domingo, 29 de agosto de 2010

Humildade, dom de Deus


“A humildade é a origem de todo o bem que possamos fazer”
(São Vicente de Paulo. In: Coste IX, 604)

O mês vocacional termina com a exortação de Jesus a respeito da humildade. Façamos, pois, uma breve leitura de Lc 14, 1.7 – 14: coração da Liturgia da Palavra deste 29º Domingo Comum. A palavra é para a edificação de todos, quer leigos, quer ordenados. Jesus exorta a todos, indistintamente. O texto traz alguns detalhes importantes que precisam ser considerados. A verdadeira humildade tem seu caminho e tem sua origem na pessoa de Jesus. É para a glória de Deus e anúncio da Boa Nova é que somos chamados à humildade, do contrário não temos humildade, mas aparência e falsidade. Ninguém é humilde para chamar a atenção, mas para mostrar que tudo procede de Deus e converge para Deus.

No início do texto encontramos Jesus, num sábado, na mesa da casa de um dos chefes dos fariseus. Sabemos que estes eram seus inimigos. Ao sentar à mesa, Jesus vai ao encontro de seus adversários e corre o risco de estar com eles. A leitura de todo o Evangelho mostra que, de fato, os fariseus eram perigosos. Mas Jesus não tem medo deles. Esta atitude de Jesus revela que precisamos conviver com aqueles que se tornam nossos inimigos. Comer na casa de alguém é partilhar da vida da pessoa. Não podemos afirmar que Jesus partilhava das idéias nem dos projetos maliciosos dos fariseus. Sua presença junto deles é uma oportunidade para a conversão dos mesmos. Posteriormente, veremos que isto não aconteceu. Eles só observavam Jesus, com o intuito de apanhá-lo nalguma fraqueza. Eles não sabiam fazer outra coisa, e Jesus sabia disso; mas mesmo assim insiste em não ter medo deles.

Na medida em que os convidados tomam o lugar na mesa, algo chama a atenção de Jesus: eles escolhiam os primeiros lugares. Naquela época, assim como hoje, os primeiros lugares são das pessoas importantes e/ou daquelas que gostam de se destacar. Os primeiros lugares são dos destacados. Parece não ser o lugar dos humildes. Algumas vezes, encontramos pessoas humildes nos primeiros lugares, mas isto é muito raro.

Duas situações para ilustrar: Na escola, costuma-se dizer que os inteligentes sentam à frente e os bagunceiros ficam no fundo da sala; nas Missas do padroeiro das comunidades do interior, as autoridades políticas costumam ficar nos primeiros lugares. O padre e/ou os coordenadores da festa já reservam o lugar deles. Já cansei de ver muita gente pobre ser retirada desses lugares. Há uma hierarquia de lugares: no presbitério está o padre com os ministros e acólitos, nos primeiros lugares estão as autoridades e os ricos, e na multidão estão os pobres. O padre prega para os que estão nos primeiros lugares e corrige a falta de silêncio da multidão lá de trás.

Diante deste comportamento natural dos fariseus (ocupar os primeiros lugares), Jesus conta-lhes uma parábola. Ele se utiliza de uma festa de casamento para chamar a atenção deles. Ele ensina a procurar os últimos lugares e termina a parábola dizendo: “Porque quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado”. Quem não entende a maneira de ser de Jesus pensa logo que ele gosta da humilhação. Jesus quer ver as pessoas humilhadas? De que humilhação fala Jesus? Essa humilhação a que se refere Jesus não corresponde à anulação de si mesmo. Em outras palavras, Jesus não está pedindo para que nos sintamos os piores de todos, mas está nos exigindo a humildade.

Pode-se interpretar, equivocadamente, esta passagem quando se pensa: Jesus está pedindo que nos aniquilemos, que reconheçamos a nossa indigência pecaminosa, que soframos por nossos pecados, que nos desvalorizemos. Esta visão legitimou a autoflagelação acusatória na vida de muitos santos da Idade Média. Jesus não está pedindo nada disso. A humilhação a que se refere Jesus não corresponde a sacrifícios corporais, mas ao reconhecimento de nossa condição humana, legítima e naturalmente limitada e frágil. A pessoa soberba comporta-se contrariamente: goza de um orgulho excessivo, de uma arrogância insuportável. Assim se comportavam os fariseus, pois se sentiam melhores do que os demais membros da religião e da sociedade judaicas, julgavam-se superiores.

Em seguida, Jesus adverte o chefe dos fariseus a respeito dos convidados. Pelas indicações, eram amigos, irmãos, parentes e vizinhos ricos. Jesus diz que estes não deveriam ser convidados, pois possuem recompensas para retribuir o convite. Jesus lhe fala dos pobres, dos aleijados, dos coxos, dos cegos. Estes são dignos do convite para um almoço ou jantar, simplesmente, porque não possuem recompensas. Mas é preciso tomar cuidado com a idéia de recompensa, pois corremos o risco de pensar que basta convidar os pobres, oferecer-lhes comida, esperar a recompensa na ressurreição dos justos e tudo estará resolvido. Isto não significa muita coisa e Jesus não está pedindo isso. O que está ensinando Jesus ao falar dos pobres a um fariseu?

Jesus sabia muito bem que os fariseus exploravam e viviam à custa dos pobres. Em outra ocasião o Evangelho revela que o Dízimo era a maior fonte de exploração dos pobres (cf. Mt 23, 14), assim como é hoje em muitas de nossas Igrejas. Jesus fala dos pobres porque são eles os protagonistas do Reino de Deus. Jesus veio preferencialmente para os oprimidos do povo de Deus. Ele faz questão de dizer isso em plena mesa do fariseu, apontando o caminho da humildade. Os pobres conseguem mais facilmente ser humildes do que os ricos. Estes se julgam sábios, superiores e melhores, gostam de ser servidos, elogiados e aplaudidos. A pessoa humilde se abstém de tudo isso, pois sabe que todas estas coisas são obstáculos para a prática da humildade.

A pessoa que não é humilde gosta de humilhar o próximo, pois enxerga-o com indiferença e o considera inferior. Na ausência dos gestos, o orgulhoso é reconhecido pelo olhar, pois olha com desprezo e com más intenções. Não é um olhar que dialoga e penetra com misericórdia, mas que julga e condena as circunstâncias e as pessoas. O orgulhoso não vê no outro alguém que sabe e que pode, pois somente ele sabe e pode. Ele se coloca como a plenitude, como alguém que assegura a certeza e a completude das coisas. Se estas não passam pelo seu crivo, então não servem e/ou não se mostram válidas. Por isso, o orgulhoso tem uma tendência e uma facilidade de controle das circunstâncias e das pessoas, gosta de centralizá-las em si.

A pessoa humilde deixa o outro viver, participa da vida deste outro sem interferir na sua liberdade. Ser humilde também significa respeitar a liberdade do próximo. Somente quem é humilde consegue gozar da paz que vem do Cristo. O soberbo é inquieto, impaciente, intolerante; do contrário, o humilde é alguém tranqüilo, calmo, paciente, manso... O humilde sabe esperar. O orgulhoso, do contrário, atropela-se a si mesmo e aos outros. Costumeiramente, ninguém gosta de se aproximar nem de dialogar com gente orgulhosa, portanto, o orgulhoso está condenado ao isolamento e à solidão. Somente o humilde goza da verdadeira alegria e simpatia, o orgulhoso sempre se encontra estressado consigo mesmo e com a vida. Às vezes, chega a não suportar-se a si mesmo!

Na Igreja, temos pessoas humildes e orgulhosas. Há quem goste dos primeiros lugares e há quem goste dos últimos. Há um conflito permanente entre ambos os tipos. Aqueles que assumem os postos de lideranças são os que mais incorrem no pecado do orgulho. No clero, o orgulho é sinônimo de acomodação e de divisões. Muitos ungidos de Deus brigam entre si pelo poder. Estas brigam revelam uma crise de serviço. Somente este pode converter a todos na Igreja.

Em outras palavras, “aquele que quer ser o primeiro, deverá ser o último, e ser aquele que serve a todos” (Mc 9, 35). O serviço fraterno segundo os valores do Evangelho destrói em nós o orgulho. Somente a nossa participação no serviço ao próximo (caridade, solidariedade) pode nos assegurar a participação na ressurreição dos justos, pois o sentido da vocação e da missão cristãs está no SERVIÇO. Não encontramos brigas entre aqueles que buscam servir, verdadeira e evangelicamente ao próximo, mas entre aqueles que só sabem julgar, criticar e condenar, ou seja, entre os orgulhosos, interessados no controle e na manipulação do próximo.

Que o Espírito cultive cada vez mais no mais profundo do nosso ser o dom da humildade e que esta nos impulsione ao serviço.


Tiago de França

Nenhum comentário: