sexta-feira, 9 de julho de 2010

A oração do coração


Introdução

Vivemos num mundo atribulado por muitas formas de perseguições e sofrimentos. Quando ligamos a TV, lemos os jornais ou acessamos a Internet, a violência se apresenta violentamente. Estamos fartos de notícias más e, aos poucos, tudo vai se tornando coisa normal e as monstruosidades praticadas vão perdendo sua gravidade. Aos poucos, estamos nos acostumando com o clima de violência e insegurança que toma conta do mundo atual. A vida da pessoa e do planeta, nossa “Casa comum”, está perdendo seu sentido e sua sacralidade.

Pensar a partir da realidade

Por causa do dinheiro, do poder e do prestígio, um jovem goleiro, que tinha tudo para ser feliz na vida, resolve encomendar a morte de sua ex-namorada. Recusando-se à possibilidade da paternidade, manda matar uma jovem mãe, tirando-lhe o direito de viver e ser feliz com outra pessoa. Este é somente um caso dentre centenas de outros que a mídia não evidencia. Trata-se de um pecado e de um crime que, ainda, chama a atenção de todos. Vendo a imagem do acusado (o ex-goleiro Bruno), pus-me a pensar comigo mesmo: O que é que se passa na cabeça de um homem tão jovem, a tal ponto de cometer uma barbaridade dessas? Quais os valores que norteiam a vida desse jovem? O que está por trás de um crime desses?...

Na foto tirada no momento de sua prisão, o acusado aparece com a Bíblia, que para o cristão é a Palavra de Deus. Penso que o mesmo não leu, ainda, o versículo que diz: “Com efeito, tudo o que está escondido deverá tornar-se manifesto, e tudo o que está em segredo deverá ser descoberto” (Mc 4, 22). Mais cedo ou mais tarde, aparece a verdade que liberta toda pessoa da escravidão do pecado e da morte. Ninguém escapa da verdade dos fatos. Ninguém consegue esconder, eternamente, a verdade daquilo que realmente aconteceu. Homem nenhum consegue abafar a verdade.

Toda pessoa que pauta seu viver na mentira e no poder que oprime tem seus dias contados. Não adianta fugir, pois quando a verdade aparece, dissipa-se toda mentira e dilui-se todo poder. Somente a verdade tem capacidade de derrubar toda e qualquer espécie de poder opressor, pois nenhum poder opressor resiste ao poder libertador da verdade. Todo e qualquer poder opressor é estruturado pela mentira, que engana e manipula. Quando a verdade aparece, desvanece-se toda mentira que escraviza e manipula.

A prática orante das Igrejas

A realidade do mundo atual exige que os cristãos sejam maduros na fé que professam, e a maturidade cristã nos vem por meio de vários exercícios espirituais, dentre eles quero destacar: a oração. Percebe-se no Cristianismo que os cristãos têm rezado bastante. Nas Igrejas neopentecostais encontramos uma efervescência muito grande. Podemos dizer que as pessoas rezam demasiadamente! São variadas as formas e as manifestações orantes no meio cristão. Com muita liberdade, as pessoas clamam a Deus incessantemente. Os chamados “evangélicos” oram com mais liberdade que os católicos, pois estes estão mais presos às fórmulas canônicas de oração, devidamente aprovadas pela hierarquia da Igreja.

Para os católicos, a Celebração Eucarística (a Missa) é o culto por excelência a Deus. Trata-se de um culto regrado pelo Missal Romano, onde se encontram as fórmulas e rubricas canônicas que devem ser rigidamente seguidas. Nenhum sacerdote (presbítero ou bispo) pode modificar a estrutura da Missa. A estrutura é tão fixa que os católicos mal formados ou desprovidos de formação catequética e litúrgica pensam que toda Missa é igual. Com o ingresso do neopentecostalismo e com o surgimento da Teologia da Libertação na Igreja, tais fórmulas foram, são e continuarão sendo criticadas e em algumas circunstâncias, mesmo contras as prescrições canônicas, foram, são e continuarão sendo modificadas. Muitas vezes, não são modificadas as fórmulas em si mesmas, mas a compreensão e a maneira de como são aplicadas.

Além da Missa temos várias outras maneiras ou formas de oração: ofício divino, terços, ladainhas, salmos, Pai nosso, ave Maria, Salve Rainha, Credo e inúmeras outras orações que são publicadas pela Conferência dos Bispos por vários motivos festivos e/ou celebrativos. Todas as fórmulas e formas de oração podem ajudar em nossa relação com o Deus da vida, mas também podem nos prejudicar, até impedindo uma relação madura e consciente com Aquele que nos ama. A relação com Deus precisa ser verdadeira, e para que isto aconteça é necessária uma comunhão livre e consciente. Neste sentido, há algumas formas de oração que não levam a uma profunda e libertadora comunhão com Deus.

A oração e as formas de compreensão de Deus

Iniciei a presente reflexão falando de um caso que está chamando a atenção de todos os brasileiros e, quem sabe, também do exterior. Com isto quero afirmar que o cristão precisa rezar a partir da realidade da vida. Toda oração desvinculada da realidade é alienante e não cria comunhão com Deus. O Deus e Pai de Jesus não é um ente que está sentado num trono, observando a confusão do mundo dos homens, mas é o Emanuel, o Deus que está conosco (cf. Mt 28, 20). Há pessoas que rezam como se Deus estivesse nas alturas dos céus, fora do mundo, sem nenhuma ligação com as realidades vividas neste mundo.

O deus ausente do mundo e desvinculado da realidade é uma invenção do poder imaginário da mente humana. Este deus exige orações próprias. Durante tais orações, as pessoas precisam gritar, chorar, erguer as mãos o mais alto possível, “repousar no espírito”, oferecer dinheiro, fazer sacrifícios, vivenciar superstições, ler a Bíblia ao pé da letra, fazer promessas etc. É um deus surdo que gosta de manifestações emocionais, é o deus emotivo e milagreiro. Ele não cansa de fazer milagres, pois não está interessado em outra coisa senão a felicidade particular dos crentes.

O Deus e Pai de Jesus de Nazaré é o Deus do Reino, que enviou Jesus para inaugurar seu Reino neste mundo. É o Deus de amor que se manifesta na solidariedade entre os seres humanos. Os crentes que acreditam neste Deus procuram rezar a partir da realidade onde este Deus está atuando constantemente. As orações destes cristãos são destituídas dos elementos descritos no modelo de oração do parágrafo anterior. Trata-se de uma experiência de oração fundamentada na relação entre a fé e a vida. A oração ao Deus e Pai de Jesus de Nazaré é uma oração diretamente relacionada com o sentido e com a compreensão do Reino de Deus, ou seja, reza-se para manter-se no caminho de Jesus, caminho que conduz ao Reino definitivo.

É muito comum encontrarmos nas atuais Igrejas cristãs experiências intimistas de oração, que alimentam e/ou conduzem a uma vivência intimista da fé. Tais experiências geram pessoas descomprometidas com a construção do Reino de Deus. Nestas experiências encontramos pessoas dispostas ao louvor, mas indispostas à profecia. Esta constrói o Reino porque anuncia a verdade que liberta e denuncia as injustiças cometidas pelos homens. Citemos um exemplo para uma melhor compreensão.

O perigo da evangelização mediática


Se fizermos uma análise das mídias católicas ou do uso das novas tecnologias na comunicação do Evangelho, encontramos um grave pecado: a falta de compromisso com a solidariedade e com a justiça que constroem o Reino de Deus. Na Igreja Católica se destacam alguns canais televisivos: Canção Nova, TV Século 21, Aparecida, Rede Vida; além das inúmeras rádios e portais (Internet) católicos das Comunidades de Vida e de Movimentos católicos. Se fizermos uma leitura de textos, programas, palestras, formações, Missas, acampamentos, seminários etc. que são transmitidos é perceptível em todos estes meios a falta de referência fundamental ao Reino de Deus. Eles falam de tudo, menos da construção do Reino, que se dá na prática da solidariedade (amor) e da justiça entre as pessoas deste mundo.

A compreensão e o sentido da oração vivenciadas por estes meios não levam as pessoas ao compromisso com o Reino, pois a preocupação está centrada em reconduzir as “ovelhas perdidas” ao redil católico, a partir da velha compreensão de que fora da Igreja não existe salvação. São meios que se contentam em apresentar a Igreja ao mundo através de certa exposição exacerbada da doutrina e das leis eclesiásticas. Cultiva-se também a devoção aos santos, principalmente à Virgem Maria, muitas vezes, em detrimento do Reino de Deus. Podemos afirmar seguramente que no processo midiático da evangelização o Reino de Deus não está no centro da mensagem. Diante disso, pergunta-se: Qual o objetivo desta evangelização? Que o leitor reflita. Eis uma chave de leitura: Fala-se muito na salvação particular de cada pessoa.

O perigo das mídias católicas é tão grande que há católicos que deixam de viver sua fé na sua comunidade paroquial de origem para viver um cristianismo doméstico, pois a TV e a Internet fornecem Missas e bênçãos de todas as espécies e através de um boleto bancário e outras formas de arrecadação, as pessoas têm a oportunidade de suspender o Dízimo de sua paróquia e enviá-lo às TVs e Comunidades católicas tornando-se sócio colaborador e/ou sócio benfeitor. Não há nenhuma preocupação em viver a comunhão e a participação ensinadas pelo Concílio Vaticano II, pois sem sair casa as pessoas podem “viver” a fé. Até Jesus pode ser recebido espiritualmente!

A oração autêntica

Dito isto, é necessário compreendermos que a verdadeira oração leva a comunhão com Deus através da comunhão com o próximo. Quem julga estar em paz com Deus sem que esteja com seu próximo engana-se a si mesmo. A verdadeira experiência de oração se dá na relação solidária com o próximo, preferencialmente com aquele que sofre. Não adianta ser uma pessoa de muita oração sem práticas de solidariedade e misericórdia. Em nossas Igrejas, a maioria dos cristãos gosta muito de rezar, mas se mostra insensível em relação ao sofrimento do próximo. A Igreja está cheia de levitas e sacerdotes, que simplesmente olham o sofredor caído e passam por longe para não se comprometerem (cf. Lc 10, 25 – 37).

A Igreja precisa ser samaritana, mas para que isto aconteça, ela precisa escutar e obedecer aquilo que Jesus disse ao especialista em leis: “Vá, e faça a mesma coisa” (Lc 10, 37). O amor do bom samaritano é reconhecido no gesto solidário com o pobre ferido e caído. O mesmo se pede da Igreja: Que seja solidária com os pobres feridos e caídos de nossa sociedade. Para isto, a Igreja precisa aprender a rezar. Aprende-se a rezar com o próprio Jesus de Nazaré, modelo por excelência de oração. Jesus rezou ao Pai com a vida, na obediência da vontade divina, inaugurando o Reino. A oração de Jesus é o Reino de Deus. Este mesmo Reino é a verdadeira escola de oração para todo cristão.

Conclusão

Todo cristão é chamado a ser uma pessoa de oração, mas não de uma oração enquanto fuga do mundo, mas que impulsiona para a ação misericordiosa no mundo. Podemos aderir e participar das formas de oração oficiais de nossas Igrejas, mas com o devido cuidado de não ficarmos presos a elas. A oração também é um exercício livre que leva para a liberdade dos filhos e filhas de Deus. Em outras palavras, devemos rezar para nos libertarmos, não para sermos escravos uns dos outros nem escravos de nossas Igrejas. A oração é comunhão com o amor e com a liberdade, a pessoa que não reza não pode ser considera cristã, pois não se liberta para o amor (solidariedade). É preciso rezar com o coração.


Tiago de França
Fortaleza – CE, 09/ 07/ 2010

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