servir e não para ser servido. Esta é uma verdade que perpassa todo o seu Evangelho. Toda pessoa que se coloca no caminho de Jesus, o Servo de Javé, deve assumir sua postura original, ou seja, a postura do serviço. O chamado está para o serviço, que se dá efetiva e afetivamente nas relações com as pessoas, preferencialmente com as que são empobrecidas. Na América Latina, a opção pelos pobres é a opção da Igreja. Assim sendo, quem deseja servir a Deus através dos vários ministérios da Igreja deve assumir a postura do Servo de Javé: servir com amor e alegria. A crise de serviço está justamente na falta de serviço.

Os pastores da Igreja, aqueles que são consagrados inteiramente para a missão de servir à humanidade devem ser os primeiros a dar tão sublime exemplo. O fiel ministro de Deus é aquele que se coloca no caminho de Jesus, o Servo de Javé, que se utilizando do avental lava os pés dos discípulos e exige que os mesmos façam a mesma coisa entre si (cf. Jo 13, 1 – 17). O autor sagrado conclui o relato do lava-pés com Jesus dizendo: “Se vocês compreenderam isso, serão felizes se o puserem em prática” (Jo 13, 17). Com estas palavras Jesus nos ensina que a verdadeira felicidade se encontra no serviço. É verdadeiramente feliz quem busca, acima de todas as coisas, servir a Deus no próximo.

Recordo-me do testemunho de São Vicente de Paulo, padre e místico da missão do séc. XVII que nos ensina uma grande verdade: “É um ofício tão elevado evangelizar os pobres, que é por excelência o ofício do Filho de Deus. E vemos que a ele somos aplicados como instrumentos pelos quais o Filho de Deus continua a fazer do céu o que fez na terra. Grande motivo de louvor a Deus, e de lhe agradecer incessantemente por essa graça” (Pierre Coste – XI, 107, 108, 109, 133ss; XII, 79, 80. In: GROSSI, Pe. Getúlio Mota. Um místico da Missão, Vicente de Paulo. Contagem: Santa Clara, 2001, p. 57). As palavras de São Vicente de Paulo nos revelam a sua felicidade e alegria por ter sido um missionário de Jesus na opção pelos empobrecidos. Ser missionário é exercer o sublime ofício do Filho de Deus: evangelizar os pobres.

O versículo que introduz a nossa reflexão e que muito me chamou a atenção revela que Jesus era, de fato, um pobre homem, destituído de bens e de poder humano. Assim também deve ser o seguidor de Jesus: pobre e destituído de poder. A fidelidade ao Evangelho obriga-nos a dizer que entre os poderosos deste mundo não encontramos seguidores de Jesus, o Pobre de Nazaré. Os poderosos sempre pautaram suas vidas no poder que explora e mata as pessoas. Por isso, se não se converterem não entrarão no Reino de Deus. Quem quiser seguir Jesus fique sabendo de sua pobreza, pois ela nos ensina que Jesus não tem nada para dar, a não ser ele mesmo que se dá como presença e alimento na caminhada rumo ao novo céu e a nova terra, onde reinarão o amor e a justiça para sempre (cf. Sl 85, 9 – 14).


Tiago de França

sexta-feira, 25 de junho de 2010

José Saramago: ateu, escritor e crítico da religião


Faleceu José Saramago, um dos maiores nomes da história da literatura mundial, o único ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em Língua Portuguesa. Esta foi a grande notícia que tivemos nos últimos dias. Diante dela, perguntamos: Qual a importância da pessoa de José Saramago para a literatura e para o desenvolvimento intelectual dos povos, principalmente os de língua portuguesa? É inegável sua contribuição em muitos aspectos, dada a sua firmeza na defesa de suas convicções políticas e ideológicas.

Conheci, de longe, José Saramago quando no seu conflito com o Governo de Portugal e com a Igreja daquele país, devido à censura à obra Evangelho Segundo Jesus Cristo, publicada em 1991. Depois disso, despertou-me o interesse de ler seus romances e críticas à política e à religião. No mundo do mercado editorial, quanto mais um autor é criticado e censurado mais fica famoso e sua obra é extensivamente lida. A curiosidade do ser humano leva-o a perscrutar aquilo que se apresenta como ilícito e/ou proibido. Este, fortemente, nos impele e nos tenta.

A citada obra, que obrigou José Saramago a deixar Portugal e morar nas Ilhas Canárias, Espanha, de fato, é digna de sérios questionamentos. O texto apresenta, explicitamente, a imagem de um Cristo meramente histórico, destituído de divindade. Para quem professa a fé cristã, trata-se de um dado inadmissível. Em matéria de literatura, a imaginação é a “lei” que rege todo e qualquer escritor. Por isso, eles são livres para criar seus personagens de acordo com a grande capacidade imaginativa inerente ao ser humano. Particularmente, sou contrário à censura imposta pelo governo português ao ilustre escritor, pois ninguém pode dominar ou impedir a manifestação imaginativa de um escritor, por mais subversiva que seja.

No que tange à posição da Igreja Católica em Portugal, é preciso considerar que nenhuma instituição religiosa tem o poder ou o direito de infligir na liberdade de expressão da sociedade secular. José Saramago era um típico secular, um homem destituído de religiosidade. Isto era um direito dele. Ninguém é obrigado a ser religioso, a professar credo algum. Quem professa a fé cristã não tem o direito de impô-la a quem quer que seja. É verdade que a posição da Igreja não estava para a imposição da fé cristã, mas para a defesa do verdadeiro Jesus histórico da Sagrada Escritura, que sendo homem como os demais, também era Deus. José Saramago, em sua grande obra literária acima mencionada, nega a divindade de Jesus Cristo supondo o envolvimento afetivo-sexual de Jesus com Maria Madalena. Teologicamente, trata-se de uma inverdade histórica e inaceitável do ponto de vista da verdade da revelação.

Quanto às críticas institucionais que o autor faz à Igreja, é preciso que a mesma tenha a humildade necessária para uma leitura crítica e teologal. É preciso que se leia a crítica de J. Saramago a partir do lugar e da função que o mesmo exerceu na sua vida. Chamo novamente a atenção para a questão da imaginação. Esta não é regida por leis. Na imaginação, o autor caminha por caminhos livres e infinitos. A liberdade e a infinitude marcaram a vida de J. Saramago, seu ateísmo o tornou livre para se colocar diante da vida e da religiosidade dos homens. Creio que a Igreja tem muito a aprender com as críticas feitas pelo ilustre escritor português.

Politicamente, J. Saramago nos recordou que o capitalismo selvagem não constrói uma sociedade mundial digna de se viver. De caráter socialista, suas convicções políticas o levaram à defesa de uma sociedade com possibilidades de justiça e igualdade para todos. Para os que desejavam seu ingresso no capitalismo, respondeu certa vez: “Parece que todos gostariam que eu passasse para o capitalismo, depois do desastre do comunismo conforme ele foi posto em prática. Lamento desapontá-los.” É verdade que encontramos em José Saramago um mestre da Língua Portuguesa, que com finura e convicção nos deixa um legado valioso.


Tiago de França

sábado, 19 de junho de 2010

Jesus, o Cristo de Deus


“E vós, quem dizeis que eu sou?” (Lc 9, 20).

Ninguém sabe responder com exatidão a pergunta feita por Jesus aos seus discípulos. Não há conhecimento teológico que des-vele o significado pleno da pessoa de Jesus de Nazaré. Pela proibição do próprio Cristo descrita no texto evangélico da Liturgia deste 12º Domingo Comum (cf. Lc 9, 18 – 24), Pedro acertou na resposta. Jesus revelou-se como o Ungido de Deus, o Cristo. Por que será que Jesus proibiu os discípulos de falar que ele era o Cristo? Ele não queria ser reconhecido enquanto tal?

No tempo de Jesus e até hoje surgem na sociedade mulheres e homens que são tidos como messias (messianismo), ou seja, grandes revolucionários, reformadores sociais, líderes carismáticos. Jesus não quis ser mais um na multidão dos revolucionários e revoltados da sociedade de seu tempo. As autoridades dos judeus até desconfiavam que ele pudesse ser mais um deles e, de início, não se preocuparam. A ressurreição de Jesus mudou a opinião das elites religiosas e judaicas da época, e mesmo não crendo, tiveram que admitir que, de fato, Jesus é o Cristo de Deus.

Os revolucionários da história da humanidade são pessoas que contribuíram e que contribuem com a transformação do mundo, mas que passam. Jesus, enquanto o Ungido de Deus, certamente aderiu às causas das minorias e permanece para sempre. Permanece porque além de ter sido um sujeito histórico, também é Deus. A fé cristã permite-nos afirmar que Jesus é a presença de Deus no mundo. Com sua vinda, Deus visitou o seu povo. O testemunho da Escritura Sagrada fala explicitamente desta presença amorosa de Deus.

O que significa afirmar que Jesus é o Cristo de Deus? Significa reconhecer em Jesus a plenitude do Reino de Deus. O Ungido de Deus veio a este mundo inaugurar o Reino, iniciar uma construção histórica. Mas como construir o Reino? Ele responde da seguinte forma: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9, 23 – 24). Não existe construção do Reino fora do seguimento de Jesus, pois somente no discipulado se conhece o projeto de Jesus e tal projeto é o Reino de Deus.

A primeira atitude da pessoa que deseja seguir Jesus é renunciar a si mesmo. Longe de aniquilamento de si mesmo, tal atitude corresponde ao despojamento. Despojar-se de si mesmo. Jesus despojou-se e entregou-se para ser morto, e graças à sua entrega plena, Deus o ressuscitou dentre os mortos. O Apóstolo Paulo ensina-nos que Jesus “esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens” (Fl 2, 7). Jesus renunciou ao poder e tornou-se servo. Humanamente, era um homem comum e sem poder para nada. Ele não exerceu nenhuma função que lhe conferisse poder neste mundo.

O discípulo de Jesus é alguém despojado do poder. O poder do discípulo encontra-se na sua disponibilidade em servir ao próximo. No ato mesmo de servir manifesta-se tal poder. Este é legítimo, evangélico e libertador. As demais formas de poder são opressoras, portanto, antievangélicas. Equivocada a pessoa que se proclama discípula de Jesus no exercício opressor do poder. Trata-se de uma autocompressão e de uma autoproclamação alienadas e ilusórias, destituídas de caráter evangélico.

A segunda atitude é tomar a cruz cada dia. Não é fácil o seguimento de Jesus, mas não é impossível. Se o fosse, o convite não teria sido lançado. O testemunho de vida de muitas pessoas que se tornaram cristãs autênticas mostra que o seguimento é possível. A natureza do seguimento a Jesus de Nazaré, o Ungido de Deus, pressupõe sofrimento, rejeição, morte e ressurreição. Não ressuscita quem não seguiu Jesus ao tomar a cruz cada dia. A cruz é como que o segredo do seguimento. Por isso, nenhum discípulo pode pedir a Deus que o livre do sofrimento, porque este faz parte do caminho de Jesus. Tal caminho é estreito, espinhoso e cheio de perseguições.

Jesus nos chama para participarmos da construção do Reino Deus e tal participação implica perseguição e morte. O testemunho dos mártires da Igreja primitiva, de todos os tempos e lugares, que pela profecia fecunda derramaram o seu sangue pelas causas do Reino revela-nos que tal participação é verdadeira. No Discurso Inaugural da Conferência de Aparecida, no n. 4, afirma o Papa Bento XVI que a Igreja é convocada a ser “advogada da justiça e defensora dos pobres”, e para que isto se efetive, a Igreja deve despojar-se de todo e qualquer poder mundano e opressor, e tomar a cruz cada dia.

Impregnada pelas duas primeiras atitudes, a pessoa já se tornou discípula de Jesus, porque aceitou segui-lo. Tais atitudes devem perdurar por toda a vida, santificando a pessoa na comunhão plena com o Deus que se revela no rosto dos sofredores e empobrecidos. A solidariedade é a palavra que resume as três atitudes do discípulo missionário de Jesus. O Evangelho convida-nos a sermos solidários na opção preferencial pelos pobres, opção que “deve conduzir-nos à amizade com os pobres” (Documento de Aparecida, 398).

Para conhecermos verdadeiramente a pessoa de Jesus e vivermos a experiência do Apóstolo Pedro que o reconheceu como o Ungido de Deus, precisamos viver o mandamento de Jesus, que consiste no amor a Deus e ao próximo. Reconhecemos Jesus na prática do amor fraterno. O amor está para o conhecimento e reconhecimento de Jesus de Nazaré, é o caminho que nos revela a pessoa do Ungido de Deus no cotidiano de nossas vidas. Quem não ama, não conhece Jesus nem seu projeto libertador. É graças ao amor que temos condições de renunciarmos a nós mesmos e tomarmos a cruz cada dia.

A Igreja de nossos dias precisa responder à pergunta de Jesus através da opção preferencial pelos pobres. Para isto, é necessário renunciar a toda e qualquer pretensão de hegemonia e dominação. Como bem disse o Papa, sendo “advogada da justiça e defensora dos pobres”, a Igreja se converte e se coloca no caminho de Jesus. Isto implica que todos os membros, a começar pelos que compõem a hierarquia, assumam posturas de humildade, seriedade, co-responsabilidade, solidariedade, abertura e diálogo com a sociedade.

O bom êxito da Lei Ficha Limpa, aprovada e sancionada, é um exemplo autêntico de que a Igreja tem condições e deve sempre se posicionar a favor dos empobrecidos. Com a aprovação e sanção da Lei Ficha Limpa, os empobrecidos são os primeiros favorecidos, pois terão seus direitos respeitados e os recursos públicos aplicados para o bem comum, tendo representantes mais honestos e responsáveis, sem o crescente número dos terríveis desvios que marcam a história política de nosso país. A Igreja é advogada da justiça quando ajuda a promover a justiça aos oprimidos, opondo-se de uma vez por todas aos poderosos exploradores. Ser “advogada da justiça e defensora dos pobres” obriga a Igreja a assumir atitudes proféticas na sociedade e a cortar os laços de amizade com quem explora o povo de Deus. A hierarquia da Igreja precisa ser amiga dos pobres na defesa e promoção de seus direitos.


Tiago de França

sábado, 12 de junho de 2010

O amor e o perdão


“Os muitos pecados que ela cometeu estão perdoados porque ela mostrou muito amor” (Lc 7, 47).

A Liturgia da Palavra deste 11º Domingo Comum tem no Evangelho de Lucas 7, 36 – 8, 3 a sua centralidade. Jesus se encontra na casa de um fariseu, pois foi convidado para uma refeição. Os fariseus são conhecidos como os principais perseguidores de Jesus. A palavra e a ação deste incomodavam aqueles. Mesmo assim, Jesus aceita o convite e sem medo vai sentar à mesa com seus opositores. Diante da notícia de que Jesus estava na casa do fariseu, uma mulher mal afamada, conhecida publicamente como pecadora, vai ao seu encontro.

A mulher pecadora lavou os pés de Jesus com lágrimas, pois chorava; enxugou-os com os cabelos, beijo-os e os ungiu com perfume. É de se imaginar o escândalo deste gesto: uma mulher pecadora fazer tudo isto com Jesus, reconhecido como profeta. Na mentalidade dos fariseus, se Jesus fosse realmente um profeta, ele saberia quem era a mulher e não permitiria tal gesto, dada a impureza da mesma. No tempo de Jesus, os pecadores públicos eram como que intocáveis, estar com eles era motivo de escândalo e confusão. Jesus, com sua palavra e ação rompe com esta triste e excludente mentalidade.

O que estava por trás da exclusão religiosa e social praticadas pelos fariseus era a lei da pureza condenada por São Paulo na segunda leitura da Liturgia deste Domingo (cf. Gl 2, 16. 19 – 21). Os fariseus pensavam que eram justificados por observarem a Lei de Moisés. O gesto da mulher pecadora foi uma boa oportunidade para Jesus mostrar claramente que ninguém será justiçado pela prática da Lei. O que justifica a pessoa diante de Deus? O próprio Jesus responde: “... porque ela mostrou muito amor”. É o amor que nos torna justos diante de Deus. Pelo amor somos santificados e salvos.

Ninguém se santifica por ser fiel à Lei. Nenhuma Lei pode santificar e salvar a pessoa. A santidade consiste na prática gratuita do amor fraterno. É no amor ao próximo que amamos a Deus e Deus nos ama no próximo a quem amamos. É a dialética do amor. Este tem o poder de nos libertar de nossos muitos pecados. A mulher pecadora teve seus pecados perdoados porque mostrou muito amor. Em outra ocasião, a Escritura ensina: “Sobretudo, conservem entre vocês um grande amor, porque o amor cobre uma multidão de pecados” (1Pd 4, 8).

Lucas é o evangelista que mais cita as mulheres. Estas têm lugar especial em seu evangelho. No final da citação evangélica deste Domingo, ele cita outras mulheres que se tornaram discípulas de Jesus. Por isso, cai por terra a mentira machista de que no grupo de Jesus não havia mulheres. Mulheres e homens seguiam Jesus. Os evangelhos revelam que Jesus tinha predileção pelas minorias de seu tempo, minorias denominadas pecadoras. Em outra ocasião Jesus afirma que não veio para os justos, mas para os pecadores (cf. Mt 9, 13). A sua opção é pelos pecadores e pelos empobrecidos.

Estes pecadores públicos continuam existindo: prostitutas, ladrões, homossexuais, alcoólatras etc. Na categoria dos ladrões precisamos excluir os políticos e muitos ricos, pois estes não se enquadram nas minorias de nossos dias. Quando cito os ladrões refiro-me aqueles que, muitas vezes, mexem no alheio para sobreviver. A mesma observação se enquadra às demais categorias citadas. Geralmente, os marginalizados são considerados pecadores públicos. Jesus veio para eles, pois também fazem parte do povo de Deus. Os marginalizados são povo de Deus. Este é um povo santo e pecador.

Na América Latina e Caribe, a Igreja fez, documentalmente, a famosa opção preferencial pelos pobres. Falo documentalmente porque tal opção ainda não é plena. Há fortes resistências por parte de muita gente na Igreja, mas é verdade que há muita gente vivendo esta opção, que é a opção de Jesus. A teologia e a espiritualidade da opção preferencial pelos pobres revelam que nos pobres encontramos Jesus (cf. Mt 25, 31 – 46). Trata-se de uma opção evangélica, que está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9) (Discurso Inaugural do Papa Bento XVI na V CELAM, Aparecida, SP).

A opção preferencial pelos pobres levará a Igreja ao estado de perfeição exigido por Jesus. Radicalmente, ao fazer tal opção, a Igreja se colocará de uma vez por todas no caminho de Jesus. Trata-se de uma opção que conduz ao despojamento, à simplicidade, à humildade e à abertura para o mundo. A Igreja precisa ter em si mesma tais posturas, pois é nesta opção que se constrói uma Igreja melhor. A atitude da Igreja em relação aos pecadores deve ser a de Jesus: atitude de acolhimento. Este passa pela abertura e pela misericórdia. Uma Igreja que julga e condena as pessoas é farisaica e intragável. Ninguém suporta julgamentos e condenações.

Jesus tinha toda a autoridade para condenar a mulher pecadora, mas não o fez. Não o fez porque não foi enviado para julgar e condenar o mundo, mas para salvá-lo (cf. Jo 6, 39). Ninguém neste mundo recebeu de Deus o poder e/ou autoridade para julgar e condenar as pessoas, por mais pecadoras que elas sejam. Desta forma, podemos afirmar com plena razão que a Igreja não tem autoridade para julgar e condenar a conduta nem a vida de quem quer que seja. A Igreja não nasceu para condenar, mas para anunciar a Boa Nova. Esta não é um conjunto de leis que serve para julgar e condenar, mas é a verdade que liberta e salva o mundo. Quem ousar condenar será condenado (cf. Mt 7, 1 – 2). Esta sentença vale para cada cristão em particular e para a Igreja na sua relação com o mundo.

O texto evangélico deste Domingo revela, ainda, que Jesus não está interessado nos pecados das pessoas. Jesus revela o Deus que age misericordiosamente na libertação integral da pessoa, humanizando-a. O Deus de Jesus não é vingativo nem rancoroso, mas bom e misericordioso. Quem pensar que Deus se aproveita das fraquezas humanas para castigar impiedosamente, não conhece a Deus. Deus é amor, nele não há ódio nem rancor. Ai de nós se Deus não fosse amoroso e misericordioso! Por isso, para alcançarmos a misericórdia divina sejamos, pois, misericordiosos para com o próximo, nosso irmão em Cristo.

O amor se traduz nos gestos de misericórdia. A pessoa que aprendeu a amar verdadeiramente pratica a misericórdia para com seu próximo. Esta é a chave de leitura do texto evangélico que a liturgia nos propõe neste Domingo. Imploremos ao Espírito do Senhor, a fim de que nos ensine a sermos misericordiosos, principalmente com aquelas pessoas que não o são conosco. E que o Amor seja tudo em todos.


Tiago de França

domingo, 6 de junho de 2010

Jesus e o resgate da vida humana


O texto evangélico da liturgia deste 10º Domingo do Tempo Comum traz uma valorosa mensagem para a nossa vida de fé. Trata-se de Lc 7, 11 – 17, onde aparece Jesus restituindo a vida ao filho da viúva de Naim. Destaco algumas expressões do texto que nos levam a mergulhar no seu autêntico sentido. Antes, é preciso afirmar que a ressurreição do jovem filho da viúva de Naim revela o encontro de Deus com o sofrimento de seu povo. De fato, Deus não abandona seus filhos e filhas.

“Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: ‘Não chores! ’”. Ao entrar na cidade da Naim, Jesus se depara com um jovem morto, filho de uma viúva, que estava sendo levado ao cemitério. No tempo de Jesus, a situação das viúvas era difícil. No caso da viúva de Naim, parece que ela só tinha seu jovem filho como auxílio para a manutenção da vida. Era visível seu desespero. A situação desoladora da viúva chama a atenção de Jesus e ele se compadece.

Ao compadecer, diz: “Não chores!”. Com estas palavras, Jesus já começa a agir na vida daquela pobre mulher. Os evangelistas são unânimes em mostrar o encontro de Jesus com as dores do povo pobre. Eram encontros motivados pela compaixão. Isto mostra claramente que Jesus era um homem sensível diante dos problemas vividos pelas pessoas, diferentemente das autoridades religiosas da época, que só se preocupavam em explorar, julgar e condenar.

Compaixão quer dizer sofrer com. Jesus não assistiu ao sofrimento da viúva, mas sofreu com ela. Não há sofrimento maior para uma mãe do que perder um filho. E quando a mãe é viúva e perde seu filho único, a dor é maior ainda. A compaixão vivida por Jesus é exemplo a ser seguido por todo cristão. Este precisa sensibilizar-se diante do sofrimento das pessoas. O cristão não pode ser uma pessoa insensível. A insensibilidade não faz parte da vida do discípulo de Jesus. Ser sensível é estar atento às necessidades materiais e espirituais do próximo. Uma vez identificado com o sofrimento dos pequenos, Jesus é reconhecido naqueles que sofrem.

O mundo atual cultiva fortes sentimentos de insensibilidade e indiferença. O ser humano se tornou produto de consumo e, conseqüentemente, um ser descartável. Aqui está a raiz da indiferença: na perca da condição humana. Desfigurado e jogado nos porões do mundo, o homem é tratado com indiferença. Há um número crescente de mulheres e homens marginalizados, relegados ao silêncio, perambulando no meio do mundo.

O jovem morto representa bem este contingente silenciado e marginalizado. Este número acentuado de pessoas destituídas de dignidade é uma realidade morta no meio do mundo, que não aparece e quando aparece é para fazer vergonha. Por isso, nos grandes centros urbanos, os governos procuram tirar tais pessoas das praças, passeios, jardins etc., porque elas desfiguram a beleza das cidades. A morte dessas pessoas é relegada ao esquecimento, porque são consideradas lixo da humanidade. Aquilo que está no lixo não serve mais para nada.

A triste situação dos empobrecidos da sociedade clama a ira de Deus sobre a humanidade, pois representa um grave pecado contra a sua bondade e seu amor. A ideologia capitalista quer nos convencer de que os empobrecidos são preguiçosos e ignorantes e que graças a isto não se desenvolvem. Esta é a grande mentira que precisa ser combatida insistentemente. A verdade do Evangelho liberta-nos das mentiras do sistema e nos faz agentes transformadores da sociedade.

“Jovem, eu te ordeno, levanta-te!”. Jesus não fica somente no sentimento, mas vai além do compadecer-se. Ele se aproxima e ressuscita o jovem. No evangelho, tudo aquilo que está caído no chão é sinal de morte. O jovem morto é chamado à vida. O texto traz uma ação valiosa que se segue à ordem de Jesus: “O que estava morto sentou-se e começou a falar”. A primeira ação do jovem ao ter a vida de volta é falar. O evangelista não fala do conteúdo da fala do jovem, mas faz questão de dizer que o mesmo começou a falar. O que estava emudecido começa a falar. O que isso significa?

Jesus é o homem da palavra e da ação, e deseja que o ser humano fale e haja. Falar e agir faz parte da constituição do gênero humano. Somos seres da fala e da ação. A pessoa só é completa se falar e agir. Toda a missão de Jesus foi pautada na palavra e na ação. Aqui o evangelista chama a atenção para a fala. Pela palavra nos descobrimos e damos sentido às coisas, ao mundo e à vida. A palavra nomeia e expressa a vida. A fala nos é tão significativa que quando estamos diante de uma pessoa que de repente para de falar, logo a questionamos, queremos saber se a mesma está sentindo alguma coisa.

Ao falar, o filho da viúva se mostrou vivo para as pessoas. Isto nos ensina que precisamos dar oportunidade às pessoas, concedendo-lhes a palavra, a chance de falarem sobre si mesmas e sobre o mundo. Toda pessoa tem o direito de se expressar. Em nossa sociedade este direito é violado, pois as pessoas são ameaçadas para permanecerem caladas e, desta forma, não reclamarem da vida. Os pobres são os mais ameaçados, pois os grandes procuram incutir-lhes na cabeça a idéia do silêncio que os conforma ao sofrimento. Os próprios pobres, aos poucos, vão assimilando tal silêncio quando afirmam: “pobre nasceu para sofrer mesmo! Neste mundo não há lugar para todos serem felizes! Quem não tiver sorte na vida, está perdido! É melhor se conformar!”

Jesus entrega o jovem vivo à sua mãe. Certamente, foi grande a sua alegria! Eis o desejo de Deus: Que o homem tenha a vida! Foi para isto que Jesus veio ao mundo, para resgatar a vida humana, restituindo-lhe a vida e a liberdade. Este deve ser o interesse do cristão: Trabalhar para fazer brotar a vida. Este trabalho é formado pelo amor, vivido na solidariedade e na justiça. As Igrejas cristãs costumam falar demasiadamente sobre o amor de Deus, mas este amor é genérico. Dom Hélder Câmara dizia que este é do tipo do “amor de palavras e não de atos”. O amor de atos é o amor vivido e ensinado por Jesus e para que deixe de ser genérico, tal amor precisa ser sinônimo de solidariedade.

“Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio libertar o seu povo”. O povo logo reconheceu em Jesus a figura de um grande profeta e a presença operante do Deus da vida. A ressurreição do jovem filho da viúva de Naim foi uma ação profética de Jesus. Jesus anuncia a vida e denuncia o silêncio que leva à morte. Jesus denuncia, ainda, a desoladora situação das viúvas de seu tempo: Mulheres abandonadas na pobreza e sofrimento da viuvez. O estado de viuvez vivido no abandono é uma realidade de morte transformada por Jesus. O papel da Igreja deve ser o papel de Jesus: Ir ao encontro e ajudar na transformação das realidades de morte de nossos dias. Esta transformação deve ser a missão profética da Igreja.


Tiago de França

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Eucaristia


Pão do discípulo
Alimento para a caminhada
Presença viva de Jesus, o missionário do Pai.

Ânimo para os desanimados
Mesa dos famintos e injustiçados
Lugar de todos.

Jesus
Meu Irmão e amigo
Que te escondes simples e humildemente nas sagradas espécies
Socorre-me em minha fraqueza.

No encontro eucarístico
Ensina-me insistentemente que minha fraqueza
É cair na tentação de querer subir a montanha
E construir as três tendas.

Oh, meu dileto Irmão!
Não permitas que eu caia na terrível tentação
De somente te reconhecer na hóstia
Em detrimento do rosto da vida dos meus e teus irmãos.

Amado amigo
Eu bem sei que já descobristes
Que há séculos construíram mesas para te celebrar
Mesa seleta, cálice e patena de ouro.

O ouro da honra e da finura
O ouro do luxo e da riqueza
O ouro alcançado pelas mãos
Ungidas e dos anéis principescos.

E Tu, como ficas?
Tu que nasceste na pobreza da manjedoura
Desamparado e sem lugar
Para reclinar a cabeça?...

De quem é a culpa, Jesus?
Quem é o culpado pela institucionalização de teu gesto?
Ritos:
Palavras, gesticulações e orações.

Quando me ungirem e me instituírem pastor
Terei a divina alegria
De te oferecer sacramentalmente
Nas sagradas espécies.

Rogo-te, meu amado amigo
A fim de que quando chegar a hora
A hora da imposição que transforma
O pão e o vinho no teu Corpo e no Sangue.

Concede-nos
À tua Igreja e a mim seu indigno membro
A graça de partilhar para TODOS
O Pão que liberta da escravidão e da morte.

Do contrário,
Terei que me perguntar
Assim como às constituídas autoridades:
- A quem obedecer, a Deus ou aos homens?

Se a Deus
A mesa e a refeição são de TODOS
Se aos homens
Continuará de ALGUNS.

Todos? Alguns?
Mas não é a mesma coisa?
Não!
Todos está para a multidão, alguns para os seletos.

Para os que escutam o Evangelho da Liberdade
E acreditam no Pobre de Nazaré, a mesa é de todos.
Para os observantes da lei do puro e do impuro, do digno e do indigno,
A mesa é de alguns.

Converte-me, Jesus
Ao Evangelho da Liberdade
E que eu creia de coração
Naquele que é tudo em todos.

Amém.


Tiago de França