domingo, 12 de setembro de 2010

A misericórdia divina e a conversão


“Eu vos digo: Assim haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão” (Lc 15, 7).

O tema da misericórdia ocupa a centralidade da mensagem de Jesus. Este é a expressão máxima da misericórdia de Deus para com o ser humano. A sua vinda a este mundo é a prova maior de que Deus ama a cada pessoa e deseja a salvação de todos. É a misericórdia de Deus que salva o gênero humano, libertando-o do poder das trevas. É a misericórdia divina que converte a pessoa e a coloca no caminho de Jesus. O cristão é perdoado e restaurado pela graça divina para o seguimento de Jesus. Eis o convite do texto evangélico deste 24º Domingo Comum (cf. Lc 15, 1 – 32): viver a experiência da misericórdia divina no seguimento de Jesus de Nazaré. Em outras palavras, o perdão nos liberta para o perdão, somos perdoados para perdoarmo-nos mutuamente.

Jesus conta três parábolas para convencer os fariseus e os mestres da Lei da necessidade de acolher os pecadores. Os fariseus e os mestres da Lei eram as autoridades religiosas do tempo de Jesus que, apesar de conhecerem a Lei e os preceitos divinos, julgavam, condenavam e desprezavam as pessoas consideradas pecadoras públicas. Eles se julgavam melhores do que estas. Portanto, é necessário entender que as três parábolas são dirigidas às elites religiosas do tempo de Jesus. É muito importante situar as palavras e os gestos de Jesus, para que se possa compreender com clareza seu sentido e intenção.

As parábolas são: A da ovelha perdida, a da moeda perdida e a do filho pródigo. São três elementos perdidos e recuperados: ovelha, moeda e um filho. São três manifestações de alegria nas respectivas recuperações: A do pastor que coloca a ovelha nos ombros e convida os amigos e vizinhos para se alegrarem juntos; a da mulher que reúne as amigas e vizinhas para se alegrarem juntas e a do pai misericordioso que vai ao encontro do filho pródigo, cobre-o de beijos, reveste-o de roupas novas e anel novo, mata um novilho gordo e faz festa. A alegria é o sentimento comum as três parábolas. A alegria de poder reencontrar e recuperar alguma coisa ou alguém que nos é valioso/a é algo gratificante.

Jesus estava falando para pessoas que tinham no rigor das tradições e da Lei a legitimação para a vida. Fariseus e mestres da Lei viviam em função das tradições e da Lei. Eles zelavam pelo cumprimento das mesmas. Os pecadores, reconhecidos como transgressores da Lei e das tradições eram rejeitados, pois eram considerados indignos da atenção e dos favores divinos. Jesus, “homem que acolhe os pecadores e faz refeição com eles”, muda a sorte dos rejeitados e indignos, libertando-os da condenação das tradições e da Lei. Jesus está preocupado com a dignidade da pessoa, com sua humanização. Ele restitui a dignidade ferida, ameaçada e perdida.

“Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles”, criticavam as citadas autoridades. Na crítica encontramos o ensinamento: Acolher os pecadores. É verdade que todos somos pecadores e devemos acolhermo-nos, mutuamente. Além desta necessária acolhida, Jesus está falando de outro tipo de acolhida. Descobrimo-la quando levamos em consideração a posição social dos destinatários das palavras: fariseus e mestres da Lei, representantes autorizados da religião judaica. Desta forma, indagamos: O que este texto fala para os representantes autorizados da religião cristã de hoje? A realidade da religião, neste aspecto, exige um olhar mais detalhado. Os teólogos têm refletido bastante sobre a temática do poder nas estruturas da religião, aqui só me aterei em expressar, sinteticamente, o que penso sobre o ensinamento do texto em relação ao papel das autoridades religiosas de hoje.

A religião cristã tem suas doutrinas, suas organizações religiosas (Igrejas e/ou denominações), suas leis e seus representantes autorizados. No caso da Igreja Católica, há uma hierarquia a ser considerada. A hierarquia eclesiástica é composta por homens constituídos de poder religioso, que regem e administram os bens e asseguram a ortodoxia da fé, são pastores que organizam o serviço eclesial e ajudam o povo a organizar-se. Conceitualmente, também são considerados servidores do povo de Deus. Afirmei homens porque a mulher não participa do poder hierárquico da Igreja. Por que não participam? Porque a mulher não poder ordenada.

Jesus também fala para as autoridades religiosas de hoje a mesma coisa que falou para as dos judeus: Acolher os pecadores. O que significa acolher os pecadores? Significar ir ao encontro dos filhos pródigos do mundo de hoje: aquelas pessoas que por vários motivos perderam a sua dignidade. Os excluídos e empobrecidos de nossa sociedade, injustiçados pelo poder opressor, devem ser acolhidos pela Igreja. Nesta, os injustiçados devem se sentir em casa. Além de acolher os pecadores, a Igreja deve também fazer refeição com eles, ou seja, participar dos seus sofrimentos. Dom Hélder Câmara, profeta do Reino de Deus, ensinava que o Evangelho de Jesus aponta para a construção da Igreja dos Pobres: uma Igreja não somente de palavras, mas de atos, profeticamente despojada e comprometida com as grandes causas do Reino de Deus.

Assim sendo, as autoridades religiosas precisam tomar consciência da urgente necessidade de serem, essencial e profeticamente, servidoras dos empobrecidos. O poder que oprime, o luxo, os títulos, as honrarias, os privilégios, as isenções, a fama, o dinheiro, o autoritarismo e tantas outras concessões têm atrapalhado bastante a vida de muitos que compõem a hierarquia da Igreja. Os que se deixam levar por tais concessões se desviam do caminho de Jesus e não passam de fariseus e mestres da Lei. Fariseus porque separados, sem querer se misturar com os pecadores; mestres da Lei, porque conhecedores de doutrinas, normas, códigos, leis etc., que, muitas vezes, legitimam a opressão comprometendo gravemente a liberdade dos filhos e filhas de Deus.

O texto evangélico nos traz, ainda, três advertências: Primeira, que não podemos julgar os pecadores. Há pessoas que não sabem fazer outra coisa que não seja julgar e condenar as pessoas que erram. Há uma dificuldade de se reconhecer o que o outro tem de melhor e uma facilidade de lhe apontar o dedo indicador da condenação fria e covarde. Segunda, que todos somos pecadores. A absolvição sacramental, que nos confere o perdão de Deus, não nos liberta da condição de pecadores. Se todos são pecadores, isso significa que ninguém tem autoridade de julgar nem condenar as pessoas. Mas é preciso considerar que isto não significa omissão diante da verdade dos fatos e dos pecados cometidos pelo outro. A correção fraterna existe como instrumento de ajuda mútua. Terceira, apesar de sermos pecadores, o Deus e Pai de Jesus, justo e misericordioso perdoa-nos, infinitamente.

O Espírito do Senhor nos dá a humildade que nos faz conscientes de quem verdadeiramente somos: frágeis e limitados. Este mesmo Espírito intercede por nós junto ao Pai e nos concede, também, a graça de sermos misericordiosos com nossos irmãos e irmãs. Somos assistidos pela misericórdia de Deus quando somos misericordiosos com o próximo.


Tiago de França

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